05:44

127 39 15
                                    

[ esse capítulo contêm cenas de um relacionamento abusivo como manipulação e agressão física e verbal, se esses assuntos são um gatilho para você preze por sua saúde mental acima de tudo, fiquem bem <3 ]

Me levanto rapidamente e vou atrás dele seguindo o som da briga, e quando finalmente chego meus olhos demoram a se adaptar e minha mente não consegue compreender o que está vendo. O namorado de Hudson, tão fofinho, tão educado, que trazia doces para os meus sobrinhos estava com a mão manchada de sangue.

E o rosto de Hudson já não era mais o mesmo.

Parece que meu soco no nariz já não é mais tão especial assim.

Tudo acontece muito rápido e é difícil acompanhar, ainda com mais o meu raciocínio lento do jeito que está. Só consigo ver Dudu segurando o garoto pelo colarinho e o mandando ir embora, quando o menino tenta bater em Dudu eu corro até ele, mesmo sem saber o que poderia fazer para ajudar, mas não preciso, meu namorado o deixa do lado de fora da sala e rapidamente fecha a porta.

Olha para mim como se me perguntasse algo, mas eu não entendo, então ele mesmo pega a chave que está na frente da televisão e tranca a porta.

Não consigo me mexer, não sei o que dizer, não sei o que fazer, não acredito que pedi para Eduardo não vir aqui e se intrometer no meio dos dois. O alvoroço todo aparentemente acorda meu irmão que sai do quarto só de bermuda e ri quando vê meu rosto inchado, mas logo perde o sorriso no rosto quando vê a cena atrás de mim.

— O que aconteceu?

— Não sei, eu não... — as lágrimas começam a sair de meu rosto e eu não consigo entender porque. Jão anda até mim e me empurra quase que com gentileza para o sofá, então se vira para Hudson e Dudu que estão conversando sentados no chão.

Quero saber o que estão falando mas não consigo prestar atenção, mil pensamentos se passam pela minha cabeça, como eu pude ser tão estúpida de querer ignorar algo assim, de pedir para ignorarem. EU poderia ter deixado algo muito pior acontecer.

— Ju?

— Desculpa.

— Não tem porque se desculpar, é uma situação estressante.

— É... quer dizer... pelo menos agora fazemos parte do clube seleto de pessoas com o nariz quebrado no Natal — falo com Hudson, que sorri gentilmente para mim e olha para a porta — Hudson, desculpa, desculpa por estar fazendo um show ao invés de te ajudar.

— Nada, a primeira vez que aconteceu...

— Não foi a primeira? — Jão pergunta, se sentando no sofá, encolhido. Yuri e seu pai devem ter saído dali antes de tudo acontecer. Ou durante.

— Foram poucas vezes — Hudson suspira e olha para a cozinha, de forma que eu sei que ele está mentindo — mas a primeira vez que aconteceu eu também fiquei chocado, não sabia como reagir, eu chorei, achei que era culpa minha, fiquei completamente sem reação, igual você.

— Porque você continuou com ele?

— Não é tão simples assim, Juliana, não é tão preto e branco.

— Desculpa.

— Você ficar se desculpando só faz eu me sentir pior — ele sorri um pouco e pega um pano com gelo que Jão trouxe para ele — só nunca aconteceu na frente dos outros, eu não acho que ele pensou que poderia ter alguém aqui.

— Você parece muito calmo.

— Eu estou, estou triste, nervoso, decepcionado, com o coração quebrado e o rosto doendo, mas também calmo porque acabou. Acabou aqui, não tem mais como continuar.

— Que bom que você percebeu isso, você merece algo bem melhor, alguém incrível que te valorize e engrandeça.

— E um dia eu vou acreditar nessas palavras, mas por hoje podemos só não falar mais disso?

— E o que vai dizer pro resto da família? — Jão volta ao seu questionamento, e Hudson pensa bastante antes de responder.

— Que eu bati o rosto na porta porque bebi demais.

— Hudson, você não precisa sentir vergonha de... — eu começo, mas Dudu se senta ao meu lado e aperta minha mão, o que parece ser um sinal para eu calar a boca.

— Eu sei que não preciso, e também sei que não preciso de mais um motivo para me zoarem aqui. Apanhei de um homem, então sou uma mulherzinha, e todas as outras piadas homofóbicas que viriam desse mesmo caminho. — ele revira os olhos e tira um pouco o pano de seu rosto, que parece muito mais danificado que o meu — Não precisa ficar preocupado, nenhum de vocês, estou consciente do que aconteceu e porque aconteceu, só não quero falar disso e não quero dar mais um motivo para fazerem bullying comigo, ok? Já é difícil suficiente sem isso.

— OK — Jão responde e eu faço que sim com a cabeça.

— Podemos só ficar aqui e assistir TV — falo com ele e começo a procurar o controle da televisão.

— Será que ainda está passando algum especial da Natal?

— Ju, são quase seis da manhã, deve estar passando É de Casa — Dudu me responde, olhando seu celular. Vejo que ele tem pelo menos seiscentas mensagens não lidas.

— Ai, odeio esse programa.

— Também, gostava mais quando tinha aquele super doido da Regina Casé — meu irmão opina. É estranho, pois nessa época eu e minha irmãs víamos o programa sambando e cantando na sala e ele ficava sentado na porta reclamando e zoando. Acho que agora, o conhecendo mais, só o fato de ele ter ficado aqui perto e não trancado no quarto já é uma dica de que ele realmente gostava do programa.

— Gostava era quando tinha TV Globinho — meu primo responde e eu suspiro ao lembrar de assistir três espiãs demais, meninas superpoderosas e kim possible.

— Vai começar os idosos a reclamar da TV atual.

— Só liga a TV pra fazer barulho ai e vamos dormir.

— Não acredito que são seis da manhã e ninguém voltou pra casa ainda — olho para a garagem e não tem nenhum movimento. Normalmente estariam vinte pessoas dormindo aqui entre a sala e a cozinha, mas não tem ninguém.

Como que em um roteiro, alguém começa a bater repetidamente na porta. Todos se olham confusos até Dudu lembrar que tinha a trancado. Quando abre, uma imagem maravilhosa nos encontra. Meu tio, vestido de Papai Noel, com cheiro de suor de vinte dias, completamente bêbado.

Leo, que por acaso é pai de Henrique, se joga no colchão no chão sem dar nenhuma explicação e começa imediatamente a roncar. Me pergunto porque ele veio parar aqui em casa e não na casa dele, que é logo ali.

Mas não adianta perguntar, duvido muito que ele vá responder.

Apenas saímos rapidamente da sala para conseguir respirar fundo novamente e, dentro de meu quarto, sentados na minha cama, eu e Dudu temos uma crise de riso inexplicável até eu revelar meu segredo mais obscuro no meio do riso.

Meu ronco.

— Como é que é, Ju? Faz de novo.

— Para com isso.

— Vai, eu achei lindo — ele começa a fazer cócegas na minha barriga e rindo incontrolavelmente nem noto quando acontece novamente e isso só nos faz rir mais e mais.

Então é NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora