Colegas de Quarto ✽ Capítulo 1

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Natalie pensou em beliscar o próprio braço quando finalmente teve um vislumbre do internato onde moraria pelo resto do ano letivo. Era isso o que as pessoas faziam quando achavam que estavam sonhando, não?

Ela já havia visto todas as fotos disponíveis no site do colégio no último mês (e eram mais de 1.600), mas nenhuma das imagens dos prédios de aparência clássica e opulente, com suas heras suntuosas cascateando pelas paredes, era capaz de traduzir adequadamente a emoção daquele novo ângulo pelo qual o observava.

Entre os muros de pedra escura, havia um imponente portão de entrada. A grama bem cuidada se alastrava como um tapete de veludo, contornando caminhos de pedra gasta que se estendiam até o horizonte. Natalie não se lembrava de ter visto tantas árvores juntas em toda a sua vida! Quase parecia que estava prestes a adentrar em um bosque encantado, ao invés de um dos colégios internos de maior renome de São Paulo.

— Filha, eu mudei de ideia, não quero mais te deixar aqui! — Do banco da frente, Sônia também contemplava a grandiosidade do internato. — Você tem que me prometer que ainda vai querer voltar pra casa, entendeu?!

Natalie sequer conseguiu responder. Quando o ganido agudo de Sugar ecoou pelo carro, percebeu que talvez estivesse apertando demais o seu cachorrinho porque talvez estivesse um pouco nervosa. Deu um beijinho de desculpas no Lulu da Pomerânia que segurava no colo e o entregou à mãe.

— Tchau, Sugar. Vou sentir saudades! — Então adicionou, num sussurro: — Morde a Bianca quando chegar em casa, ok?

Sônia já estava à beira das lágrimas enquanto abria a porta do carro:

— Filha, vem aqui fora. A mãe quer te dar mais um beijo!

— Pelo amor de Deus, Sônia! Já passamos as últimas quatro horas nos despedindo — André reclamou, levando uma mão às têmporas. — Eu nem posso parar aqui!

O que não foi o suficiente para impedir sua mulher de sair do carro para se despedir da filha mais uma vez. Sônia Conceição era uma mulher de gestos amplos e espalhafatosos, então aquela despedida que misturava beijos com lágrimas, acompanhada pela cacofonia de latidos vinda de dentro do carro, chamou a atenção de algumas garotas que se dirigiam à entrada do colégio. Para o alívio de Natalie, ou fingiram não ver, ou preferiram ignorar.

— Mãe, eu vou ficar bem! E vou voltar para casa também, prometo! — A filha não poupou sorrisos enquanto tentava reordenar os cabelos loiro-escuros, bagunçados durante os abraços.

Quando André começou a desconfiar que Sônia a atiraria de volta para o carro e o mandaria arrancar, mãe e filha finalmente terminaram de se despedir. Então, ele a ajudou a tirar as duas malas caramelo do porta-malas e teve sua vez de abraçá-la, desejando-lhe toda a sorte do mundo naquele novo ano — sucinto, como de costume, mas cheio de amor.

Natalie nem teve tempo de processar os últimos minutos (em que sua mãe voltou para mais um abraço) antes de se ver sozinha com duas malas e uma bolsa estufada em frente à entrada do internato. Inspirou profundamente, na esperança de acalmar as batidas do coração, mas não demorou muito para passar pela entrada, tentando ignorar a ansiedade que a perseguiu nas últimas semanas.

Há cinco meses, ela nem sequer sabia como funcionava um colégio interno, além da constatação óbvia de que os alunos dormiam e estudavam lá. Nessa época, ela e os pais ainda moravam na capital. Conforme os dias passavam e a menina gastava horas de seu dia lendo sobre internatos pelo Brasil (e mais horas ainda lendo livros que se passavam em internatos), a vontade de que o começo das aulas chegasse logo apenas aumentou. Era uma experiência tão nova e diferente do que estava acostumada que sentia que passaria a viver uma vida que nem era a sua.

Lilium (Colegas de Quarto)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora