Quatro

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Miguel estava muito preocupado. Dois dias em uma cama de hospital não era exatamente o que ele esperava para aquela semana. Já tinha problemas demais para lidar, e o acidente só servia para acrescentar um item à lista. Sua padaria estava a ponto de falir, a moto estava com problemas, a irmã se casaria no fim do ano, ainda não sabia nem como conseguiria o dinheiro para viajar a Moçambique, e tinha que se virar em mil para conseguir dar atenção à sua Lira. Um acidente de moto devido a um motorista maluco era o que menos precisava naquele momento. E ainda menos um braço quebrado. Teve que ir andando até a casa que a professora de Lirhandzo havia lhe indicado, pensando em como tudo parecia conspirar contra si naquele momento.

Sorriu ao imaginar que sua menina não ficaria nada feliz ao saber que teriam de caminhar por vários dias até que pudesse usar novamente a moto. Ela era tudo que tinha no Brasil, principalmente depois das perdas que teve ao longo do ano, e por alguns momentos pensava se não seria melhor aceitar a sugestão da mãe e voltar para seu país. Com tantos pensamentos que se encontravam, ele foi até a casa de Alexia, esse era o nome da irmã de Alice, e por um instante imaginou se não era a mesma do ano anterior. Não, não tinha a menor possibilidade de ser, depois daquele dia nunca mais a havia visto, e algumas vezes chegava a se questionar se aquela noite maluca realmente aconteceu.

Ele tocou a campainha, impaciente por ver sua menina, e mostrar que estava bem. Não era o melhor exemplo de paciência, e os dois minutos de espera pareciam eternos. Em suas costas estava uma mochila preta que Alice havia buscado em sua casa no dia do acidente. Quando ia tocar pela terceira vez, ouviu o barulho da porta sendo aberta, e levou um susto ao ver quem era a pessoa que o atendia.

— Miguel? — Alexia perguntou aturdida, querendo se esconder em qualquer lugar onde ele não a visse. Depois de sua desastrosa noite, o que menos queria era dar de cara novamente com seu 'salvador'. Ainda se envergonhava pelo vexame dado e por todas as confissões que fizera.

— Alexia? — Ele perguntou para ter certeza.

— A mesma que comeu o bolo todo da padaria ano passado. — Ela brincou, ainda envergonhada, e Miguel riu. Observou melhor a morena, e apesar de ela não estar realmente arrumada, seu aspecto era melhor que o que vira na vez que se conheceram. O cabelo estava preso em um coque improvisado, e ela vestia uma blusa azul, simples, e calças de moletom.

— Que coincidência! — Ele constatou. — Não te vejo desde aquele dia. Pensei que tivesse se mudado.

— Eu me proibi de passar por aquele lado da cidade depois daquela noite. O vexame foi grande. — Seu tom era levemente irônico, mas essa era a verdade. Depois de se envergonhar de suas atitudes e de como fora iludida naquela noite, proibiu-se de passar por aquela rua, tentando, em vão, ser esquecida pelo padeiro que a consolou naquele fatídico dia. Miguel riu da fala dela, tão sincera, e antes que pudesse falar algo em resposta, ela concluiu. — Veio cedo.

— Assim que fui liberado. Vim do hospital direto para cá, não queria ficar mais tempo sem a Lira. — Ele falou, os olhos a brilhar, e Alexia tentou processar a recente informação, ainda encostada no portal, sem permitir a passagem de Miguel, inconscientemente.

— Você é o pai da mini adulta. Realmente, que coincidência. — Alexia disse mais para si que para ele.

— Mini adulta? — Ele perguntou, intrigado com o apelido.

— Coisa minha com a Lira. — Respondeu com um sorriso. Finalmente percebeu que continuavam na porta, e o encarou novamente sem jeito. — Que cabeça a minha! O susto foi tão grande que esqueci de te convidar para entrar. — Ele riu da constatação dela, e assim que ela permitiu sua passagem, adentrou à casa.

Naquele dia, tudo estava em ordem. Diferente da primeira noite em que esteve com Lira, Alexia manteve a organização da sala na noite anterior, o que deixou o ambiente da sala bem agradável, com os sofás em tons pastéis, a mesa de centro, e a TV relativamente grande que estava sobre uma espécie de raque suspenso, também em um tom claro, quase bege.

Homens que ImploramOnde histórias criam vida. Descubra agora