Um passo para frente e dois para trás

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— Quando uma porta não é uma porta? — A voz perguntou.

Harry estava sentado em uma cadeira alta e sentia seus pés descalços serem envolvidos pela brisa gélida. Poderia até se sentir mal por ser tão baixinho a ponto de não conseguir encostar os pés no chão, mas haviam muitas coisas no ambiente chamando sua atenção para que focasse em algo tão inútil quanto sua estatura.

Por algum motivo, estava posicionado bem no centro da floresta, abaixo da lua, o que o tornava brilhante em meio a completa escuridão. Sua pele pálida tinha um tom prateado característico, como se ele estivesse refletindo a toda a luz do ambiente e deixando que ela se expandisse dentro de si. Arrepios correram por sua espinha, o medo sendo uma companhia esmagadoramente presente, apertando seus pulmões um contra o outro. Nunca se acostumaria com o cenário fantasmagórico daqueles sonhos, principalmente por não saber sobre o que eles se tratavam. A floresta proibida não era nem de perto seu lugar favorito no mundo.

— Como assim? — Harry respondeu, entre sussurros. Sua voz parecia estranha. Quase como se não fosse exatamente dele. Mas ao mesmo tempo era.

— É uma charada. — A voz tinha um tom de riso e circulava em todas as direções. — É muito estranho para mim sentir você assim.

— Me sentir? Me sentir como?

— Tem uma...coisa. Uma sensação que está corrompendo a sua cabeça. Você está diferente. Está mais diferente de mim que nunca.

Aquela frase era como uma pedra descendo pela garganta de Harry, e ele não entendeu o peso dela em seu estômago.

— E o que nós dois temos em comum?

— Não muita coisa. — Meu Deus, como era familiar. Harry teve a impressão de por um momento saber com quem estava conversando, mas a sensação logo foi embora. — Mas quando se é adolescente, uma pessoa se torna uma mistura estranha de todo mundo e de ninguém. Acho que você só vai ter uma personalidade exata aos...vinte, se tiver sorte.

— Se eu chegar aos vinte. — Harry pensou em voz alta, apertando os braços da cadeira na qual estava sentado.

— Algo me diz que você vai. — Pausou. — Se olhar por onde pisa e limpar os seus óculos.

— Eu não tenho um histórico muito bom para afirmar que terei uma vida longa.

A voz riu. E a risada parecia ser tão antiga quanto o pergaminho de um livro da biblioteca e tão nova quantos as penas que Harry comprava para seu tinteiro. Essa dualidade, essa forma como tudo parecia já conhecido por si e ao mesmo templo inexplorado, era demais para o Potter.

— A questão não é o quanto se vive, Harry. — O céu foi ficando escuro, como se a lua estivesse sendo coberta por uma nuvem bem grossa. Mas Potter ainda se sentia brilhante. — A questão é se você viveu. Se você se sentiu vivo, nem que uma vez, então valeu a pena.

Silêncio. Harry teve a súbita necessidade de se aproximar de quem quer que fosse. Se sentia tão frio e solitário, mesmo que a voz conversasse com ele.

— Você me lembra Dumbledore. Sabe, o jeito de falar. — Comentou.

— Professor Dumbledore, que Merlin o tenha. — A voz suspirou, pesarosa. — Fico feliz de saber que me pareço com ele, de alguma maneira. Obrigado, Harry.

— Por nada, eu acho. — Pigarreou. — Na verdade, você se parece com várias pessoas ao mesmo tempo.

As folhas ao redor de Harry estalaram, mas ele não via nada que não fossem sombras assustadoras.

O Garoto Que Foi Esquecido • DrarryWhere stories live. Discover now