UM

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No reino de Amberlin fazer magia não é muito diferente de tocar um instrumento musical. A grande maioria não faz ideia de como funciona, mas qualquer um é capaz de desenvolver a habilidade se houver dedicação por tempo o suficiente. Eu, por exemplo, aprendi a conjurar pequenas flores e plantas, o que se tornou a minha especialidade.

Aliás, melissa é uma das plantas mais fáceis de conjurar e - quase como um passe de clarividência não comprovada por parte da minha mãe - também é o meu nome.

Enquanto estou a caminho da escola, vou deixando um pequeno rastro de rosas e melissas pela rua. Brincando com o meu próprio talento.

Aos dezessete, estou no meu penúltimo ano do colégio. Pode-se dizer que a perspectiva de crescimento profissional de uma mulher filha de camponeses não é gigante, porém, existente. O que é suficiente para mim. Suficiente para conjurar alegremente as minhas flores até chegar aos portões do centro educacional.

Em frente aos portões da escola, pontuo minha chegada fazendo crescer magicamente uma rosa tão vermelha quanto posso. Tive particular orgulho daquela criação: era maior do que uma rosa natural poderia ser e possuía uma beleza quase artificial.

- Exibida! - ouvi essa voz logo atrás de mim. Ao me virar, me deparei com Marina, uma das minhas maiores colegas de classe. Ela andava em minha direção com um sorriso de diversão no rosto. - Não consegue passar um único dia sem mostrar os seus dotes mágicos?

- O que posso fazer? - brinquei de volta - É o meu dom natural.

Rimos juntas e cruzamos os portões de ferro em direção à nossa sala de aula. Enquanto caminhava, imaginei o quanto de atenção a rosa conjurada chamaria das pessoas que passariam por ali nos próximos dias. Era divertido pensar sobre isso.

Já a aula em si, era um tédio.

A professora de biologia nos passou um questionário (o qual consegui terminar de responder em menos de dez minutos), e logo em seguida engrenou numa explicação um tanto quanto óbvia sobre como funciona o nosso sistema imunológico.

Durante aulas chatas, sempre gostei de olhar pela janela, para o céu.

O céu sempre me fascinou por essa ideia de "horizonte infinito".

Na vertical, nunca havia visto horizontes muito surpreendentes; o reino é sempre entulhado de casas e igrejas que me impediam de enxergar muito além. Por esse motivo eu costumava me intitular uma garota "Horizontelimitada".

Olhando para o céu, conseguia ao menos imaginar como seria encarar de frente um horizonte intimidador. Como o mar. Sempre tive vontade de ver o mar, mas os poucos recursos financeiros da minha família não permitiam isso.

Enquanto me perdia em encarar a janela, percebi que alguém fazia o mesmo comigo. Sentado na cadeira logo ao lado da minha, estava um garoto que eu nunca havia visto antes; de cabelos escuros e bagunçados, pele clara e roupas aparentemente caras demais. Quando notou que eu o flagrei, não disfarçou e apenas sorriu corajosamente.

Tão poucos meninos sorriem para mim sem motivo algum, por que não aproveitar o momento e sorrir de volta?

A minha atitude o encorajou. O garoto pegou o caderno que estava em sua mesa, escreveu algo e levantou a folha discretamente de forma que só eu pudesse ler:

"Que aula bobinha é essa? Estão nos tratando como bebês!"

Achei graça. Peguei meu caderno e escrevi em resposta:

"Não percebeu? Nós somos bebês!"

"Você não parece tanto... Estou vendo que já resolveu a sua atividade do dia". Ele respondeu.

MAIS LEVE QUE O AR (HISTÓRIA COMPLETA)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora