Novos truques - parte 1

3 0 0
                                    

"Se pudesse haver o cruzamento entre a espécie humana e o gato, por certo melhoraria o homem, mas pioraria o gato"

-Mark Twain

Todos nós somos criaturas de hábitos, e Mike e eu não somos diferentes. Nossos dias juntos começam com uma rotina conhecida. Algumas pessoas iniciam o dia ouvindo o rádio, outras, com exercícios ou uma xícara de chá ou café. Mike e eu começamos nossas manhã brincando.
No instante em que eu acordo e me sento, ele se arrasta da sua cama, no canto do quarto, vai até mim e em encarado maneira inquisitiva. Logo depois começa a ronronar, um pouco parecido com um aparelho eletrônico. Brrrr, brrrr.
Se não ganha toda a minha atenção, começa a fazer outro ruído, um barulho bem lamentoso e suplicante, uma espécie de waaaah. Às vezes coloca as patas na lateral do colchão e se estica, quase ficando no nível dos meus olhos.
Ele então toca novamente uma pata em mim, quase como se me cutucasse para eu identificar sua mensagem: "Não me ignore! Estou acordado há muito tempo e faminto, então cadê o meu café da manhã?". Se minha reação é muito lenta, ele por vezes intensifica a ofensiva de charme e faz o que chamo de "Gato de Botas". Como o personagem nos filmes do Shrek, ele se posta ali no colchão, me encarando com seus olhos verdes penetrantes e arregalados. É fofo de cortar o coração — e irresistível. Sempre me faz sorrir. E sempre funciona.

    Guardo sempre um pacote de sua guloseima favorita numa gaveta ao lado da cama. Dependendo de como me sinto, deixo-o subir na cama para ganhar uma carícia e uns petiscos; se estou mais brincalhão, atiro-os no tapete para que ele vá buscar. Muitas vezes passo os primeiros minutos do dia jogando pequenas guloseimas por toda parte, vendo-o ir atrás delas. Gatos são criaturas incrivelmente ágeis, e Mike não raro intercepta os petiscos em pleno voo, como um jogador de vôlei recepcionado a bola na quadra. Ele salta e os pega com as patas. Algumas vezes até os pega com a boca. É um espetáculo.
    Em outras ocasiões, se estou cansado ou sem ânimo para brincar, ele se entretém sozinho.
    Numa manhã de verão, por exemplo, enquanto eu estava ainda deitado na cama, assistindo à televisão — seria um dia de muito calor, e estava especialmente quente ali no quinto andar do nosso prédio —, Mike estava enrolado num ponto escuro do quarto, aparentemente em sono profundo, ou assim eu pensava.
    De repente ele se endireitou, pulou na cama e, quase a usando como trampolim, atirou-se na parede atrás de mim, batendo nela bem forte com as patas.
    – Mike, o que foi isso? — perguntei, chocado. Olhei para o edredom e vi ali uma pequena centopeia. Mike a observava e estava claramente pronto para mastigá-la.
    – A, não, você não vai, amigo... — eu disse, sabendo que alguns insetos podem ser venenosos para os gatos. — Você não sabe por onde isso andou.
    Mike lançou-me um olhar como se dissesse: "Seu estraga-prazeres".
    Sempre fico impressionado com a velocidade, a força e a capacidade atlética de Mike. Alguém disse uma vez que ele deveria ser parente da espécie Maine Coon, ou de um Lince, ou de algum tipo de gato selvagem. É bem possível, pois o passado de Mike é um completo mistério pra mim. Não sei quantos ele tem, não sei nada sobre q vida que levava antes de encontrá-lo. A menos que fizesse um teste de DNA, nunca vou saber de onde ele devido ou quem eram seus pais. Mas, para ser honesto, não me importo. Mike é Mike. E isso é tudo o que eu preciso saber.

Eu não fui o único que aprendeu a amar o Mike por sua personalidade pitoresca e imprevisível.
Era primavera de 2009, e àquela altura Mike e eu vendíamos a The big issue há um ano mais ou menos. No início tínhamos nos mudado para a estação Angel, em Islington, onde conseguimos, com esforço, um bom lugar. Ali Mike havia conquistado um pequeno, porém dedicado, grupo de admiradores.
    Até onde eu sabia, éramos a única parceira humano/felino que vendia aquela revista em Londres. E, ainda que houvesse outra, eu desconfiava que a parte felina não era páreo para Mike quando se tratava de atrair — e agradar — uma multidão.
    Durante nossos primeiros dias juntos, quando eu ainda era um artista de rua que tocava guitarra e cantava, Mike ficava sentado lá, igual a um Buda, observando o mundo cuidar de seus negócios. As pessoas ficavam fascinados com ele — e eu acho que um pouco hipnotizadas. Paravam, acariciavam e falavam com ele. Muitas vezes perguntavam sobre a nossa história e eu contava como havíamos nos conhecido e formado nossa parceria.
    Desde que passamos a vender a The Big Issue, ele se tornou muito mais ativo.
    Muitas vezes eu me sentava na calçada para brincar com ele, e chegamos até a desenvolver alguns truques.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Aug 25, 2020 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Pelos olhos de MikeWhere stories live. Discover now