CAPÍTULO I

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É uma história curiosa a que lhe vou contar, minha prima.

Mas é uma história e não um romance.

Há mais de dois anos, seriam seis horas da tarde, dirigi-me ao Rocio para tomar o ônibus de Andaraí.

Sabe que sou o homem menos pontual que há neste mundo; entre os meus imensos defeitos e as minhas poucas qualidades, não conto a pontualidade, essa virtude dos reis e esse mau costume dos ingleses.

Entusiasta da liberdade, não posso admitir de modo algum que um homem se escravize ao seu relógio e regule as suas ações pelo movimento de uma pequena agulha de aço ou pelas oscilações de uma pêndula.

Tudo isto quer dizer que, chegando ao Rocio, não vi mais ônibus algum; o empregado a quem me dirigi respondeu:

— Partiu há cinco minutos.

Resignei-me e esperei pelo ônibus de sete horas. Anoiteceu.

Fazia uma noite de inverno fresca e úmida; o céu estava calmo, mas sem estrelas.

A hora marcada chegou o ônibus e apressei-me a ir tomar o meu lugar.

Procurei, como costumo, o fundo do carro, a fim de ficar livre das conversas monótonas dos recebedores, que de ordinário têm sempre uma anedota insípida a contar ou uma queixa a fazer sobre o mau estado dos caminhos.

O canto já estava ocupado por um monte de sedas, que deixou escapar-se um ligeiro farfalhar, conchegando-se para dar-me lugar.

Sentei-me; prefiro sempre o contato da seda à vizinhança da casimira ou do pano.

O meu primeiro cuidado foi ver se conseguia descobrir o rosto e as formas que se escondiam nessas nuvens de seda e de rendas.

Era impossível.

Além de a noite estar escura, um maldito véu que caía de um chapeuzinho de palha não me deixava a menor esperança.

Resignei-me e assentei que o melhor era cuidar de outra coisa.

Já o meu pensamento tinha-se lançado a galope pelo mundo da fantasia, quando de repente fui obrigado a voltar por uma circunstância bem simples.

Senti no meu braço o contato suave de um outro braço que me parecia macio e aveludado como uma folha de rosa.

Quis recuar, mas não tive ânimo; deixei-me ficar na mesma posição e cismei que estava sentado perto de uma mulher que me amava e que se apoiava sobre mim.

Pouco a pouco fui cedendo àquela atração irresistível e reclinando-me insensivelmente; a pressão tornou-se mais forte; senti o seu ombro tocar de leve o meu peito; e a minha mão impaciente encontrou uma mãozinha delicada e mimosa, que se deixou apertar a medo.

Assim, fascinado ao mesmo tempo pela minha ilusão e por este contato voluptuoso, esqueci-me, a ponto que, sem saber o que fazia, inclinei a cabeça e colei os meus lábios ardentes nesse ombro, que estremecia de emoção.

Ela soltou um grito, que foi tomado naturalmente como susto causado pelos solavancos do ônibus, e refugiou-se no canto.

Meio arrependido do que tinha feito, voltei-me como para olhar pela portinhola do carro, e, aproximando-me dela, disse-lhe quase ao ouvido:

— Perdão!

Não respondeu; conchegou-se ainda mais ao canto.

Tomei uma resolução heróica.

— Vou descer, não a incomodarei mais.

Ditas estas palavras rapidamente, de modo que só ela ouvisse, inclinei-me para mandar parar.

Cinco Minutos (1856)Where stories live. Discover now