Capítulo dois

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Antes

24/12/1998


Ele queria desesperadamente puxar as tranças dela, mas a menina corria muito rápido e se desviava com facilidade das pernas dos adultos, que ralhavam com eles para pararem de correr, enquanto ele tinha que diminuir o ritmo para não bater em alguém, já que não conseguia desviar de todos como ela.

- Você nunca vai me alcançar, sou muito mais rápida do que você. – A garotinha olhou para trás e riu do menino, perdendo momentaneamente a concentração. Ao olhar para frente mais uma vez, deu de cara com as pernas de alguém e caiu espatifada no chão.

- Burra, minha mãe sempre fala que não devemos cantar vitória antes da hora. – Ele se abaixou ao lado da menina e puxou as tranças dela rapidamente. – Eu ganhei, se machucou?

- Não, mas não quero mais brincar. – Ela não gostava de perder, o menino se deu conta. Ele estendeu a mão para ela, pensando no que poderia falar para a garota não para de brincar. Ele sempre achava o natal chato, com pessoas muito arrumadas que nunca podiam se bagunçar ou sair da mesa e com sua mãe sempre mandando ele ficar quietinho ao lado dela. Esse estava sendo um natal divertido, finalmente ele tinha alguém com quem brincar. – Obrigada. – A menina pegou a mão dele e ele a puxou, ela parou por alguns segundos e ajeitou a saia do vestido antes de soltar a mão dele e começar a se afastar.

- Ei, espera! Vamos continuar brincando, dessa vez não valeu, foi culpa daquelas pernas na sua frente, eu não ganhei de verdade. – Ele apressou o passo para poder acompanhá-la.

- Você está falando abobrinha, claro que você ganhou. Eu olhei para trás, sendo que não deveria, cai e você aproveitou a oportunidade. – O garoto franziu o cenho, como se não entendesse.

- Então... por que você não quer mais brincar? – Ela sabia que havia perdido e não se incomodava com isso, o menino sentiu sua simpatia por ela crescer um pouco mais. – Achei que você não gostava de perder.

- Quem gosta de perder? Eu com certeza não gosto. Mas só não quero brincar mais porque estou com fome, vou ir ver se meu pai deixa eu pegar algo antes da ceia. Minha mãe nunca deixa, mas se for meu pai na cozinha esse ano eu estou com sorte. – Ela deu um sorriso conspiratório para o garoto. – Quer ir comigo?

- Claro. Seu pai também cozinha? Na minha casa, minha mãe diz que cozinhar é coisa de mulher e meu pai diz isso também.

- Minha mãe me ensinou que não existe coisa de menino e coisa de menina, os dois podem fazer tudo, meu pai sempre diz que ela está certa.

- Mas você não pode brincar de carrinho e eu não posso brincar de boneca.

- Quem disse? Eu tenho uma coleção gigante de carrinhos e ano passado ganhei uma pista para eles correrem! E se você quiser, eu deixo você brincar com as minhas bonecas. É divertido. – ela segurou a mão dele e o puxou, ajudando-o a desviar das pernas compridas. Ao chegarem na cozinha, ela estava vazia a não ser pelas panelas no fogão e alguns pratos com doces em cima de uma bancada. Os olhos da menina brilharam ao ver os doces. – Não tem ninguém! – Ela pegou dois doces da bandeja e entregou um para ele. – Não conta pra ninguém.

O menino colocou o doce na boca e a garota fez o mesmo.

- Agora nós estamos ligados para sempre, roubamos um doce. – O menino brincou.

- Parceiros em um crime perfeito. – A garota riu. – Vamos, quero te mostrar meus carrinhos.

O garoto seguiu ela pela casa inteira e pensou que talvez eles agora fossem amigos.

Já no quarto, arrastando os carrinhos dela para lá e para cá, a questão continuava na cabeça do garoto.

- Nós agora somos amigos? – Ele a olhava, com a cabeça de lado, como quem observa algo que tenta entender.

- Claro que somos, e se você aparecer aqui para brincar comigo no próximo sábado, podemos ser melhores amigos. – a garota sorriu para ele, e ele soube que iria aparecer no próximo sábado e no seguinte e no que viesse depois do seguinte. Eles seriam melhores melhores amigos.

Então ele retribuiu, um pouco atrasado, o sorriso conspiratório da garota.

Carta de natal atrasada | ✓ Where stories live. Discover now