Capítulo 5

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    A babá de Ameerah se deteve na soleira da porta.
— Perdão, sayyidah. Procuro à menina.
— Se a vir, tocarei a campainha — disse Lucy ao mesmo tempo em que levava um dedo aos lábios e indicava o esconderijo de Ameerah.
Com um sorriso, a mulher assentiu com a cabeça e desapareceu.
Então Lucy se agachou para olhar por debaixo do canapé.
— Já pode sair Ameerah.
A menina colocou a cabeça para fora, olhou a seu redor, logo deu a Lucy um grande sorriso e então se sentou a seu lado.
— Lucy — disse tocando a sua mão.
— Ameerah — respondeu Lucy ao mesmo tempo em que lhe acariciava a bochecha.
Ambas sorriram e a menina indicou a jarra de água.
— May.
Lucy encheu um copo e o tendeu.
—Tqfaddali. Sirva-se.
Com uma risada a menina o levou aos lábios e quando acabou desceu do assento, pôs o copo na mesa e correu para a porta.
— Shukran, Lucy.
— Afwan, Ameerah. MA’ assalamah. Até logo.
Então Lucy fez soar a campainha e quando apareceu a babá lhe indicou a direção que tinha tomado a pequena.
Hanif ouviu o tinido da campainha e se surpreendeu porque estava seguro de que Lucy nunca a utilizaria.
Quando chegou à sala, encontrou-a sentada tranquilamente com um sorriso nos lábios que desapareceu ao vê-lo diante ela.
— Hanif…
— Parece surpreendida comigo aqui, Lucy. Você chamou?
— Sim, mas… — balbuciou enquanto se esforçava por encontrar uma explicação —. Não esperava que chegasse tão rápido.
— Isto não é um palácio, Lucy. Como lhe disse, não é mais que um pequeno pavilhão. Um lugar para passar os calorosos meses de verão. É o que você chamaria uma casa rural de férias.
— Sim, como a de Balmoral — replicou com ironia —. É a casa de campo escocesa da rainha Isabel. A família real está acostumada a passar ali suas férias.
Hanif omitiu dizer que não só sabia, mas também em mais de uma ocasião se hospedou em Balmoral em qualidade de convidado.
— Engana-se Lucy. Rawdah Al-Arusah não tem mais de doze quartos.
— Doze quartos? Só isso?
E, além disso, o sarcasmo. Hanif concluiu que Lucy Forrester se recuperava rapidamente.
— Quinze se muito.
— Me parece muito grande — comentou com um gesto que abrangia os ladrilhos pintados à mão, os tapetes, os móveis embainhados em ricas sedas —. E bonito, sem dúvidas.
— O pavilhão foi idealizado para o bem-estar de uma princesa. O único homem que lhe permitia transpassar a entrada dentro destas muralhas era o seu marido.
Lucy se ruborizou.
— Quer dizer que isto era um harém?
— Isto era uma cidadela. Um lugar isolado onde ninguém podia entrar sem permissão da proprietária.
— Nem sequer seu marido?
— Nem sequer seu marido.
— É sério? — perguntou, surpreendida —. E onde ele ficava?
Hanif sorriu, divertido por sua surpresa.
— Em uma casa pequena, longe do pavilhão, hospedado com seus homens, como eu fiz até que Noor adoeceu e vim para uma suíte a fim de estar perto dela.
Lucy sentiu uma espécie de nó no estômago, uma sensação difícil de descrever. Em sua imaginação viu Noor que recebia a seu marido envolta em sedas, o cabelo brilhante e tudo preparado para agradá-lo. Certamente lhe ofereceria uma deliciosa comida, o faria rir e esperaria até fazê-lo enlouquecer de desejo.
— Lucy? Encontra-se bem?
Sobressaltada, engoliu a saliva.
— Sim, muito bem. Realmente. E depois ficou aqui?
— É um lugar muito tranquilo e assim não perturbo a minha família.
«Para não preocupá-los com seu sofrimento», pensou Lucy.
— E o que faz durante o dia?
— Treino a meus falcões no deserto. Visito as tribos locais para me assegurar de que tem tudo o que necessitam. Além disso, faz muito tempo que ninguém se ocupa do jardim. Necessita que alguém o cuide.
— Está restaurando-o?
— Nunca voltará para seu antigo esplendor. O sistema de irrigação está deteriorando e, se o deixar como está, o vasto jardim acabará por arruinar-se. Também tenho aqui minha biblioteca, assim, como pode ver, tenho mais que suficiente para me manter ocupado.
— Inclusive sem a preocupação adicional de ter que cuidar de mulheres estúpidas que arriscam suas vidas e quase morrem virtualmente na porta de sua casa.
— A vida de uma só mulher é mais importante que centenas de jardins e uma vida inteira consagrada ao estudo.
— Estudo? Agora está trabalhando? Sinto tanto incomodá-lo…
— Estou traduzindo ao francês e ao inglês a obra de um de nossos poetas. Nada urgente.
— Então você também tem que ser um poeta — disse e antes que ele pudesse negá-lo, acrescentou —: Não é coisa de limitar-se a traduzir as palavras, também terá que interpretar o sentido, a voz, o ritmo.
— Fala como se conhecesse o ofício.
— Faz anos quis estudar Literatura francesa na universidade.
— E não o fez?
— Minha avó pensava que a universidade era um antro de pecado e que conseguiria me corromper. Quando me neguei a obedecer se enfureceu de tal maneira que sofreu um enfarte seguido de uma apoplexia. E como não havia ninguém mais, tive que ficar em casa para cuidá-la.
— Sua avó pagou um preço muito alto por prejudicar a sua.
— Ambas o pagamos.
— Há algo que lhe impeça de retomar seus estudos?
— Pensei nisso, mas logo conheci Steve Mason, assim que outra vez a universidade se converteu no sonho impossível que sempre tinha sido.
— Por causa de seu casamento? Porque se casou com Steve Mason, não é assim?
— Sim. Conhece-o?
— Não, simplesmente me surpreende que não utilize seu sobrenome.
— É uma longa história, Hanif, e você tem que trabalhar.
— Até os poetas tomam um descanso para desfrutar de um café — disse.
A última coisa que Hanif queria era falar do casamento de Lucy e de seu marido, assim se dirigiu ao telefone que havia junto ao canapé e imediatamente se fixou na mancha de barro, ainda úmida, no beirada de uma das almofadas. Assim se explicava o mistério da campainha. Ameerah tinha estado ali outra vez e Lucy não tinha querido traí-la.
Hanif pediu que lhe enviassem café e logo se voltou para sua convidada.
— Assim descansou e está impaciente por percorrer o jardim, não é mesmo?
— Como diz? —perguntou Lucy, sobressaltada pela brusca mudança da conversa.
— Suponho que me chamou porque queria dar um passeio. Lucy tinha estado pensando na maneira de salvar a Ameerah das consequências de ter entrado na área proibida do pavilhão e, como tampouco desejava afligir a Hanif com a triste história de seu casamento, agarrou-se ao convite como a um salva-vidas.
— Tem razão. Desejo um pouco de ar fresco, um livro, um assento em um lugar sombreado. Posso lhe fazer uma pergunta?
— O que deseja saber?
— Como soube minha direção da Inglaterra? Sei que o acidente me deixou muito confusa, mas não recordo havê-la dado no hospital, nem tampouco os detalhes de meu seguro de viagem, por exemplo. Você disse que tudo ficou destruído.
— Certamente — concordou antes de voltar-se para um servente que chegou com o serviço de café e um prato cheio de pequenos bolos de amêndoa que ele mesmo estendeu a Lucy —. São muito bons. As amêndoas são de nossa colheita.
Lucy não era aficionada a doces, mas provou um.
— Deliciosos — comentou com amabilidade —. E o mel? Também é de confecção caseira?
Ele a olhou com certa acuidade, como se suspeitasse que se divertia a sua custa.
— Temo que pense que sou jactancioso.
— Ao contrário. Penso que é o homem mais modesto e despretensioso que conheci — afirmou. E era certo. Seu traje escuro era singelo, de linhas simples, sem adornos, e o keffiyeh que levava no dia do resgate era igual ao que utilizavam os homens das tribos —. Se não me pediu a direção da Inglaterra é porque sabia, verdade?
— Você sofria uma hemorragia quando chegamos ao hospital. Precisávamos encontrar a seus amigos ou a um familiar, assim que meu ajudante fez averiguações na agência de viagens e, como não obteve resultados, recorreu ao departamento de imigração. Felizmente os funcionários a recordavam perfeitamente bem.
— Difícil de acreditar.
— Por seus cabelos, que causaram grande impressão.
Lucy estava acostumada a levá-los em uma trança ou em um coque, mas nesse dia, com pressa de chegar ao aeroporto, simplesmente os tinha recolhido com um prendedor, assim que o longo cabelo de um tom loiro cinza caía virtualmente solto sobre as costas.
— Seu ajudante?
— Zahir Al-Khatib, um primo. Esta manhã foi a Rumaillah.
— Para fazer mais investigações?
— Para substituir seu vestuário, embora delegasse a tarefa a uma de suas irmãs.
Teria que aceitá-lo, do contrário deveria viajar para casa com a camisola e a bata de seda da falecida esposa de Hanif. Mas não seria uma obra de caridade.
— Tenho um seguro de viagem. Cobrirá o gasto de minha roupa.
— Está segura? Suspeito que, se descobrirem que conduzia um veículo roubado quando perdeu suas posses, a companhia não aceitará cobrir os gastos.
Céus, não o tinha pensado!
— Entretanto, se Bouheira Tours nega ter conhecimento do roubo de um veículo, como você me disse, então não haverá problemas — disse de repente —. Quero pagar pelo meu vestuário, Hanif. Também tenho cheques de viagem, embora não muitos. E tenho a passagem de volta à Inglaterra. Não sei se a companhia aérea vai querer trocá-lo.
— Se recordar mais detalhes, diga-me isso e Zahir se fará cargo dos trâmites.
— O mesmo Zahir que foi capaz de obter minha direção no departamento de imigração? Presumo que é um homem muito eficaz.
— Pode ter certeza que o conhecem.
— Na Inglaterra algo assim seria impensável.
— Aqui não é a Inglaterra. Estamos em Ramal Hamrah, um país pequeno onde todo mundo se conhece.
Um país pequeno, embora rico em petróleo, com uma florescente atividade bancária internacional e um setor turístico no auge. Sim, um país muito estranho, onde um homem podia ter mais de uma esposa se podia pagá-lo e onde as filhas não tinham nenhum valor.
— Por que o nome Khatib me parece tão familiar?
— Os Khatib pertencem a uma das famílias mais antigas de Ramal Hamrah.
Lucy sabia que ali os nomes eram muito importantes.
— Você não é o filho mais velho, não é? Porque se fosse assim se chamaria Khatib bin Jamal, e todo o resto.
— Esse é o nome de meu irmão mais velho. Sou o terceiro filho de Jamal. Se lhe mostrar uma fotografia de meu pai talvez possa compreender algo mais.
Hanif deu uma ordem ao farraish que estava sentado com as pernas cruzadas no vestíbulo à espera de levar a bandeja do café.
O servente voltou em um momento com um papel colorido dobrado em dois. O ofereceu a Hanif e este lhe indicou que o entregasse a Lucy. Com uma profunda reverência e evitando olhá-la, o farraish o ofereceu com as duas mãos e logo retrocedeu até sair do quarto.
— É uma nota de cem riyals de Ramal Hamrah — disse Lucy, confundida. Hanif guardou silêncio. Então ela olhou a outra cara da nota e descobriu a gravura com o rosto do emir e repentinamente recordou a razão de que o nome lhe era familiar. Tinha visto quando procurava informação sobre o país na Internet —, OH! Por que não me havia falado sobre isso?
— Não tinha importância. Estou falando agora porque você insistiu no tema. Zahir pôde inteirar-se de sua identidade porque o fez em meu nome. Ninguém mais poderá encontrá-la.
— Ninguém me procura. Sinto muito Hanif, mas Steve não deverá me resgatar de suas mãos.
— Nesse caso volto a insistir em que aqui está a salvo e que vamos cuidar de você. Quando estiver em condições, Zahir a levará a sua embaixada para que lhe renovem seus documentos e, quando cuidar de si mesma, totalmente reposta, ele a ajudará a administrar sua volta a Inglaterra caso não deseje continuar mais tempo neste país.
— Por que faz isto? Podia ter deixado Zahir responsável por tudo, ou ter me enviado à embaixada de meu país… Hanif… — pronunciou seu nome em tom vacilante. Estava-lhe falando como se o conhecesse por toda a vida e esse homem era nem mais nem menos que o filho do emir.
— É certo. Poderia ter feito.
— Por que vim para aqui? Não tinha que ter me trazido para sua casa nem cuidar de mim pessoalmente.
— Pode ser — repôs depois de um silêncio que pareceu interminável —. Talvez precisasse fazê-lo. Lucy abriu a boca para perguntar por que, mas a fechou imediatamente ao ver que ele franzia o cenho, com o olhar perdido. Nesse instante o senhor do deserto parecia muito vulnerável. Com a respiração contida, Lucy se concentrou no doce a fim lhe dar tempo para que se recuperasse.
Depois de uma pausa, Hanif saiu do quarto e em seguida retornou com uma cadeira de rodas.
— Não é preciso, posso andar — protestou Lucy.
— É muito longe. Levaremos as muletas e, quando chegarmos à pracinha, poderá explorar o jardim, se gostar.
— Se for o que quer…
— Eu não desejo interromper seu trabalho.
— Ocidente esperou durante séculos a oportunidade de acessar a formosura das palavras de Hafiz, assim pode esperar uma ou duas horas mais.
Lucy estava segura de que a cadeira de rodas não era do hospital a não ser a que tivesse sido utilizado por sua esposa quando se encontrava muito fraca para andar.        Sabia que tudo o que fazia por ela, enchia sua mente de lembranças dolorosas, embora não podia dizer-lhe — Não acredito que ocorra a Zahir comprar grampos para meu cabelo — comentou ao mesmo tempo em que se sentava na cadeira e colocava o longo cabelo de lado —. Estou acostumada a fazer um coque. Entregaram as minhas coisas no hospital? Lembro que tinha um prendedor grande.
Hanif sabia que não estava entre os poucos pertences que lhe tinham entregado. Quando esse dia a encontrou dentro do veículo derrubado, o cabelo estava solto e caía como um xale sobre seu corpo.
— Virtualmente não havia nada que se pudesse salvar.
— Está bem. Estou decidida a cortar isso assim que chegue a casa. E o deixarei muito curto.
— Mas, por quê?
Hanif compreendia que uma menina tivesse querido cortar as tranças, mas que uma mulher adulta desejasse desprender-se dessa formosura lhe parecia uma perversão.
— É um incômodo. Quis cortar isso depois do funeral de minha avó.
A verdade era que tinha desejado fazê-lo antes do funeral para provocar uma comoção nesses bruxos fanáticos da religião que tinham contribuído a lhe amargurar a vida até a morte da avó.
— Embora no estado em que se encontrava sua avó, era certo que não teria tentado detê-la.
— Não, de fato esperava que cortasse isso; mas em troca, uma vez que tive o controle do dinheiro para manter a casa, comprei um bom xampu, condicionador e um pente suave. E após isso deixei o cabelo solto.
— Fez para atormentá-la?
— Disse-me que eu não era boa.
— Me lembro — falou ao mesmo tempo em que tomava uma mecha resplandecente e o deixava cair lentamente diante dos olhos de Lucy —. Espero que me perdoe se lhe digo que em parte o fez para sentir prazer de si mesma.
— Eu… — Lucy não soube o que dizer.
— Vou lhe buscar alguns grampos — disse enquanto recolhia o cabelo em um cordão com que se atavam seus próprios cabelos —. Enquanto isso, isto lhe servirá. Algum tempo depois entraram em um elevador que os conduziu até o andar de baixo. Em silêncio, Hanif empurrou a cadeira de rodas ao longo de um claustro com arcos e ladrilhos azuis e saíram a refugiar-se à sombra dos salgueiros cujos ramos penduravam lânguidas sobre as cintilantes águas de um regato. Lucy deixou escapar um suspiro de prazer.
—Tem razão, Hanif. Comparada com isto, Inglaterra é fria e pouco acolhedora. Passou muito tempo ali?
— O colégio, a universidade. Não me interprete mal, seu país é muito bonito e eu o adoro. Mas a chuva… A princípio foi uma novidade. Lembrança que saía correndo da casa para senti-la no rosto.
— Apostaria que terminou por cansar-se — comentou ela, entre risadas.
Logo chegaram a uma fresca pracinha coberta de roseiras trepadoras junto a um lago. Hanif deixou um livro encadernado em pele sobre uma mesinha, junto à cadeira de rodas.
Lucy o abriu.
— É a tradução de alguns poemas de Hafiz, o poeta persa. Utilizou as imagens de um jardim para expressar o amor em todas suas formas.
— Não posso imaginar um lugar mais perfeito para lê-lo — disse a jovem e logo levantou a vista para ele —. E agora volte para seu trabalho, Hanif. Já o incomodei muito. Prometo-lhe que não farei nenhuma estupidez, como cair na água, por exemplo — acrescentou entre risadas.
Lucy fazia algo mais que incomodá-lo. Perturbava-o.
Até machucada e triste, Lucy tinha algo único, algo que ele acreditava ter esquecido. A ira a tinha impulsionada a voar a Ramal Hamrah seguindo a seu marido; a paixão a tinha levado a roubar um veículo arriscando tudo para procurá-lo através do deserto.
E ela também tinha sentimentos confusos para com Hanif. De repente sentiu a tentação de pensar que a abraçava, que seus lábios se posavam de sua boca, que aspirava seu fôlego, voltaria a respirar, voltaria a sentir, voltaria outra vez à vida.
A risada de Lucy fazia Hanif recordar outras risadas. Quando sentado junto a Noor nesse mesmo jardim, lia-lhe poemas enquanto o filho que ela amava mais que tudo no mundo lhe tirava a vida, e ele sabia que nem com todo o dinheiro do mundo nem com todo seu poder poderia salvá-la.
— Com essas garantias, a deixarei em paz — disse com brutalidade.
Depois de esperar a que se afastasse, Lucy se atreveu a levantar a vista do livro. Tinha sido muito difícil se afastar dele. Não podia compreender que um homem que conhecia há tão pouco tempo a fizesse sentir-se tão apreciada, tão especial.
Entretanto, apesar do que Steve fizesse, do modo em que a tinha traído, não era livre para sentir dessa maneira. Mesmo assim não pôde evitar o desejo de vê-lo aparecer na pracinha.
Em lugar de Hanif, um jovem servente apareceu com água e suco. Logo, silenciosamente, colocou as muletas junto à cadeira, conectou um telefone que colocou sobre a mesa e, antes de retirar-se, estendeu uma nota de Hanif em que lhe dava instruções para utilizar o telefone em caso de que desejasse comunicar-se com seu país. Terminava dizendo que, se queria falar com ele, marcasse o número um.
Lucy deixou escapar um suspiro. Na realidade devia chamar o agente imobiliário que ia pôr sua casa em venda para lhe dizer que continuasse com os trâmites.
Com o dinheiro tinha pensado comprar algo pequeno, moderno, com calefação central. Devia ter feito antes de sair para caçar a Steve, mas ainda se iludia com a idéia de que tudo tinha sido um engano e que as coisas iriam se esclarecer assim que o visse.
Mas quando entrou no escritório da Bouheira Tours teve que enfrentar-se à realidade.
Não havia engano. O dinheiro da venda da casa serviria para pagar as dívidas que Steve tinha contraído em nome dela.
Também tinha que chamar a sua vizinha. Ela tinha a chave da casa e poderia entregá-la ao agente imobiliário.
Teria que chamar à companhia de seguros para que se fizessem cargo dos gastos de hospitalização e da perda de sua bagagem.
E também chamar o banco para lhes assegurar que tudo ia a vias de solução. Os bancos não se caracterizavam por sua paciência.
Hanif se sentou em seu escritório, completamente alheio à tradução em que trabalhava.
Durante um momento quase tinha esquecido os dias tormentosos que tinha passado com Noor. Inclusive parecia que ter sorrido a outra mulher era uma traição à coragem que tinha demonstrado sua esposa falecida. E uma traição sustentar em seus braços a Lucy da mesma forma em que fazia com Noor; levar à ducha, lavar seu cabelo, sentir o calor de seu corpo através da fina seda, suas curvas entregues a suas mãos, responder à intimidade de sua proximidade física como um homem devia fazê-lo… Não compreendia por que sentia aquilo. O aspecto de Lucy era pouco desejável. Entretanto, esperava com desejo que soasse seu telefone, que ela precisasse dele para correr a seu lado. Aborrecido consigo mesmo, abandonou o escritório e deliberadamente saiu em direção aos estábulos.
Mas de repente ouviu umas risadas da pracinha e, sem poder evitá-lo, aproximou-se. Meio oculto atrás do tronco de um cipreste ficou absorto contemplando a Lucy Forrester e a pequena que nunca tinha acariciado, nem abraçado, nem sequer desejado conhecer.
Aí estavam rindo, absortas uma na outra.
— Queixo — disse Lucy em inglês enquanto a tocava com um dedo.
— Queixo — repetiu Ameerah.
Logo a menina se tocou a cara e disse a palavra em árabe antes de levar a mão do Lucy a seu rosto inchado e esperar que repetisse o som.
E logo o mesmo exercício com a mão, o cotovelo, os cabelos. Primeiro em inglês e logo em árabe. Era uma cena tão inocente, havia nelas uma alegria tão pura e simples que de Hanif escapou uma exclamação abafada e teve que apoiar-se no tronco da árvore para conter a intensa dor que o arrasava.

Nos Braços Do Sheik - Série Sheiks Dominados DegustaçãoWhere stories live. Discover now