cap. 5 | mio

7.1K 939 1.5K
                                    

Mio

Acordo em um quarto diferente na manhã seguinte. Vivo aquela sensação de não reconhecer onde estou, por alguns segundos. É ligeiramente assustador. Porém, quando me viro para o outro lado, dou de cara com Ken. Ele está lá dormindo, de boca aberta e usando apenas uma cueca. Me lembro automaticamente da noite de ontem: Uma vergonha!

Me preparo para levantar da cama, mas quase no mesmo instante, sinto um braço envolver o meu corpo. Ken havia rolado, ainda dormindo, e se agarrado em mim igual um coala. Reviro os olhos sentindo o cheiro de álcool. O que eu fiz para merecer isso?

Me livro de seu braço pesado, caindo fora. Quando vou até a porta, Ken continua dormindo, mas agora abraçando o meu travesseiro. Checo o corredor com cuidado e me apresso em chegar até o andar de cima, onde ficava o meu quarto. O caminho continua livre. Saco minha chave no bolso da calça e vou direto até a porta, a destravo de uma só vez e pulo para dentro. Território seguro, finalmente.

Trato logo de tomar um banho quente, escovar os dentes e vestir uma roupa limpa. Ainda estou morrendo de sono, então ligo a TV, coloco um desenho animado com o som bem baixinho, depois me afundo debaixo das cobertas. Antes de pegar no sono, faço algo de que não me orgulho. Alcanço o meu celular e digito "Academia ALFA" no google. Caio logo no blog da escola e descubro que não existe mais nenhum "Mio Campari" na lista de renegados.

Passo o final de semana estudando. Infelizmente, não havia como fugir da enxurrada de trabalhos que os professores passavam regularmente. Na segunda seguinte, o colégio parece um local totalmente diferente. Enquanto sigo pelos corredores, não recebo olhares atravessados. Alguns estudantes até arriscam sorrisos simpáticos. Antes de chegar de fato na minha sala, acabo cruzando com o diretor.

– Mio, bom dia. – Ele tem um sorriso no rosto, mas não parece verdadeiro.

– Bom dia, diretor.

– Queria falar com você sobre aquela advertência. Alguns dos seus colegas de time andaram me procurando e parece que nos enganamos sobre a briga. Pode ficar tranquilo. Seu histórico continua limpo.

Não posso deixar de me sentir nauseado. Eu sabia que ele estava mentindo. Provavelmente algum pai (o de Glamour, eu apostava) havia feito uma ligação particular. Sorrio, falsamente, assentindo com a cabeça.

– Todos nos enganamos as vezes, não é? – Respondo.

O diretor me oferece outro sorriso falso. Depois se vira e vai embora.

Sou um dos últimos alunos a chegar na sala, como de costume. A primeira coisa que percebo é Filipo sozinho em sua carteira. Ele não parece tão animado como sempre. Ken está sentado ao lado de outro garoto. Ele me dá uma espiada e volta a mexer em seu celular. Caminho direto para o fundo.

– Viu só? – Glamour se vira para me encarar. Tem um sorriso arrogante nos lábios. – Não foi tão difícil, foi?

Não respondo. Apenas foco na aula de redação que o professor Carlos Vidal oferece logo em seguida. Me concentro, sem ânimo nenhum, em terminar uma dissertação que valia praticamente metade da nota desse semestre. Horas depois estou liberado para ir até o refeitório almoçar. Me sento em uma das mesas sozinho por escolha própria. Acho que não me linchariam mais se eu tentasse interagir com alguém agora. Enquanto mordisco meu hambúrguer vegano, Hugo se aproxima e vai parar bem no banco a minha frente.

– E aí cara? Não sabia que fazia parte da tribo que não come carne.

– Uau. Tem permissão para falar comigo agora que eu não sou mais um fracassado?

Hugo fica sem graça. Ele passa a mão pelos cabelos, constrangido.

– Tudo bem, eu mereci isso.

Perfeitos [✓]Where stories live. Discover now