CAPÍTULO VIII

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DEVOREI toda esta carta de um lanço de olhos.

Minha vista corria sobre o papel como o meu pensamento, sem parar, sem hesitar, poderia até dizer sem respirar.

Quando acabei de ler, só tinha um desejo: era o de ir ajoelhar-me a seus pés e receber como uma bênção do céu esse amor sublime e santo.

Como sua mãe, lutaria contra o destino, cercá-la-ia de tanto afeto e de tanta adoração, tornaria sua vida tão bela e tão tranqüila, prenderia tanto sua alma à terra, que lhe seria impossível deixá-la.

Criaria para ela com o meu coração um mundo novo, sem as misérias e as lágrimas deste mundo em que vivemos; um mundo só de ventura, onde a dor e o sofrimento não pudessem penetrar.

Pensava que devia haver no universo algum lugar desconhecido, algum canto de terra ainda puro do hálito do homem, onde a natureza virgem conservaria o perfume dos primeiros tempos da criação e o contato das mãos de Deus quando a formara.

Aí era impossível que o ar não desse vida; que o raio do sol não viesse impregnado de um átomo de fogo celeste; que a água, as árvores, a terra, cheia de tanta seiva e de tanto vigor, não inoculassem na criatura essa vitalidade poderosa da natureza no seu primitivo esplendor.

Iríamos, pois, a uma dessas solidões desconhecidas; o mundo abria-se diante de nós e eu sentia-me com bastante força e bastante coragem para levar o meu tesouro além dos mares e das montanhas, até achar um retiro onde esconder a nossa felicidade.

Nesses desertos, tão vastos, tão extensos, não haveria sequer vida bastante para duas criaturas que apenas pediam um palmo de terra e um sopro de ar, a fim de poderem elevar a Deus, como uma prece constante, o seu amor tão puro?

Ela dava-me vinte e quatro horas para refletir e eu não queria nem um minuto, nem um segundo.

Que me importavam o meu futuro e a minha existência se eu os sacrificaria de bom grado para dar-lhe mais um dia de vida?

Todas estas idéias, minha prima, cruzavam-se no meu espirito, rápidas e confusas, enquanto eu fechava na caixinha de pau-cetim os objetos preciosos que ela encerrava, copiava na minha carteira a sua morada, escrita no fim da carta, e atravessava o espaço que me separava da porta do hotel.

Aí encontrei o criado da véspera.

— A que horas parte a barca da Estrela?

— Ao meio-dia.

Eram onze horas; no espaço de uma hora eu faria as quatro léguas que me separavam daquele porto.

Lancei os olhos em torno de mim com uma espécie de desvario.

Não tinha um trono, como Ricardo III, para oferecer em troca de um cavalo; mas tinha a realeza do nosso século, tinha dinheiro.

A dois passos da porta do hotel estava um cavalo, que o seu dono tinha pela rédea.

— Compro-lhe este cavalo, disse eu, caminhando para ele, sem mesmo perder tempo em cumprimentá-lo.

— Não pretendia vendê-lo, respondeu-me o homem cortesmente; mas, se o senhor está disposto a dar o preço que ele vale.

— Não questiono sobre o preço; compro-lhe o cavalo arreado como está.

O sujeito olhou-me admirado; porque, a falar a verdade, os seus arreios nada valiam.

Quanto a mim, já lhe tinha tomado as rédeas da mão; e, sentado no selim, esperava que me dissesse quanto tinha de pagar-lhe.

— Não repare, fiz uma aposta e preciso de um cavalo para ganhá-la.

Cinco Minutos (1856)Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ