Capítulo 2

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A gente podia ter conversado mais, ter sabido mais um do outro. Mas depois das apresentações, nossa conversa se resumiu a: convidei-a para jantar naquela noite: aceitou; no meu endereço: não aceitou; sugeri um restaurante famoso, próximo: aceitou; ofereci carona até o restaurante: negou enfaticamente; pedi desculpas por ser tão antiquado: aceitou, e paramos por aí. Não sou bom em conversas à distância, pois sempre sou mal compreendido e me sinto pedante. Prefiro conversar ao vivo, onde posso avaliar o efeito das minhas palavras.

Confirmado o encontro, deixei o celular de lado. Fui me vestir à altura do que eu tinha visto mais cedo, e fiquei feliz em averiguar que eu tinha opções.

O restaurante era chique, caro e musical, com vista para o rio. Ficava a poucos metros de onde eu morava. Cheguei primeiro, é claro. De carro, porque a gente nunca sabe o que pode acontecer depois do jantar, e eu gosto de mostrar que posso dirigir e me virar sozinho. Escolhi a mesa mais discreta, e essa foi a única bola dentro que dei naquela noite. Quando a pessoa que eu esperava chegou, eu me levantei para recebê-la, e então me dei conta de que a gente deveria ter conversado mais antes de sair de casa. Era a mesma pessoa que eu tinha convidado, mas numa outra aura. Num outro gênero, se assim posso me expressar. Sem saber o que dizer, eu não disse nada, apenas estendi, relutante, minha mão trêmula.

A altura elevada, a magreza prêt-à-porter, as roupas semelhantes às que usava à tarde, a boca carnuda e quase obscena, os olhos escuros e atentos... e um sorriso irônico que me fez acordar. Eu tinha estado sonhando! O tempo todo. Tanta vontade de encontrar alguém que me fizesse suspirar e sentir a emoção da adolescência, que mirei na pessoa errada. Passei a mão pelo rosto, confuso. Era tarde demais para retornar. Nos sentamos para economizar exposição, eu pensando no que teria me levado até ali. Ele colocou o sobretudo no encosto da cadeira.

— Qual o seu nome? — perguntei, ainda não acreditando.

— Andersen — disse aquela voz rouca, agora grave e carregada de sotaque estrangeiro. Onde estava o raio do sotaque quando falou comigo mais cedo?

— Isso não ajuda muito.

— Andy. No masculino. — Era o nome que ele tinha dado na nossa breve troca de mensagens antes do jantar, mas de tão genérico, nem desconfiei. Seu sorriso contido mostrava dentes perfeitos. — E você?

— Lothar.

— Loth. O que acha de tomarmos alguma coisa antes de voltarmos aos nossos esconderijos? O garçom já está à postos e pode estranhar esse embaraço.

— Certo. Vamos agir naturalmente. Confesso que você me deixou confuso.

— Sinto muito. Não foi a intenção. Vou pagar minha bebida.

— Não precisa. Eu te convidei. O que quer tomar?

— Algo com pouco ou nenhum álcool.

— Está dirigindo?

— Não.

Olhei os coquetéis da casa sem me preocupar com o teor alcoólico. Eu estava perto de onde morava mesmo.

Um silêncio se instalou entre nós enquanto pedíamos as bebidas. Virei a página do folheto e vi o premiado cardápio. Eu tinha me preparado para aquilo, tanto com a minha vontade quanto com o meu cartão de crédito. O desconhecido andrógino também tinha se preparado para uma noite melhor. Usava diamantes ou algo semelhante nos dedos e orelhas, roupas no cúmulo do bom gosto e da alta costura, e cheirava bem. Uma preparação que merecia respeito.

— Eu vim pensando em comer — comentei, com um sorriso envergonhado. Os olhos do desconhecido brincavam com os meus. Quando a luz incidia neles, outras cores se destacavam. Não parecia real.

Depois da Tempestade - DEGUSTAÇÃO Donde viven las historias. Descúbrelo ahora