À espera de um milagre

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Fui ao supermercado e, sem que percebesse, acabei levando mais coisas do que o necessário. Também analisei cada produto com interesse – isso inclui a data de validade e demais frescuras que ninguém tem paciência de verificar –, só para não ter que voltar para casa rápido. Ignorei os olhares maliciosos de algumas mulheres na minha direção. Teve uma que tentou puxar papo usando um pacote de macarrão como desculpa. Confesso que fui meio indelicado, nem dei bola.

Tentava deixar meus pensamentos trancafiados em algum lugar seguro, mas foi quase impossível quando uma prateleira de leite condensado se materializou bem na minha frente. Passei longos minutos a observando – os lábios presos, os punhos cerrados –, acho que as pessoas acharam que eu era um louco. Não deu para não recordar a textura dos lábios da Camila enquanto sugava a minha pele. A sensação era muito real.

O momento foi doloroso, e pensei que não conseguiria dar um basta naquilo. Criando forças não sei de onde, acabei levando duas caixinhas de leite Moça. Não pense nem por um segundo que eu as comprei porque queria me empanturrar de doce, sentado no sofá, assistindo a novelas e com lágrimas nos olhos – isso não faz o meu estilo, apesar de estar estranhamente sensível. Só queria fazer alguma sobremesa para Júlia no dia seguinte.

Assim que cheguei à minha casa, fui logo me arrumando para ir à academia, localizada no fim da rua. Comi algumas frutas que havia comprado – não estava com muita fome –, e em menos de meia hora já circulava entre algumas máquinas. Subi na esteira como sempre faço; preciso de muita agilidade para realizar o meu trabalho, portanto eu corro, no mínimo, meia hora por dia. Apesar de me sentir cansado, acabei fechando uma hora. Só então comecei a levantar ferro para lá e para cá, novamente ignorando os olhares femininos.

Estava saindo da academia depois de – pasme – três horas de exercício intensivo, quando a mesma mulher loira da padaria apareceu do nada.

– Oi, Shawn – falou, tocando no meu braço de propósito. – Já está saindo?

– Já.

– Chegou mais cedo desta vez.

– Foi.

Ela balançou a cabeça, um pouco envergonhada. Percebi que era bem bonitinha, apesar de parecer um pouco artificial com aquele cabelo platinado e um quilo de maquiagem no rosto. Aliás, não entendo para quê algumas mulheres põem maquiagem para malhar. Não faz sentido.

– Lembra-se de mim? – ela perguntou, constrangida.

– A garota da padaria – murmurei, louco para sair dali. – É... Ana.

– Isso! – Sorriu de orelha a orelha, achando o máximo o fato de eu lembrar seu nome. Não sabia ela que eu era acostumado a decorar nomes femininos, meu trabalho exigia isso. Mesmo assim, achei aquilo hilário, não conseguindo conter um riso. Era engraçado o modo como as mulheres se portavam diante de mim.

– A gente se vê por aí, Ana – falei, aproximando-me um pouco. Encarei seus olhos e me demorei de propósito. O efeito foi instantâneo: ela entreabriu os lábios e ficou com as bochechas vermelhas.

Sorri torto, gargalhando por dentro. Ana permaneceu plantada na entrada da academia enquanto eu me desviava e ia embora o mais depressa possível. Meu bom humor repentino acabou se esvaindo quando me vi sozinho no apartamento. Entretanto, estava disposto a não deixar meu cérebro ser invadido por reflexões indevidas. Preparei um jantar rápido, composto por arroz integral, fatias de carne grelhada e salada. Abri uma das garrafas de vinho que havia comprado.

Foi o meu maior erro.

Lembro-me de ter sentado no sofá e assistido a alguns documentários na TV, mas o resto da memória simplesmente se apagou. Já era dia quando acordei; estava deitado de qualquer jeito no sofá, e duas garrafas de vinho jaziam vazias em cima da mesa de centro, ao lado de uma taça também vazia.

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