Capítulo 4

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— Lucy? — chamou Hanif e ela se obrigou a olhá-lo —. Comeu bem? — perguntou. Incapaz de responder ela assentiu com a cabeça —. Então lavarei o seu cabelo.
— Talvez a babá de Ameerah pudesse me ajudar.
— A babá de Ameerah?
— Eu a vi ontem quando procurava a sua filha.
— Agora compreendo — murmurou com um fulgor perigoso no olhar —. Você pensa que menti ao dizer que não havia mulheres em minha casa? — perguntou. O silêncio de Lucy foi eloquente —. Por que teria que fazê-lo?
Muito envergonhada para olhá-lo, simplesmente negou com a cabeça. Por cima da mesa, Hanif levantou seu queixo com um dedo obrigando-a a encontrar seu olhar.
Lucy não moveu um músculo quando os olhos do homem se fixaram em que a bata que levava sobre a camisola se abriu um pouco sem que ela se desse conta.
— Pensa que sou um depredador que arrasta à vítima a sua guarida para dar um festim a gosto?
— Não! — negou ela, embora suas palavras contradiziam a forma em que sua mão se agarrava à seda da bata para mantê-la fechada à altura do peito.
— Acredita que a presença de uma dúzia de velhas me impediria de atuar a meu desejo se fosse o tipo de homem que abusa das mulheres desamparadas?
Lucy compreendeu que a única maneira de reparar o que parecia um insulto era olhá-lo fixamente nos olhos. E assim o fez.
— Asseguro-lhe, Hanif bin Jamal bin Khatib Al-Khatib, que não tem feito nada para me fazer sentir incomodada. Justamente o contrário. Nada que uma esposa amada pudesse lhe reprovar — disse ruborizada.
Com uma ligeira inclinação de cabeça, Hanif deixou cair a mão de lado.
— Sua precaução é muito razoável, Lucy Forrester. Você não me conhece.
Sim, o conhecia. O suficiente para julgá-lo pelos fatos e não pelas palavras. Também para arrepender-se de seus maus pensamentos e agradecer o fato de não havê-los expresso em voz alta.
— Sei que me salvou a vida, Hanif. Você não me conhece e, entretanto esteve velando por mim desde dia do acidente — afirmou e, desesperada para convencê-lo, assinalou sua cara torcida —. E com toda segurança não o fez tentado por minha beleza.
— Devo lhe dizer que foi inesperada assim como a sua foi a chegada Ameerah e Fathia, sua babá. Chegaram ontem pela tarde.
Lucy estava segura de que raramente Hanif Al-Khatib se importava de dar explicações pelo que fazia, e isso era mais que uma cortesia.
— Sua filha não vive com você?
— No jardim não há mais que o pavilhão da esposa e um pavilhão de caça para seu senhor. Aqui não há nada acondicionado para uma menina. Ameerah vive na capital com sua avó, minha mãe. Suspeito que quando se inteirou de que havia trazido para cá uma mulher estrangeira despachou imediatamente a sua neta em qualidade de anfitriã, não sei se em minha honra ou de você.
— Se sua mãe pudesse imaginar nem sequer teria pensado nisso.
— Tem razão — concordou sem tentar adulá-la —. Esperemos que Fathia a chame para tranquilizá-la.
— Temo que algo que começou como uma missão de resgate lhe causou muitos mais problemas.
— Mash Allah — disse ao tempo que lhe tendia as muletas.
— Isso significa que é a vontade de Deus, não é? — observou Lucy caminho a aparador que comunicavam com o quarto.
— Estudou árabe? — inquiriu com interesse.
— Comprei um curso áudio-visual.
Tinha-o feito para surpreender Steve.
— Não é fácil estudá-lo por conta própria, mas em quatro semanas aprenderá o bastante.
— Quatro semanas?
— Falei com seu médico. E pensa que o tornozelo demorará quase um mês para curar de todo.
— Compreendo, obrigado, embora lhe prometo que não abusarei de sua hospitalidade mais que uns poucos dias.
— De maneira nenhuma o considero um abuso. O que vai fazer na Inglaterra, em uma casa fria e desabitada? Como vai arrumar para cuidar de si mesma, fazer compras e cozinhar?
Lucy não esperava receber a ajuda da congregação religiosa de sua avó. Tinham perdido todo interesse por ela quando descobriram que não haveria mais dinheiro para a igreja. Pelo resto, todos a consideravam uma filha de Satanás, nascida do pecado.
— Minha casa não é fria.
— Na Inglaterra tudo é frio. Ficará aqui até se recuperar totalmente, Lucy. Ou até que seu marido venha buscá-la — disse. Logo levou uma cadeira ao banheiro e a apoiou contra o lavabo —. Senta-se. Tentarei não molhá-la muito — disse pegando o cabo da ducha e levando-o até o lavabo.
Ela continuou de pé.
— Não é necessário que se incomode, posso fazê-lo sozinha.
Não era uma inválida. Em alguns dias partiria, por muito grande que seja a tentação de ficar e receber o tratamento de uma princesa.
Sem lhe fazer caso, Hanif provou a temperatura da água e logo pôs uma toalha sobre os seus ombros. Lucy optou por obedecer e com esforço levantou seu longo cabelo até deixá-los dentro do lavabo.
Sem maior dificuldade, Hanif lhe lavou o cabelo e logo, depois de aplicar o condicionador suavizante, começou a desembaraçá-lo com um pente grosso. Ao notar sua habilidade, Lucy não duvidou de que tinha feito muitas vezes com sua esposa muito fraca para fazer sozinha.
Aquele homem era um punhado de contradições, mas, o que sabia ela dos homens? Para manter sua castidade não tinha tido necessidade das exortações de sua avó sobre a pureza de uma mulher, porque não havia nada nela digno de atrair a atenção de um homem. Até que um dia herdou a casa da avó e Steve apareceu em sua porta. Hanif era tão inacessível para uma mulher como ela e tão alheio a sua escassa experiência, que não tinha direito a julgá-lo por sua maneira de assumir a vida. Só podia julgá-lo pela maneira em que a tratava.
— Eu odiava isto — disse mais tarde, ambos sentados no terraço para que o sol lhe secasse os cabelos.
— Lavar o cabelo?
— Isso não foi tão mal; mas quando era menina minha avó costumada penteá-los com um horrível pente que arranhava e não tinha paciência para desenredar os nós.
— Eu não lhe farei mal — disse ao mesmo tempo em que lhe mostrava o pente que tinha na mão e prosseguia a tarefa começada no banheiro —. Não é habitual ver um cabelo tão longo em uma mulher européia.
— Minha avó pertencia a uma seita religiosa muito dogmática que acreditava que era um pecado que a mulher tivesse o cabelo curto. Lembro de uma vez que cortei as tranças com a tesoura da cozinha.
— E ela se zangou?
— Não ficou muito contente — admitiu Lucy. O que nunca contei a ninguém foi que nesse dia recebi uma surra —. Eu não era uma menina boa.
— Não se espera que crianças sejam bons. Espera-se que só sejam crianças. E sua mãe?
— Em algum lugar.
A verdade lhe escapou antes de poder evitá-lo. Não era sua resposta habitual. Estava acostumada a dizer que tinha morrido quando ela era um bebê. Mas não podia mentir a Hanif, que tinha uma filha órfã.
— Tive… tenho uma mãe em algum lugar. Abandonou-me. Deixou-me com sua mãe e partiu — explicou. Não a culpava por ter desaparecido, mas sim por não levá-la consigo —. Ela tinha dezesseis anos e era solteira.
— Os pais não protegem às jovens ocidentais. Vestem-se provocativamente e saem sozinhas. É comum que aconteçam coisas como a que ocorreu a sua mãe.
—Talvez. Seu pai, meu avô, faleceu quando ela tinha quatorze anos. Possivelmente se tivesse estado vivo as coisas teriam sido diferentes.
Sua avó provavelmente não se teria refugiado tanto na religião e sua filha não se teria convertido em uma rebelde.
— Seu avô não tinha irmãos?
— Irmãos?
— Aqui quando falece um homem, seu irmão assume a família. Leva a viúva a sua casa e cuida dos filhos. Quer dizer, o cunhado assume o papel do marido ausente.
Ela franziu o cenho.
— Diz isso literalmente?
— Uma mulher tem necessidades. Precisa de apoio, inclusive o bem-estar de compartilhar o leito matrimonial se o desejar. É um dever do cunhado para a viúva do irmão.
— Nunca tinha pensado nesse ponto de vista.
— Porque vocês são de visões estreitas, muito influenciadas por suas próprias tradições culturais — afirmou com um toque de ironia. Quando acabou de penteá-la moveu a cadeira para que o sol terminasse de lhe secar os cabelos —. Acreditam que um homem o faz pensando em seu próprio prazer, quer dizer, que humilhar a mulher.
— E não é humilhação ser a esposa número dois? — perguntou ela.
— O costume de ter mais de uma esposa começou como uma maneira de fazer-se responsável pelas viúvas dos cansados nas batalhas. Asseguro-lhe que não é fácil para um homem.
— Não? —perguntou, sem convencimento.
— No Ocidente vocês se imaginam um homem servido por duas ou três mulheres. Acham que é excitante, luxurioso. Para falar a verdade, as responsabilidades são grandes. As esposas devem ser tratadas em termos de igualdade. Se der um presente umas quinquilharias, um vestido ou móveis novos, todas devem receber o mesmo presente.
— O homem deve pagar seu prazer.
— Isso lhe diverte?
— Espera que me aflija por um senhor que tem três esposas?
— Não procurava sua aprovação, a não ser sua compreensão da realidade. Tem idéia do que aconteceria a uma mulher que tivesse que arrumar-se sozinha? A seus filhos? O Estado não vela por eles. Teriam que buscar uma vida melhor que pudessem. Só terá que ver as notícias na televisão para dar-se conta da realidade.
Lucy engoliu a saliva.
— Compreendo.
— Hoje em dia é estranho que um homem tenha mais de uma esposa.
— Bem, sim. Nesta época em que visa o consumismo essa tradição pode chegar a ser proibitiva — aventurou a jovem.
— E fisicamente extenuante — comentou Hanif com um leve sorriso.
Lucy se ruborizou.
— Como sabe, na Inglaterra é ilegal ter mais de uma esposa. Por outro lado, meu avô não tinha irmãos. Só estávamos minha avó e eu. E ela faleceu também.
— Sinto muito. Não tentou procurar a sua mãe?
— Por que iria fazê-lo? — perguntou e Hanif encolheu os ombros —. Se tivesse querido me ver, sabia onde estava. Onde ela mesma me deixou.
Lucy tinha sonhado com sua mãe indo procurá-la e a levava para viver com ela em uma casa acolhedora. Comprava-lhe vestidos novos e celebrava seu aniversário em uma lanchonete, como qualquer outra menina.
— Possivelmente se sinta envergonhada.
— Não acredito que alguma vez me tenha dedicado um pensamento.
Hanif a olhou pensativamente.
— E seu marido? Não pensa em você? Não se pergunta onde está?
Hanif desejou não ter perguntado. Tinha-lhe dado um refúgio sem condições. O fato de que Lucy se esforçasse por procurar uma resposta satisfatória, confirmou sua suspeita de que se encontrava em apuros. Entretanto, embora fizesse tudo o que pudesse para lhe evitar qualquer problema legal em Ramal Hamrah, sabia que as dificuldades entre Lucy Forrester e seu marido não era um assunto de sua conta.
— Bom, eu… — titubeou a jovem.
Mas Hanif se levantou da cadeira.
— Já é suficiente. O sol é muito intenso para sua pele. Tem que repousar em um lugar mais fresco.
— Pensei que nesta área fizesse mais calor — comentou aliviada pela mudança de tema.
— Não, aqui estamos na maior altura e é mais fresco que na costa. Mas não se engane com a brisa que vem das montanhas. Não faz falta acrescentar a seus males uma boa insolação. Vamos, venha por aqui.
Hanif lhe estendeu as muletas e se adiantou a ela até chegar às portas que comunicavam o terraço com a sala de estar.
— Zahir! Tenho um trabalho para você.
— Excelência?
— No hospital entregaram os pertences de Lucy Forrester?
— Sim, excelência, o que restou delas, mas asseguro que não servem para nada. Conseguiram resgatar o que levava em cima. As enfermeiras tiveram que cortar a roupa para poder tirar —Tenho sua bolsa em meu escritório.
— Havia algumas jóias?
— Tenho sua bolsa em meu escritório.
— Isto é tudo? — perguntou Hanif quando Zahir lhe entregou um envelope que tirou da bolsa.
O envelope continha um relógio de pulso quebrado.
— Procurava algo em particular?
— Quero que pergunte à enfermeira que a registrou se havia um anel. Ah, e aproveita para comprar roupa nova para substituir a que se perdeu no acidente.
— Eu?
— Pode se guiar pelo tamanho destes objetos — sugeriu ao mesmo tempo em que indicava os restos da roupa que Lucy levava o dia que se acidentou.
— Está me pedindo que vá a lojas para mulheres e que compre objetos íntimos?
— Pode ser que alguém de sua família o faça por você se o pedir com amabilidade.
— Pedirei as minhas irmãs. Enquanto elas vão às compras irei olhar à agência de viagens.
— Como o fará?
— Ainda tenho roupas de meus tempos de estudante nos Estados Unidos, assim posso me apresentar como um turista interessado em praticar surfe no deserto e logo desfrutar de um banquete que oferecem ao final da jornada. Isso me dará oportunidade para falar com o pessoal da agência. E me encarregarei de que o helicóptero traga as compras de minhas irmãs.
— É como se tivesse planejado tudo de antemão. Muito bem Zahir, mas tome cuidado com o que diz e não mencione por nada o nome de Lucy Forrester.
Lucy acreditou ouvir o ruído de um helicóptero e olhou pela janela para ver se aterrissava ou se afastava.
Quando alcançava as muletas, decidida a olhar pelo terraço, na soleira viu a pequena figura de Ameerah, que imediatamente se ocultou atrás da porta. Lucy a chamou por seu nome e a pequena deixou escapar uma risada.
— Ismy Lucy. Meu nome é Lucy.
— Lucy — repetiu a pequena sempre oculta atrás da porta.
Lucy não respondeu e, depois de uns segundos, apareceu o rosto de Ameerah. Em seus olhos havia um olhar travesso. Seus cabelos encrespados estavam revoltos e as fitas que atavam os largos cachos escuros penduravam frouxas. Quando esteve segura de que Lucy não ia chamar a sua babá, aventurou-se a entrar no quarto.
Os pés nus e sujos de barro contrastavam com o delicioso vestido de seda de cor nata, como o das princesas dos contos. As bordas do vestido estavam molhadas e com algas, como se tivesse metido em um lago.
Estava claro que outra vez tinha escapado da vigilância de sua babá.
Incapaz de comunicar-se em árabe, Lucy optou por dar uns tapinhas na almofada do sofá e se afastou para lhe dar lugar.
Mas a menina não aceitou o convite. Em troca, foi instalar se em um elegante canapé estofado em seda rosa e, com as pernas pendurando, ficou observando-a sem pestanejar.
Sem tentar aproximar-se dela, Lucy esperou. Ao final de um momento Ameerah levantou a saia e lhe mostrou um machucado que tinha na perna.
— Dói! — disse Lucy com um expressivo gesto de dor.
Ameerah assentiu e logo indicou o olho de Lucy.
— Dói!
A jovem pôs-se a rir.
— Nam, Ameerah. Dói muito.
Encorajada, a pequena desceu do canapé e se aproximou um pouco, parecia atraída pela tala que Lucy levava no tornozelo. Depois de tocá-la com suavidade, levantou um braço para lhe mostrar uma pequena cicatriz.
— Como fez isso? — perguntou-lhe Lucy.
A menina rompeu a falar em árabe tão rapidamente que Lucy não entendeu uma só palavra. Quando levantou as mãos negando com a cabeça, a menina lhe explicou com gestos muito eloquentes que havia quebrado o braço e Lucy levou as mãos à boca para lhe mostrar seu horror.
Deleitada pelo efeito que tinha produzido na mulher loira, a pequena rompeu a rir e logo que ouviu que a chamavam rapidamente se escondeu debaixo do canapé.

Nos Braços Do Sheik - Série Sheiks Dominados DegustaçãoWhere stories live. Discover now