PRÓLOGO

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Bom dia, adaptação do livro Viajante do Passado, autor Joan Hol, postado em meu antigo perfil! Espero que gostem e boa leitura!! :*



Montana, véspera de Natal, 1918.

A neve caía silenciosa na noite de inverno. Dentro de uma pequena cabana isolada, uma mulher se olhava no espelho rachado e ondulado, resmungando enquanto passava os dedos longos pelo rebelde cabelo escuro e comprido.

— Preciso cortar o cabelo... — A delegada Lauren Jauregui fez uma careta diante do reflexo distorcido. — E tomar um banho também.

Contraindo os lábios finos, ela limpou o óleo da ponta dos dedos na toalha surrada e, estreitando os olhos com ar crítico, recuou para conseguir uma visão parcial de seu corpo alto e esguio.

O paletó, depois de ficar enrolado numa lona e amarrado atrás da sela, estava amassado, e sua única calça decente se encontrava nas mesmas condições.

Ela deu de ombros e se afastou do espelho. A camisa branca, pelo menos, apesar de surrada, estava limpa e passada, e a fina gravata que insistia em usar pois lhe dava um ar de respeitabilidade por ser a figura de alto poder, que ela se esforçava em demonstrar.

Que importava, afinal? 

Lauren sorriu sem graça. Era uma estranha na cidadezinha de mineiros nas montanhas Anaconda de Montana. Ninguém a conhecia, exceto o xerife local e alguns preocupados cidadãos. Mesmo assim, por razões que a delegada conhecia muito bem, tudo importava. Era véspera de Natal, e ela ia à igreja. Lauren Jauregui, uma caçadora de bandidos, uma solitária mulher da lei conhecida como Falcão tanto pelos amigos como pelos inimigos, a mulher fria e retraída que não pisara numa igreja durante vinte anos, agora se arrumava para assistir à cerimônia de Natal na tosca igreja da cidadezinha.

Enfiando a ponta dos dedos no bolsinho da cintura, Lauren retirou um relógio de prata redondo e, com um toque, abriu a tampa. Seis e meia. A cerimônia religiosa começaria às sete horas, e ela levaria mais ou menos dez minutos para subir a colina até lá. Suspirando, fechou a tampa e guardou o relógio no bolso outra vez.

O que faria durante vinte minutos? Suspirando, Lauren começou a andar pela cabana e soltou a rédea dos pensamentos que ameaçavam aflorar.

Com frieza profissional, matara um homem havia menos de vinte e quatro horas. Essa lembrança a fez estremecer. O fato de ter matado no cumprimento do dever não impedia sua reação, ainda que o morto fosse um fora-da-lei. Nada aliviava o desconforto. O trabalho policial vinha lhe causando uma crescente insatisfação, que ultimamente chegava quase ao desespero.

Estava cansada, mas era cansaço mais de espírito que de corpo. Missões como a última eram cansativas. Perseguira um foragido durante quase um mês, do interior do Texas até as montanhas de Montana. Estava farta de dormir com um olho aberto e sempre preocupada com as costas. Se sentia exausta de matar homens que pareciam mais bichos que gente. O criminoso que ela matara fora um desses animais.

Lauren tinha trinta e cinco anos, dos quais mais de dez passara usando um distintivo, perseguindo bandidos e protegendo cidadãos honestos. Sabia que logo a passagem do tempo começaria a se tornar uma desvantagem para ela, e que então seus dias provavelmente estariam contados. Conhecia bem de perto a morte; ela a vira inúmeras vezes. Porém, não sentia medo ou ansiedade diante da possibilidade real de seu fim. E, a cada nova missão, se tornava mais consciente de quanto o tênue fio da vida era precioso para todas as criaturas.

Aquela sensação perseguia Lauren havia mais de um ano. Por isso sentia náuseas sempre que se via frente a frente com uma situação cujo fim era morte a tiros.

"Mas, numa terra indomável, que outra opção há senão fazer cumprir a lei com um revólver na mão?" Lauren pensou, alisando o cabelo. Os cidadãos honestos precisavam de proteção contra aqueles que viviam à margem da lei. O resultado, portanto, era a constante violência e, na maioria das vezes, a morte.

Lauren, cada vez mais, se convencia de que tinha de haver um modo melhor de viver, mas a resposta não lhe ocorria. Talvez em outro tempo, em outro lugar...

— Que droga! — ela resmungou.

A frustração se tornava um peso excessivo para ela.

Seria por essa angústia que ela decidira ir à igreja na véspera de Natal? 

Ela sorriu com o canto dos lábios apertados. Sim, precisava admitir que tinha muita coragem para buscar conforto na casa de Deus após tantos anos. Mas ela era mais que uma mulher da lei. Era um ser humano, com suas necessidades, desejos e sonhos, como qualquer outro. Estava cansada de viver no lombo de um cavalo. Queria um lar, uma mulher (sim mulher, Lauren sempre deixou claro a todos no condado de sua preferência afetiva e sexual) e um filho.

Talvez fosse hora de parar, acabar com a matança. Ela precisava de uma segunda chance, recomeçar uma vida decente.

Como vinha economizando uma grande parte de seu ordenado, sempre pago em moedas de ouro, a primeira parte de seu sonho, possuir um pequeno rancho, estava ao seu alcance. Pensando bem, definitivamente chegara a hora de deixar aquele trabalho.

Nesse momento, Lauren apanhou o relógio outra vez: faltavam cinco minutos para as sete. Se ia mesmo à igreja, era o momento de se pôr a caminho. Com ar distraído, guardou o relógio, pensando quanto tempo fazia que entrara numa igreja pela última vez. O chefe máximo a receberia bem? Ao recordar uma cena da adolescência, quando ficara sentado ao lado da mãe num banco de igreja, teve a resposta. Não se lembrava de todas as palavras, mas as que guardara ofereciam conforto e certeza: "Vinde a mim os que têm fardos pesados, e eu vos darei descanso".

Descanso, com certeza, era a primeira de suas necessidades. Lauren vestiu o casaco de lã, puxou a aba do chapéu para a frente e deixou a cabana. Não havia ninguém à vista. Todas as pessoas de bem da cidade já deviam estar reunidas, concluiu, olhando para a luz saindo das janelas da igreja. Levantou a gola do casaco e começou a subir a colina. De repente, no meio do caminho, alguém gritou seu nome, rompendo o silêncio da noite.

— Lauren!

Ela estremeceu, assustada. Imediatamente seus reflexos assumiram o comando. Flexionando os músculos da perna ao girar, ela tocou um joelho no chão, e levou a mão ao revólver que quase se tornara parte de sua coxa direita, mas, enquanto sacava a arma do coldre de couro, um disparo de rifle ecoou, destruindo a ilusão de uma noite tranquila.

O corpo de Lauren balançou com o impacto da bala contra o peito e, com os olhos arregalados de surpresa, se viu enfiando o revólver outra vez no coldre. Sua vista escureceu. Então ela caiu para a frente, tão devagar que o chapéu permaneceu no lugar quando bateu o rosto na neve.

O choque frio lhe deu um momento de lucidez. Ia morrer! A ideia ecoava em sua mente enquanto o sangue encharcava a camisa. Respirando com dificuldade, rangendo os dentes, se moveu até conseguir se deitar de costas. Agora não sentia mais o frio cortante ou a neve. Os flocos não derretiam em seu rosto.

Ela ia morrer. Não haveria uma segunda chance, nenhuma vida nova e decente. Nenhum lar. Nenhuma esposa ou filho. A eternidade apenas. Nada mais.

Seus lábios se contorceram numa expressão melancólica. Aquele não era exatamente o tipo de descanso que ela desejara.

Então, de uma longa distância, ela ouviu o toque dos sinos da igreja. "Não! Não!" Ela protestou numa angústia silenciosa. Não podia morrer naquela noite, na véspera de Natal!


Viajante - Camren GpDonde viven las historias. Descúbrelo ahora