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Minha tia, Natália, pediu ajuda para decorar a casa da vó. Claro que eu já tinha feito parte de maior parte da decoração, mas voltei lá mesmo assim. Uma das melhores partes do Natal, para mim, é a decoração linda. Quando era mais nova a parte que mais gostava do Natal era abrir as caixas empoeiradas de decoração e passar horas montando as árvores, e depois fazer bolinhas de algodão e colar para parecer que tinha nevado. Hoje em dia, claro, temos spray para esse efeito.

Decoramos os pinheiros de plástico enormes com tudo que tem direito, colocamos grama falsa no chão, passamos horas desenrolando o pisca pisca e depois enchemos tudo de bolas vermelhas e douradas, estrelas, e algumas decorações que os meninos fizeram na escola, incluindo uma pintura "linda" que eu fiz quando tinha 10 anos em cima de um CD da Kelly Key.

Deixei as crianças na casa com meu irmão e subi a ruazinha sem saída que ia direto para a casa da vó Maria. O bairro é praticamente povoado por nossa família e associados, conhecemos todos que moramos ali. O nome do bairro foi dado em homenagem ao meu tataravô Frederico.

Subo as escadas até chegar no terraço, onde a festa vai ser. As mesas estão todas no lugar, incluindo três aparadores, a churrasqueira está pronta e já até com carvão, uma rodinha com banquinhos de madeira foi colocada perto do fogo, provavelmente para um batuque tradicional da família Oliveira e a árvore de Natal estava no canto. Era o único canto decorado.

Suspiro e começo a tirar as toalhas de seda do varal e colocar nas mesas. Cada mesa com uma toalha de seda de cor vermelha, verde ou dourada. Os aparadores com uma decoração com as três cores e babados caindo no chão. Não quero pensar em como essas toalhas lindas vão ficar sujas amanhã.

Por cima do seda colorido ainda colocamos pequenas toalhas decoradas com papais noel, presentinhos, renas, flocos de neve e tudo que tem direito. Cada mesa tem seu próprio tema. Particularmente, eu gosto de sentar na que fica com a toalha de árvores de Natal. Pode ser a bióloga dentro de mim ou só porque a árvore é o símbolo mais icônico desse dia.

Além disso, como centro de mesa, coloquei um potinho com cor contrastante à da toalha para colocar docinhos. É isso mesmo, temos brigadeiro e beijinho no Natal como se fosse um aniversário de criança. Bem, é uma família grande, temos que agradar a todos né?

Fico entretida no trabalho de fazer os babados com os tecidos na mesa, sempre puxando mais de um lado ou de outro pois o pano se recusa a ficar reto, até minha priminha chegar rindo segurando as mãos nas costas e balançando as pernas, típico comportamento de quem fez bagunça.

— Que foi bebê? — ela ri da minha cara e sai correndo. Não quero nem saber que tipo de brincadeira eles arrumaram agora, mas era pra eu estar cuidando deles então melhor eu intervir antes que Jão deixe eles usarem todas as maquiagens das minhas irmãs ou comer todos os doces da geladeira.

Saindo encontro com minha tia e explico que já arrumei as mesas e o aparador e só pra ela colocar os pratos e talheres no lugar. Ela sorri, me agradeceu e me abraça falando que estou linda demais. Nada como amor de tia para aumentar nossa autoestima. Depois ela fala que se eu engordasse um pouquinho ia arrumar namorado mais rápido. Meu Deus, não posso esperar pra apresentar Dudu a todos e calar a boca de quem achou que eu nunca iria namorar. Finalmente vou vencer a pergunta do "e os namoradinhos?".

Vou andando pra casa enquanto penso na roupa que vou usar hoje. A mãe de Dudu é chique então devo ir de salto, cabelo bem penteado e talvez um vestido. Acho que meu vestido vermelho e rodado é comportado para ir jantar na casa do namorado e natalino suficiente.

Quando entro em casa vejo algumas crianças brincando na garagem, mas estão faltando algumas. Logo que passo a porta vejo o pesadelo de todas as mães da família.

As crianças ajudando o Jão na cozinha.

— Jão... criança com fogo?

— Relaxa que o pai sabe o que faz.

— É perigoso — olho para meu irmão empurelado no fogão mexendo não sei o que e respiro fundo, tentando manter a paciência — gente, porque não vão brincar UNO ali na garagem? Já tô levando as cartas — agradeço que crianças são voláteis e mudam de plano rápido quando elas correm para a garagem sem reclamar.

— Você acham que eu não sei lidar com as crianças mas eu sei o que estou fazendo, ok? Eu ajudei a criar você.

— Ah me conta outra seu desocupado, nunca fez nada pra me ajudar euen, quem não te conhece que te compre.

— Ficou com ciuminho porque seu namorado prefere jogar comigo do que falar com você?

— Fiquei, mas pelo menos eu tenho um namorado que me ama e você que é sozinho e nunca vai encontrar ninguém que goste de você, seu insuportável?

— Não é porque você não sabe que eu tenho alguém que significa que eu não tenha.

— Vai enganar seus amiguinhos do Free Fire falando que tem namorada, aqui não.

Começo a me virar para ir embora e ele me chama novamente. Parece preocupado e está suando, não tinha percebido antes mas tem um ar de desespero ali.

— Como faz pra engrossar isso?

— Depende, o que é isso? — dou uma olhada rápida na panela que ele está mexendo mas não reconheço nada que está ali, o cheiro é estranho e da pra perceber que tem muito açúcar. 

— É um molho...

— Coloca uma colher de amido e mexe — seguro o meu riso e a vontade de voltar a frase "eu cozinho melhor que todos aqui" pra ele — ce ta cozinhando?

— Pode ser que a mãe tenha falado que se eu não ajudasse em nada ia tirar o videogame e eu decidi fazer meu famoso molho barbecue, mas nunca tinha feito em tanta quantidade e não tá engrossando.

— Tendi... barbecue é assim mesmo, deixa ferver que vai engrossar.

— Por quanto tempo?

— Não sei ué, não é o SEU famoso molho?

— Tá vendo, eu venho aqui humildemente pedir ajuda e você me humilhando — ele levanta a voz para mim e eu dou três passos para trás institivamente. 

— Que? Eu te ajudei! — sorrio e tento brincar, melhorando o humor do cômodo. 

— Mexe aqui pra eu ir dar uma mijada?

— Nossa, pra onde foi a educação que a mãe te deu?

Ele saiu andando estranho e foi diretamente para o banheiro e eu fiquei ali mexendo o atípico molho incrivelmente líquido. Era verdade que o barbecue dele era maravilhoso, mas acho que ele errou nas proporções hoje, vai demorar pra isso engrossar.

— Tia me dá água? — a voz infantil me assusta e me tira da minha espiral de pensamentos sobre todos os episódios de masterchef nos quais ensinaram a engrossar e corrigir molhos. 

— Dou amor, espera só o tio Jão voltar porque não posso parar de mexer aqui.

— Eu quero agora — respiro fundo e sorrio para Valentina, a menina é uma das crianças mais mimadas que eu já conheci.

— Agora não dá, espera uns minutinhos — ela simplesmente abre a porta da geladeira sozinha e começa a puxar um toddynho e eu vejo a merda acontecer.

No mesmo segundo que meu irmão dava descarga no banheiro, Valentina puxa um toddynho do fundo da geladeira empurrando minha torta de chocolate com morango para o chão. A menina fica completamente suja de brigadeiro, a torta destruída, o toddynho esmagado e eu boquiaberta parada no mesmo lugar, mexendo o molho. 

Então é NatalWhere stories live. Discover now