XVI - Palavras nunca ditas

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Capítulo XVI | Folhas de Outono 

Fechando o notebook, Evelyn se recostou na cadeira da escrivaninha e encarou a revista ao lado. Ela costumava escrever para si mesma, mas nunca para outra pessoa - sobretudo de forma tão íntima. Aquelas palavras nunca ditas estavam sufocando-a. Por mais que aquilo fosse um pouco bizarro, Eve sentiu-se um pouco melhor ao deixar com que suas mãos as expressassem. As palavras escritas sempre foram o forte dela - mesmo que aquela carta não fosse entregue a ninguém. Inicialmente, Evelyn pensou em realmente escrever uma carta para entregar a ele; caso Ernesto surgisse na cafeteria. Mas logo desistiu da ideia. Toda aquela história teve seu ponto final, e a moça seria ousada demais se insistisse numa vírgula.

Ela abriu a revista na página doze pela vigésima vez naquele dia apenas para ler o nome dele. Eve entrara na página virtual da própria revista para tentar achar algo, mas não achara nada. Já havia desistido de tentar tirá-lo da cabeça, e sabia que aquelas pesquisas e sua obsessão pelo nome impresso na revista não a ajudava.

O interfone do apartamento tocou, e Evelyn rapidamente colocou a revista dentro da gaveta. Ela fingiu que se concentrava em uma grossa apostila de Biologia quando Alice abriu a porta - sem bater, como de costume.

- É sério? Estudando no domingo? - a amiga perguntou, maneando a cabeça em reprovação.

- Só estou revisando. - Eve falou, girando a cadeira.

Alice ergueu a sacola de supermercado.

- Trouxe o refrigerante e a pipoca - ela disse. - Não deixei na cozinha pois não confio no seu cunhado. Sabe, ele é até gato, mas um gato muito traiçoeiro.

- Fez bem. Vitor não pode ver uma coca-cola. - Eve fitou a sacola com a sobrancelha erguida. - Mas você, tomando refrigerante?

- Bom, às vezes é bom se permitir - ela disse.

Evelyn ergueu a cabeça ao escutar a porta da sala ser trancada.

- Ótimo. - a moça murmurou, levantando-se e pegando a sacola da mão da amiga. - Agora temos a casa só para a gente. E a televisão da sala. O que vamos assistir?

- Pensei algo como De repente Trinta ou O amor não tira férias - Alice sugeriu com um sorriso. Eve franziu o nariz em uma careta. - Ah, por favor! Esses filmes são incríveis.

- Você já assistiu esses mil vezes - Evelyn retrucou.

Alice a seguiu pelo corredor até a cozinha.

- Sei que comédia romântica não é o seu forte - a amiga continuou. - Mas, pensa só, é tão bom imaginar que um dia iremos nos apaixonar e sermos correspondidas!

- Alice... - Evelyn olhou para ela ao parar em frente ao micro-ondas. - São filmes. Se apaixonar e ser correspondido é quase que ganhar na loteria.

- Você é tão sem graça, Evelyn - a amiga murmurou. - Até parece que já se apaixonou de verdade.

Eve respirou fundo e pressionou exageradamente o botão pipoca.

- Não. - ela respondeu duramente. - Acho que não...

- Ansiosa para isso acontecer - Alice se debruçou sobre o balcão da cozinha, o olhar sonhador examinando o teto. - Achei de verdade que fosse desencalhar com aquele príncipe. - ela suspirou. - Ah, é uma pena que ele esteja namorando.

- Não é uma pena. Nicole é uma boa pessoa - Evelyn cruzou os braços. - E eles se combinam.

- Hum. - Alice fez um bico. - Giovanni perdeu mais de cinco mil seguidores depois que postou uma foto com ela.

- Você conferiu? - Eve às vezes se esquecia que Alice tinha suas peculiaridades. - Espera, que foto?

- Você não viu? - Alice perguntou, incrédula. - Oh, eu me esqueço que você é quase uma senhora no quesito internet.

- Eu só a uso quando acho útil - Eve falou. O micro-ondas apitou exageradamente, e o cheiro de pipoca impregnou a cozinha. - Enfim, acho que Giovanni tem o direito de postar o que quiser. É a namorada dele, e eles estão tão bem juntos... E duvido que ele se importe em perder seguidores. Aliás, o que esse pessoal tem contra ruivas?

Alice encarou-a com uma expressão zombeteira.

- É sério?

Evelyn deu de ombros.

- Pegue os copos para o refri, por favor. - ela jogou a pipoca em um balde. - E gelo.

Alice pegou dois copos de vidro, pensativa.

- Ele tem um primo chamado Arthur Castelli...

- Ah, não - Evelyn interrompeu-a, balançando a cabeça. - Sem essa, Alice.

- Qual é, vocês são amigos! - a amiga protestou, jogando os cubos de gelo nos copos. - E esse Arthur é bem, beem meu tipo. Se parece um pouco com Giovanni, apesar de parecer mais sério. O perfil do Instagram dele é privado, então não sei de muitas coisas. Poderia ajudar a sua amiga, por favor?

Eve suspirou, pronta para dizer não.

- Vou pensar no seu caso. - ela disse, enfiando pipoca na boca. - Vamos.

- Ei! A pipoca é para o filme. - Alice falou conforme se equilibrava com dois copos cheios na mão. - E eu estou falando sério! Eu preciso saber desse homem.

Alice só calou a boca quando o filme começou de fato. Eve já havia assistido aqueles filmes, por isso, não se importou quando sua mente começou a divagar. A comédia romântica não ajudava. Aquela merda clichê era sempre a mesma coisa e só servia para Evelyn ficar ainda pior. Seria divertido se a sua realidade fosse diferente. Às vezes, ela admirava Alice por ser tão sonhadora. Vez ou outra pensava em contar a ela toda aquela história, mas temia que a amiga piorasse ainda mais a situação. Alice com certeza a faria correr atrás de Ernesto assim que o visse para declarar seus sentimentos - sem se importar com o fato dele ser comprometido. E, vulnerável como se sentia, Evelyn não duvidava que fizesse isso.

Ao terminar o filme, Alice desligou a televisão. A sala ficou em silêncio, e Eve estranhou o fato. A amiga não gostava do silêncio - ele era sempre preenchido por música, pelo som da televisão ou sua voz.

- Evelyn - ela quebrou a quietude com uma voz séria e calculista. Eve olhou para ela de imediato.

- O que foi? - ela perguntou.

- Eu sei que às vezes sou inconveniente e tagarela - Alice começou. - Eu sei. Mas, ainda sim, sou sua amiga. Qualquer coisa que estiver precisando...eu estou aqui. Não quero que me esconda nada.

- Eu não... - Eve tentou dizer, mas sua voz falhou. Alice era sua melhor amiga e, mesmo assim, ela era incapaz de dizer a verdade.

- Não precisa me contar nada se não quiser mesmo - Alice continuou. - Eu só queria deixar isso bem claro. Você é e sempre foi minha única amiga de verdade. Nos conhecemos há tempos.

- Desde que usávamos fraldas - Eve deu um sorrisinho. Alice sempre dizia aquela frase quando perguntavam há quanto tempo elas se conheciam.

- Desde que usávamos fraldas - Alice repetiu, rindo ao se lembrar daquele detalhe. A sinceridade em sua voz e algo em sua expressão dissolveu aos poucos a resistência de Evelyn. Sua amiga não era boba. Alice sabia, desde o começo, que alguma coisa estava acontecendo. E talvez Evelyn estivesse julgando-a precipitadamente.

Fitando timidamente o resto de pipoca e milho no fundo do balde, Eve suspirou e consertou a postura.

- Tudo bem - ela cedeu. - Eu vou contar. Mas, por favor, não vamos falar mais disso depois. E não conte à ninguém.

Alice cruzou os dedos e levou-os aos lábios, cujo sorriso denunciava sua satisfação.

- Eu prometo - a amiga beijou os dedos. - Minha boca é um túmulo.

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