Capítulo cinco

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Agora

25/12/2019


Eu devo ter cochilado na varanda por quase uma hora, pois quando olhei o relógio já marcava duas da manhã. A contragosto eu me levantei e me enfiei no chuveiro, tomando um rápido banho para tirar os resquícios da festa do meu corpo e depois, contente e refrescada, me enfiei em meu melhor pijama de verão.

Estava deitada em minha cama, com os olhos já fechados, quando ouvi um estrondo metálico e os latidos do meu cachorro. Reclamando em todas as línguas conhecidas, me levanto e vou até a sala, vendo a bandeja em que jogo todas as minhas cartas e moedinhas no chão, com todo seu conteúdo espalhado.

- Luthor, qual é a sua? Não pode ir dormir também, tem que ficar metendo suas patinhas em tudo? São quase três da manhã garoto, me deixa dormir. – Faço um carinho na cabeça dele enquanto pego as coisas, até uma carta chamar minha atenção. – Olha, é da minha mãe. Minha mãe nunca me manda cartas. – Me rendo e finalmente sento no chão, puxando o cachorro para meu colo. – Vamos ver o que é tão especial assim para ela ter me mandado uma carta em vez de uma mensagem. – Abro o envelope e tiro a carta, percebendo que há outro envelope dentro, meio amarelado.

"Filha,

Esse outro envelope chegou aqui em casa para você ontem (hoje, enquanto escrevo essa carta, é dia 22/12/19). Eu não abri ele, apesar da minha vontade, então fique tranquila. Achei estranho ter chegado nesse endereço, sendo que você se mudou faz dois anos! E o mais estranho ainda é que o papel usado para envelopar o que quer que seja, já está amarelado, de velho mesmo. Suponho que deva ter sido algum erro no sistema dos correios e que essa carta tenha sido extraviada muitos anos atrás e acabou voltando pro sistema ou sendo encontrada. Não sei, não trabalho nos correios, o que importa é que essa carta está aqui e eu acho que você gostaria de ler ela, considerando que seu nome está escrito com a mesma letra daquele seu admirador secreto que te mandava cartas todo o natal e que você nunca me deixou ler nenhuma delas.

Com muito amor e curiosidade,

sua mãe."

Encarei a carta por alguns minutos após terminar de ler, tentando entender. Ao sair do meu estado de torpor, peguei o envelope amarelado e vi meu nome escrito na letra que eu conhecia tão bem.

- É do Marcelo. – Murmurei para o cachorro, que ainda estava no meu colo e parecia entediado. – O Marcelo não me manda nada desde que tínhamos... 15 anos, eu acho.

Abri o envelope com todo o cuidado do mundo, sentindo o papel desgastado em minhas mãos e sorri ao constatar que era realmente a letra dele no papel, com a data do natal de 2004.

- Foi no natal que ele se mudou, Luthor. – Eu ri, pensando que ela havia chegado quinze natais atrasados.

A carta começava como qualquer outra carta de natal que ele já havia me mandando, com ele me desejando coisas boas para o ano que viria, mas meu sorriso começou a morrer quando cheguei a sua metade, percebendo que não se tratava somente de uma carta de natal qualquer.

Eu li e reli as palavras, tentando fazer minha ficha cair.

Era uma declaração de amor.

#

Não sei por quanto tempo fiquei olhando para as últimas palavras daquela carta. Poderiam ter sido horas, minutos ou segundos, mas em minha percepção de tempo havia se passado uma eternidade.

Agora meu tapete sofria as consequências pelo meu estado de nervosismo, comigo desgastando-o enquanto andava em círculos pela sala.

Eu tentava ser racional enquanto um milhão de sentimentos queriam se apossar do meu corpo, mas no final acabei cedendo minha racionalidade para dar lugar a euforia.

Carta de natal atrasada | ✓ Where stories live. Discover now