CAPÍTULO 1 - QUERO (MUITO) IR COM VOCÊS

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Existem diferentes formas como eu sou chamado. Em casa, eu sou apenas Ká, para os meus amigos, somente Karl, na lista do Clube de Teatro, eu sou Karl Kastro — porque meu nome completo é Karl Marx Figueiredo Kastro —, mas alguns dos meus colegas me chamam de Karl Marx pelo simples fato de que, bom, alguém famoso já teve esse nome uma vez.

A maioria dos professores também me chama de Karl Marx porque, afinal, esse é o meu nome e é bem difícil falar Karl Kastro em voz alta e rapidamente — quase um trava-línguas.

O fato é que, não importa a forma como me chamem, meu nome não é nada comum, mas eu sempre me orgulhei de conseguir manter o meu anonimato, apesar de que seria bastante fácil não tê-lo.

É nisso que estou pensando quando subo no palco do auditório da escola ao lado de Maria Fernanda, minha melhor amiga, enquanto ela fala sobre o quanto sonha em ser famosa.

— Imagina só, Karl — ela coloca a cadeira de madeira no centro do palco. Eu estou carregando uma mesa dobrável e começo a montá-la para deixar ao lado da cadeira. — Passar por um tapete vermelho enquanto todos gritam seu nome, pedindo por fotos e autógrafos!

— No passado, uma multidão provavelmente já gritou o nome do Karl — Gustavo diz lá de baixo, parado em frente ao palco, enquanto nos filma. Ele participa do Clube do Audiovisual e está fazendo um documentário sobre a organização da nossa nova peça de teatro "Margarida e seus Quatro Maridos e Meio". — Só que o nome não era dele ainda. — Ele termina rindo.

Fernanda solta uma risada, e eu encaro Gustavo fingindo estar com raiva, mas na verdade até que achei a piadinha engraçada.

— Nada de fama pra mim, sou apenas o garoto dos bastidores — digo. Fico olhando enquanto Fernanda decide se a cadeira e a mesa estão em um bom lugar. — Talvez um roteirista ou diretor, mas nada de holofotes. Já me sinto muito sortudo por não ser conhecido!

— Isso é uma coisa boa, olhando pela perspectiva de que sua sorte é só para os outros — Fernanda diz.

— Como assim? — Gustavo questiona, virando a câmera para focar em mim.

— Explica para ele, Karl! — minha amiga fala. E é o que eu faço.

— Eu nasci em vinte e cinco de julho de dois mil e quatro, no dia em que o Brasil ganhou a Copa América — falo sorrindo. — Em dois mil e quatorze, quando o Brasil perdeu para a Alemanha, eu estava internado no hospital com uma grave infecção urinária.

— Isso é só coincidência! — Gustavo diz.

— Não pode ser coincidência porque aconteceram outras vezes! — digo. Eu não acredito nessa coisa de sorte, mas como gosto de brincar com a cara do Gustavo, continuo defendendo meu ponto. — Quando minha irmã foi fazer a prova do vestibular, ela não tinha estudado nada e a última pessoa que ela viu antes de entrar fui eu. Ela ficou em primeiro lugar na classificação!

— Você tá zoando comigo! — Gustavo solta um risinho.

— É supersério! — Fernanda confirma. — Eu só consegui a liderança do grupo de teatro porque ele estava comigo no dia da votação!

Para mim isso tudo é realmente coincidência, é o tipo de coisa que pode acontecer com qualquer pessoa, mas no meu caso alguém parou para quantificar as situações que ocorreram.

— Um beijo meu provavelmente poderia tornar qualquer um a pessoa mais sortuda do mundo — eu falo me segurando para não soltar uma gargalhada. — Principalmente por ser o meu primeiro beijo!

Fernanda e eu rimos. É legal brincar sobre isso com alguém — eu sempre conversei com o Gustavo (principalmente sobre sua paixonite por Fernanda), mas nunca fomos muito próximos, a gente só foi se tornar amigo de verdade no início desse ano, então é por isso que ele ainda não conhecia essas histórias.

O grande beijo da sorte de Karl Marx — Fernanda fala forçando sua voz de narradora. — Tá aí uma boa história pra fazer no teatro!

Reviro os olhos.

— Então, quando começamos os testes? — pergunto, já louco para tirar de mim o foco da conversa.

— Talvez na próxima quarta-feira. Preciso da confirmação do diretor — ela responde. — Eu estou tão animada. Será a melhor peça que essa escola já viu!

Forço um sorriso e olho para Gustavo. Fernanda costuma criar expectativas extremamente difíceis de conquistar.

O sinal do fim do intervalo finalmente bate, e Gustavo desliga a câmera.

— Esse documentário vai ficar ótimo!

Eu e Fernanda descemos do palco.

— Gusta, não se esqueça de ir postando alguns vídeos no canal do Clube de Teatro, pra já criar um burburinho entre a galera — Fernanda diz.

Os dois continuam com o papo sobre os testes para a peça e o documentário de Gustavo, mas eu nem me importo e sigo na frente, indo para a minha sala.

A professora não chegou ainda e, por isso, a maioria dos meus colegas está no corredor. Eu me espremo entre as pessoas para entrar na sala e acabo esbarrando contra as costas de alguém.

Fico paralisado enquanto ele se vira, com sua pele naturalmente bronzeada, o cabelo escuro brilhante estrategicamente bagunçado, a jaqueta azul por cima da camisa branca e a pequena argola prateada na orelha esquerda. Encaro seus olhos estreitos e os vejo se fecharem um pouco quando ele sorri.

— Ah, oi Karl — Marcos diz, com sua voz grossa que sempre me deixa arrepiado.

Antes que eu possa dizer qualquer coisa, Isabela aparece, colocando um braço em cima do ombro de Marcos. O cabelo castanho cacheado está amarrado em um rabo de cavalo e ela passou maquiagem azul na área dos olhos, o que contrasta com sua pele negra. Ela sempre se veste como uma modelo de alta-costura, o que me deixa um pouco constrangido com minha costumeira camisa gola polo e calça jeans.

— Ei Karl, tá animado pra aula de amanhã? — ela pergunta.

Nesse momento percebo que os dois estão sorrindo para mim e, sem que consiga me segurar, acabo sorrindo igual a um bobão.

— Ah... bem... sim... — eu literalmente gaguejo.

No início do ano, o Sr. Alves, nosso professor de Química, nos avisou que estava pensando em aplicar uma nova forma de estudos. Ele decidiu que, a partir do segundo semestre — que acaba de começar —, ele nos unirá em grupos de três para que trabalhemos juntos: todos os trabalhos, provas e atividades deverão ser feitos por esses mesmos grupos até o fim do ano, e a nota que um conseguir, representará a nota dos outros dois integrantes também — quando ele explicou isso no início do ano, todos os meus colegas que sabem com o quê isso se parece me encararam dando risadinhas.

Bom, agora que o semestre começou, está na hora de o projeto começar, e como meu nome fica perto do de Marcos e Isabela na lista, provavelmente eu farei parte do grupo deles.

Eu não sei bem como reagir a isso. Isabela e Marcos devem ser dois dos alunos mais populares da escola. Tudo bem que nossa união vai se reduzir ao ambiente da aula de Química, mas eu não sei como lidar com a PRESENÇA deles por perto — principalmente porque já me acostumei a observá-los de longe.

— Todo mundo sentando! — a professora de Geografia chega gritando e me salva de ter que tentar conversar um pouco mais com os dois.

— Espero que você saia com a gente amanhã, Karl — Marcos diz, enfim.

— É mesmo, espero que você também queira! — Isabela comenta rindo.

Não digo nada, mas a verdade é que eu realmente quero muito estar na equipe deles, o que contradiz todo o meu sentimento de insegurança quando eu estou simplesmente perto dos dois.

Sigo para a minhacarteira e me sento, tentando me acalmar um pouco.

Todos Querem (Muito) Beijar O Karl - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now