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O barulho de seus saltos ecoava no beco. As gotas da chuva caíam em seu rosto, se misturando ao suor que escorria até o seu queixo, causando uma coceira leve que ela ignorava enquanto apertava o passo, pisando em poças grandes o suficiente para submergir seu pé, mas não grandes o suficiente para a distrair de seu objetivo. O cabelo preso em um rabo de cavalo agredia seu rosto todas as vezes que ela virava para trás para checar se estava sendo seguida. 

O beco estava escuro e era muito longo, então ela se certificava a todo minuto de não estar sendo seguida, já que sua respiração ofegante e o barulho da tempestade tornavam difícil ouvir qualquer outra coisa. 

Ela puxou, então, o capuz por sobre a cabeça a fim de esconder seus cabelos cor de platina e, assim, se destacar menos. Quando, por fim, se aproximou de um homem que estava em pé na saída do beco para a avenida principal, estranhamente movimentada para aquele momento da noite. Seu passo diminuiu e sua guarda baixou. 

Que bom que você veio - ela começou a falar mas foi interrompida pelo homem, que levou o dedo à boca em sinal de silêncio. Ela ficou confusa, mas entendeu quando ele abriu seu sobretudo para revelar um microfone preso à parte interna do casaco. Pegaram ele também.

- Me perdoa - o homem disse sem emitir som. 

- Tudo bem - ela disse, do mesmo jeito.

- Você conseguiu o que te pedi? - A pergunta era a chance de ela negar o que trazia nas mãos e se despedir. Ela entendeu.

- Não. Não consegui recuperar. Acho melhor a gente não se contatar mais - uma lágrima escorria de seus olhos. Ela sabia o que deveria fazer. Era a chance dela de se salvar, mas custaria a vida daquele homem que estava à sua frente. O homem que considerava seu mentor. - O que você tem me pedido é muito perigoso. Não vou cometer crimes para você. 

Ele assentiu, também chorando.

- Entendo - ele disse, fechando seu casaco e a puxando para perto, num abraço. Começou a sussurrar. - Não tive escolha, Cas. Corra e destrua todas nossas comunicações. Não pare de correr. Eles vão vir atrás de mim. 

- Eu te amo. 

- Também te amo, pequena. 

Ela começou a correr pela avenida. Carros passavam rápido, havia mais pedestres do que ela previra para esta hora da noite. Foi quando uma van passou por ela, jogando água sobre todo seu corpo. Ela ignorou a água, mas parou para observar a van, que estacionou em frente de onde ela tinha saído. Um homem desceu e ergueu uma arma. O disparo antecedeu um barulho um pouco mais baixo, quase imperceptível. Tão inaudível que Cassie se questionou se havia ou não ouvido aquilo. O homem voltou para a van e Cassie voltou a correr. Mas eles não a perseguiram. 

Ela não podia ser presa agora. Não por alta traição. E não sem as provas necessárias para que o julgamento dela fosse apressado e um show midiático, como Sardes queria. 

Mesmo assim, ela corria.

E corria.

Até que seu salto quebrou.

E ela caiu.

E a maleta que ela carregava também caiu. Ela se levantou, recolheu a maleta e continuou mancando até não sentir mais seus pés. Chegou ao prédio em que trabalhava, que não imaginava ser tão longe. Na portaria, o guarda estava dormindo. Como sempre. Ela passou seu cartão e a entrada foi liberada. Ela entrou num elevador que estava à sua espera, pingando água por todo o caminho. Ao chegar em seu escritório, depois de uma longa viagem no elevador, ela pegou seu laptop e apagou todos os arquivos, antes de lançá-lo da janela em uma queda de trinta andares. Ao fazer isso, ouviu o som do elevador que anunciava a chegada de mais alguém.

Ela se virou rapidamente e viu uma mulher alta, vestindo uma calça branca acinturada que quase cobria o salto, também branco. Ela usava um casaco, também branco, que apenas destacava seu cordão com uma enorme pedra de safira num pingente com a forma do globo. Seu cabelo impecavelmente cortado na altura do ombro servia como a moldura perfeita para seu rosto de serpente, com um nariz minúsculo e olhos azuis que pareciam pouco naturais. Ela retirava um fio preto de seu cabelo do casaco de pele branco, enquanto segurava a bolsa que trazia consigo com apenas uma das mãos. Ela caminhou calmamente até o escritório em que uma Cassie ofegante, molhada e surpresa esperava. 

- Chegou cedo - ela sorriu, enquanto deixava sua bolsa na mesa de vidro em frente à porta e pegava uma pasta de dentro dela. Encarando a menina que rapidamente virou-se de costas ao vê-la chegar, ela se aproximou. - Ligue para o pessoal da limpeza para vir secar o chão. E coloque uma roupa seca. Tem um terno no seu armário.

- Ah, olá - ela enxugou as lágrimas antes de se virar, em uma tentativa de se recompor. - Como sabia que eu estaria aqui? 

Cassie estava atônita. Sardes sempre chegava cedo, mas ela jamais imaginaria que seria às cinco da manhã. Como explicar seu estado? As lágrimas, a janela aberta, a poça de água que pingava dela no tapete, seu odor de suor, chuva e lama.

- Não sabia. Mas tanto melhor - Sardes a entregou a pasta. - Preciso que você providencie o pronunciamento desta tarde sobre a morte de James. Os detalhes estão dentro desta pasta. Estarei no meu escritório. 

Cassie pegou a pasta de suas mãos e assentiu. Um zumbido em seus ouvidos e então ela conseguia ouvir sua própria pulsação. Rápida, forte. Ensurdecedora.
Isto era um ataque. Sardes saiu, recolhendo sua bolsa da mesa, em silêncio. Ao chegar na porta, se virou para encarar Cas, que estava abrindo a pasta com lágrimas nos olhos. 

- E parabéns, você é a nova secretária de imprensa do Novo Governo. 

O barulho de seu salto no chão de mármore preencheu todo o escritório enquanto Cassie se assentava ao lado da bomba que Sardes a entregara. Na pasta, a foto do homem com quem ela se encontrara mais cedo. O homem para quem trabalhava, que ocupava o cargo para o qual ela acabara de ser designada. James Lavezzi. Seu tio, mentor e chefe. A foto mostrava seu corpo numa rua, com uma roupa diferente da que usava mais cedo. Um ferimento de bala na sua cabeça. Uma poça vermelha no chão. As diretrizes para o pronunciamento incluíam deixar bem claro que era um ataque da oposição, rechaçar a ideia de uma rebelião, evidenciar como era absurdo tamanha afronta a um membro do alto escalão do governo com a finalidade de desmoralizá-los. Cassie chorou até a chuva passar.

AbsynthoWhere stories live. Discover now