Concupiscência da carne

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Respirei fundo e sorri. Eu ansiava por aquilo, por experimentar aquela bebida que meus amigos estavam a me oferecer. Não sabia qual era a mistura, porém, conseguia deixá-los afoitos e meus lábios aguçaram a querer degustar da mesma. Ao mesmo tempo, a fome corroía-me às estranhas e eu me perguntava quando a garçonete viria trazer meu lanche.

Os feixes do jogo de luzes pairavam pelo ambiente escuro e as pessoas dançavam como se aquela fosse a última noite de suas vidas. Eu, então, queria curtir e aproveitar o que de melhor a festa tinha a proporcionar.

Quando a garçonete chegou e me trouxe um enorme hambúrguer junto a um suco de frutas, passei a cobiçá-la mais do que a própria comida que eu havia pedido. Dei um meio sorriso e pisquei o olho para ela. Antes que ela pudesse retornar ao balcão, segurei em seu braço, levantando-me, e perguntando se ela não desejava apreciar a noite de uma outra maneira. A jovem era sensual e conseguia deixar meu corpo queimando para sentir o prazer de estar junto a ela. Mas, não foi tão fácil quanto pensei que seria. A jovem mulher ignorou-me e retirou-se aborrecida pelas minhas intenções. Apenas gargalhei e abocanhei o hambúrguer. E foi quando os meus amigos se achegaram a mim com o agrado. Sem delongas, bebi até esvaziar o copo. Por um momento, minhas vistas ficaram turvas e pensei que iria desmaiar. Gargalhei ainda mais. Pisquei o olho mais de uma vez a fim de ter absoluta certeza que eu ainda permanecia sóbrio. Havia exagerado. Nem mesmo conseguia memorar que "quem tem olhos vermelhos e ferimentos que podiam ser evitados é aquele que bebe demais e anda à procura de bebidas misturadas. Olhar para o vinho que brilha no copo é como esperar à mordida de uma cobra venenosa e pedir para ver coisas estranhas e o coração falar perversidades"¹.

Meu corpo ardia e meu cérebro parecia querer saltar para fora do crânio. Agora sim, eu havia surtado e passado dos limites.
Mirava a minha volta e não enxergava tão bem as pessoas que se divertiam na pista de dança, mas ainda sim vislumbrei alguém. Um homem de vestes enegrecidas que vinha em minha direção. Eu não podia contemplar o seu rosto devido ao capuz que ele usava, mas o via achegar-se a mim.

Quando ele parou defronte a mim, percebi minha respiração falhar. Quem ele era, ou o que ele era, eu não fazia a menor ideia. Contudo, seus olhos avermelhados, como se estivesse mais drogado do que eu mesmo estava, assustou-me.

Ao ouvir sua voz, eu tremi como nunca dantes. Porém não sabia qual era a sua intenção. Talvez eu somente estava vendo alucinações devido a bebida que havia tomado, no entanto, ele parecia ser tão real.

— Diga-me o quanto mais você deseja e eu te darei sem pestanejar — proferiu e eu ri.

— Por que me darias algo?

— Na verdade, já te dei muitas coisas. Mas o que mais você quer em troca da sua alma?

— Minha alma não está em jogo. Deixa-me curtir — disse, eu, de forma inocente, mesmo que eu não tive inocência alguma. E ele riu.

Sua risada foi tão tenebrosa quanto a sua aparência, deixando-me arrepiado dos pés a cabeça. Ainda sim, não me apavorava muito. Assistia a tantos filmes de terror que vê-lo era mais do que normal para mim.

— Continue a pensar assim — disse —, mas, no fim, estarás comigo.

— Eu nem sei quem és, amigo. Por que eu estaria com você? — zombei de suas palavras e, de imediato, ele colocou a sua mão em meu pescoço e apertou.

Minha respiração foi-se esvaindo à medida que ele pressionava, e eu deveria estar com a face arroxeada por não conseguir sentir o oxigênio adentrando meus pulmões. Mas logo ele soltou e, aos poucos, o ar adentrou minhas narinas refazendo seu percurso habitual. Contudo, caí ao chão e ali permaneci. Minhas vistas escureceram por completo e eu apaguei. Tinha noção de que à minha volta havia escuridão, mas as trevas que eu contemplava penetravam à minha mente de forma que me prendiam a elas.

A mentira do Diabo (Conto) Where stories live. Discover now