Grandes mulheres não choram.

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POV Liana Romano 

Nunca fui boa em fingir, muito menos em fugir. Não sou boa com emoções, na verdade, eu apenas não sei senti-las, parece que é algum tipo de bloqueio dentro do meu cérebro que me impede de sentir compaixão e piedade. 

Eu não sei chorar, não sei ficar feliz, não sei ficar triste. É tudo o que eu conseguia pensar ao encontrar o corpo de Hard pálido em cima de uma enorme poça de sangue. Não havia respiração, movimentos, nada. Completamente morto e inerte na mármore preta de sua cozinha. 

Erick Hard me criou como uma verdadeira assassina. Não o culpo. Como criar uma garotinha se a única coisa que sabe fazer é torturar pessoas e amolar facas? Ainda assim, eu deveria sentir alguma coisa, afinal Hard era a figura paterna em minha vida. 

Respiro fundo e solto o ar em frustração. Acendo uma fogueira no quintal dos fundos e queimo todos os panos que usei para limpar o sangue, as roupas que Hard usava e as minhas também. Com uma enorme dificuldade arrasto o corpo gelado e pesado até a fogueira e observo o cenário malditamente fodido que é a minha vida. 

Vinte e quatro anos, assassina profissional, sem família, sem amigos e a única pessoa que corria junto comigo estava ali definhando em chamas. 

Fico mais alguns minutos ali até me cansar, subo para onde deveria ser o meu quarto, afinal passo mais noites fora do que fico em casa. Encontro uma pasta amarelada com alguns papéis em cima da cama. Não perco tempo e vou até eles. 

Abro o envelope e retiro de lá uma passagem aérea para Itália, alguns bolinhos de euros presos por elásticos amarelos e uma carta que a julgar pelo estado do papel em minhas mãos, não era muito nova. 

"Doce Aliana...

Se estiver lendo este manuscrito, com certeza já não habito mais este mundo e uma fogueira improvisada por você deve estar me encaminhando diretamente para o inferno, afinal foi eu quem te ensinou. Nos últimos dois anos venho recebido ameaças constantes e cada vez mais frequentes e a única coisa que me preocupa mais é que estes bastardos possam chegar até você antes que cheguem á mim. Eu e você somos uma relação complicada, não sei se sou seu pai e você não sabe se é minha filha, afinal nunca deixamos isso claro, mas sinto em cada um dos meus ossos que você foi o que de melhor aconteceu na minha vida. Não fui o melhor em te criar, eu sei, deveria ter te colocado em uma escola de balé ou estas merdas, mas você me conhece, para mim só vive em paz quem aprende a lutar. Mesmo não sendo o melhor exemplo de pai que eu queria que você enxergasse, você sem dúvidas me aguentou até os meus últimos dias de vida. Poderia ter ido embora, construído uma vida nova e largado um velho rabugento e caduco para trás, mas você ficou, e foi minha única e melhor companhia nos últimos 24 anos. Quando te encontrei debaixo daquela pilha de papelões eu soube que você era minha responsabilidade, mas... Deus, estou divagando e com um sentimento estranho no coração que os humanos mais românticos insistem em chamar de saudade. Sim, já sinto saudades, de tudo. 

Esta carta não é uma declaração de amor ou algo do tipo, só quero que entenda que no fim da vida eu consegui ter algum tipo de sentimento e no momento sinto medo, medo por você e pela sua vida. Espero que esteja em boas condições quando ler estas palavras. 

A passagem são milhas que tenho guardadas para a Itália, onde lá vive um grande amigo meu que irá lhe acolher, ele já sabe de toda a situação aqui em Nova York, só peço que me obedeça mais uma vez e vá encontrá-lo, ele saberá o que fazer. Não deixe nada de valor na casa, leve tudo o que precisar, abandone os carros na garagem e os vinhos na adega, esqueça os eletrônicos e saia daí assim que terminar de ler esta carta, Pegue o voo mais rápido para Florença. No final desta folha deixarei o único contato confiável caso você precise se comunicar com a minha pessoa de confiança. 

Seja feliz minha doce e querida Aliana, construa um futuro para você, se apaixone, tenha filhos, faça um casamento fodido, more em uma casa bem cara em Roma, compre uma Lamborghini e atinja duzentos quilômetros por hora, mas, VIVA. Viva a vida que eu não pode te dar. 

                                                                                                                         - Com pesar, Erick Hard" 

E no final da carta lá estava o bendito número da tal pessoa de confiança. Encarei a passagem ao meu lado junto com as notas de euro me perguntando se era mesmo o certo a se fazer. Mas em um súbito momento de lucidez me recordo que Hard sempre fez de tudo para não me foder então não seria desta vez. Alcancei meu celular no bolso de trás da calça e disquei os números contidos na carta. 

- Liana... - a voz atendeu de imediato. 

- Estou a caminho, chego dentro de vinte e quatro horas. - digo e desligo. 

Vou ao meu closet e arrasto uma mala quase nova que comprei em Paris há três semanas, coloco todas as minhas roupas de qualquer jeito, jogo alguns sapatos também e a minha Magnus de bronze, teria que ir na mala, mas não haveria problemas com a alfândega, afinal bronze não é detectável naquelas cabines. 

Jogo todas as minhas lâminas de tungstênio junto ás roupas e minhas luvas de couro. Prendo o cabelo em um rabo de cavalo e fecho a mala. Pego uma bolsa transversal da Gucci e coloco o dinheiro a passagem e meus documentos. Coloco a pistola 38mm dentro da mesma. Penduro em meu ombro e puxo a mala em direção á saída do quarto. 

Desço as escadas já agarrando as chaves da BMW no painel de Hard, desço para a garagem já destravando o carro,  jogo a mala no porta malas e entro dentro do carro dando partida em direção ao aeroporto internacional de Nova York. 

Cá estou eu sentada esperando a chamada para o meu voo, estou distraída com um jogo de merda no meu celular quando a voz que sai da televisão á minha frente me chama a atenção 

"... Foi encontrado um corpo queimando em uma mansão de luxo próximo ao Central Park, não há vestígio de arrombamento ou luta corporal. O corpo segue agora para a Unidade de Casos Especial para verificação dos dados da vitima e de possíveis suspeitos..."

Solto um riso anasalado. Se Hard já tratou até de me mandar para a Itália, ele já tratou de não deixar que ninguém descubra quem ele é, ou quem eu sou. Apesar de em meus documentos serem reconhecidos como órfã, alguém poderia abrir o bico quanto a mim e Hard e com certeza ele já havia cuidado disso antes de morrer. 

Eu sabia das ameaças que ele vinha recebendo, mas nunca comentei nada, essa nossa vida é arriscada demais, estamos sujeitos á tudo em nosso em torno, podem todos ser amigáveis como podem todos ser hostis. Hard nunca deixou que eu me envolvesse em seus problemas, ele preferia que eu corresse atrás de minhas próprias recompensas. Não é uma vida ruim, afinal não matamos pessoas de bem, matamos quem merece morrer, somos como justiceiros, ou éramos, afinal agora sou apenas eu. 

"Primeira chamada voo A839 com destino à Itália, embarque imediato" 

"Viva a vida que eu não pude te dar."

É, eu vou viver. 

GatilhoWhere stories live. Discover now