Capítulo 21

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Ian

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Ian

     Um velho empregado me explicou detalhadamente como encontrar o médico mais próximo, que vivia pouco depois do limite da propriedade Kedard. O homem gorducho que me atendeu de cara amassada parecia ter sido arrancado de seu cochilo da tarde, e não estava tentado à me acompanhar tão facilmente, porém o convenci com um olhar de ódio e alguns gritos, graças aos deuses, pois se ele se recusasse à atender meu pedido eu o socaria e o arrastaria à força até Missy, tamanho desespero que vê-la daquela forma me causou: pálida e trêmula, coberta do próprio suor, com aquele olhar angustiado de dor e medo.

     Agora, aguardando no corredor que o médico termine o atendimento, tento novamente espantar a imagem dela jogada ao chão, sem sucesso e talvez já pela décima vez. Preciso que aquele velho saia, preciso vê-la bem e sorrindo para mim, preciso apagar aquela imagem da memória e esse medo irracional que me toma. Missy está doente? Adoeceu agora ou já estava antes? Porque não me contou? Será que não confia em mim? Maldição, ela passou por tantas coisas que talvez não confie em ninguém além de si mesma. Ah, essa mulher teimosa e irritantemente forte está me deixando maluco! Desde que a vi com olhar perdido no centro de comércio vendendo suas jóias para sobreviver eu senti que me envolver com ela traria problemas, porém como resistir ao magnetismo daqueles olhos verdes que me desnudam a alma?  Como resistir à aquele temperamento tão suave quanto vendaval?

     A porta se abre, tirando-me de minhas divagações e Agnes sai do quarto com o doutor ao seu encalço, estampando um sorrisinho animado sob o bigode, que imagino ser devido ao tilintar das moedas que se fazem soar de seu bolso. Com um leve aceno de despedida do senhor e um olhar enigmático da mulher, espero que ambos desapareçam pelas escadas para que possa entrar no quarto, o que faço quase um minuto depois, após uma leve batida na porta.

-- Não deveria estar descansando em seu quarto, senhor Mackenzie?

     Como ela sabia que era eu adentrando em seu aposento? Missy está deitada na cama, vestindo uma larga camisola verde escuro que contrasta com o branco dos lençóis e o alaranjado de seus cabelos. Com o rosto virado para as janelas, no lado oposto de onde entrei, observa calmamente o pôr do sol que se iniciará a qualquer momento, tendo novamente no semblante aquele olhar perdido que tanto me inquieta. Ah, se eu fosse tão bom na pintura quanto minha irmã Jenny fora, certamente essa cena seria a minha obra mais querida.

-- Como descansaria sabendo que está doente, senhorita Kedard? -- pergunto.

     Finalmente ela vira o rosto em minha direção e, como sempre faz, me olha de maneira que parece conseguir ler meus pensamentos.

-- Deitando-se na cama ou aproveitando um banho quente na banheira, imagino. -- diz suave, e vejo a sombra de um sorriso brincando em seus lábios.

     Essa tentativa de descontração conseguem me acalmar um pouco e, suspirando, sigo até sua cama onde ajoelho-me em sua beirada para ficar o mais próximo possível sem incomodá-la.

-- O que você tem, Missy? -- peço a verdade, enquanto pego sua mão fria entre as minhas.

     Antes de responder, vejo lágrimas retornando aos seus olhos, porém ela não os desvia dos meus.

-- Como o médico que me atendeu em sua casa, esse disse que me esforcei demais e estive à mercê de muitas emoções. Preciso apenas de alguns poucos dias de descanso.

-- Tem certeza de que é apenas isso? -- acaricio sua bochecha -- Missy, sabe que pode contar comigo. Confie em mim.

     Minhas palavras apenas fazem com que seus olhos fiquem ainda mais marejados. Ela aperta minha mão com força como se fosse tudo que a mantém na superfície.

-- Eu sei Ian, é só que... -- ela suspira enquanto seca uma lágrima solitária -- Você já fez tanto por mim, e não é justo.

     "Não é justo", ela repete sussurrando consigo mesma.

-- Diga-me, Missy, por favor não me deixe nessa agonia!

-- Logo agora que tudo está se acertando, meu corpo perde as forças. -- ela diz frustrada -- Tenho tanto à fazer, tanto a supervisionar, não é justo que eu tenha que ficar ociosa. Preciso trabalhar!

-- Essa é a sua preocupação? Missy, pelos deuses, acha que eu vim até aqui à passeio? Ou então que vim persegui-la movido à interesses românticos? Eu vim trabalhar por você. Jamie lhe deu o apoio financeiro, mas eu vim para garantir que tudo seja feito da melhor forma possível.

-- Isso não estava no contrato. -- ela diz surpresa, após alguns segundos de silêncio, e entrelaça nossos dedos.

-- Se quiser posso pedir para que o nosso tesoureiro faça um agora mesmo.

     Missy sorri enquanto levo nossas mãos unidas aos meus lábios e deposito em sua pele um suave beijo.

-- Não será necessário. Eu… eu confio em você, Ian -- ela me garante, mantendo aquele sorriso que espanta o medo de meu peito e espalha em mim aquela sensação gostosa de frio no estômago.

-- Obrigado. Agora precisamos conversar sobre o que você espera que eu faça e o que é mais urgente. Imagino que começaremos pela colheita, certo? -- ela acena afirmativamente -- Jamie e eu já enviamos um recado ao centro de comércio de que contrataremos funcionários, então eles logo chegarão. Em dois dias no máximo tudo já estará encaminhado. E você, senhorita, vai usar e abusar de mim e da minha boa vontade para trabalhar. -- digo sugestivo, com aquele sorriso cafajeste surgindo em meus lábios.

-- E será que eu poderia usar e abusar de você para outros fins, também? Ou seria pedir demais dessa sua boa vontade? -- ela diz provocativa, me puxando para a cama, e sem hesitar me deito ao seu lado.

-- Eu estou aberto à sugestões, na verdade. Ou à convites para dividir o quarto mesmo que tenha que permanecer na seca. Sabe, você pode precisar de um copo de água a noite.

-- Basta esticar a mão e eu pego minha própria água, seu pilantra. -- ela ri abertamente.

-- Não se eu fizer essa jarra desaparecer ao sair do quarto. -- dou-lhe uma piscada e a acompanho nas gargalhadas que lhe escapam.

     Nosso riso aos poucos vai sumindo, dando lugar ao silêncio que permanece. Ali, entrelaçados naquela cama, observamos um ao outro com uma intensidade que não me é familiar. Muito pelo contrário, essa conexão que Missy e eu temos me é completamente nova e, céus, muito prazerosa. Como é possível sermos tão íntimos sem nunca sequer termos tido intimidades, além de alguns beijos? Não, a nossa intimidade é na alma, no âmago, nossos espíritos estavam entrelaçados, buscando uma forma de nos unir que, apesar de estranha e sofrida, cumpriu seu propósito. E agora, aqui enquanto a seguro em meus braços, percebo que não quero soltá-la nunca mais. Eu a quero, não por uma ou duas noites. Não para satisfazer meu desejo mais irracional. Missy Kedard despertou em mim o melhor que eu posso e quero ser. E eu quero ser o melhor para ela. E eu o serei.

-- Você é linda. -- sussurro contendo a emoção que me toma, deposito um beijo em seus cabelos macios e a aninho em meu peito.

     Sinto que Missy respira profundamente, inalando meu perfume tão desesperadamente quanto faço com o dela e, confortáveis um nos braços do outro, não tarda para que o sono nos domine.

    

Meu querido Senhor Mackenzie - Livro 2Where stories live. Discover now