Prólogo

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Muitos dizem que a vida não é fácil. Na verdade, 90% da população diz e sabe muito bem que a vida não é fácil, passam por experiências que provam isso, o tempo todo, todos os dias. Mas esse não era o meu caso, e pra falar a verdade, estava longe de ser. A minha vida, a minha linda e bela vida era a coisa mais fácil do mundo, literalmente. Eu nasci no que as pessoas chamam de "berço de ouro", nunca tive problemas com dinheiro, e nunca tive problemas em ter tudo o que eu queria, na hora que eu queria.

Eu não precisava fazer muito pra ter tudo isso, era quase como estalar os dedos, era só ser uma boa filha e tirar boas notas, somente esses dois requisitos bastavam para deixar meus pais satisfeitos e ter o meu "prêmio". E eu obviamente cumpria meus objetivos com muita precisão e vontade. Eu era sempre a aluna nota 10, não só 10, se existisse uma nota maior que essa, eu com certeza seria a 1000. Meu histórico era impecável, nenhum aluno me superava, eu sempre fui monitora e líder de todas as atividades escolares, nunca envergonhei meus pais em relação à escola. Por vários anos seguidos eu tive meu nome e minha foto pregados em um mural na escola, todos que passavam por ali podiam ver meu lindo rosto e a minha bela e impagável reputação. Parece surreal, mas era só eu provando que era incrível.

Eu definitivamente tinha uma vida fácil. Tinha empregados para me servir quando chegava do colégio, quando chegava dos jogos de tênis e dos treinos das líderes de torcida. Também tinha motorista para me levar em tais atividades. Eu chamava e eles vinham, essa era a regra, esse era o dever deles. Meus pais nem sempre estavam em casa, mas isso nunca foi um problema, eu tinha os empregados para me auxiliar. Na infância, tive babás, e isso não tornava apenas a minha vida fácil, tornava também a dos meus pais. Meu padrasto, que era como um verdadeiro pai pra mim, era empresário. E minha mãe era advogada, tinha dias que ela nem aparecia em casa. Eles basicamente não tinham tanto tempo assim pra mim, mas isso não era um problema. Eu não tinha trabalho algum com eles, e muito menos eles comigo. Vivíamos em paz, era totalmente perfeito, a reciprocidade em nossa relação era insuperável.

Isso para qualquer criança e adolescente era considerado um sonho, ter tudo e nunca nenhum pedido e vontade serem negados. Um sonho maravilhoso, mas todo sonho chega ao final quando alguém acorda. E eu acordei, não porque queria, isso com certeza não. Eu acordei porque meus pais perceberam que só essa vida de princesa não foi suficiente depois de um certo tempo, e que de acordo com eles eu tinha me tornado uma pessoa mimada, mesquinha, esnobe, desumilde, arrogante, egocêntrica, e todos os adjetivos ruins que um ser humano pode ter. E era óbvio que tudo isso era uma grande e enorme bobagem deles. Como punição por todo esse comportamento e personalidade que só existia na cabeça deles, eles cortaram mais da metade da minha mesada, e me fizeram ter que arrumar um trabalho, se não, eu teria que sair de casa. Eu fazia faculdade de arquitetura e estava quase terminando, mas resolvi trancar. Eu estava tendo uma crise, e sim, ricos têm sim crises. O fato é que eu comecei a faculdade muito nova, eu acabei o ensino médio com 16 anos e no ano seguinte entrei na faculdade que era o meu sonho desde pequena. Mas eu estava tendo crises que me faziam acreditar que eu não servia mais pra fazer aquilo e estava tentando descobrir o que eu deveria fazer dali pra frente.

Meus pais não entendiam isso, então queriam que eu arrumasse um trabalho, coisa que eu nunca tinha feito em vinte anos da minha vida. Obviamente eu não fiquei nada feliz com isso, ah, não fiquei mesmo. No dia em que eles falaram isso, eu gritei, chorei, fiz um escândalo, eu quis morrer. Eu mesma me senti mimada nesse dia, mas eu sabia que eram direitos meus sendo tirados de mim, e eu não queria deixar aquilo acontecer, não queria ter que ser expulsa da minha própria casa. Mas aconteceu, e até agora eu ainda não engoli, não está sendo fácil lidar com isso.

Faz exatamente duas semanas que eu saí da casa dos meus pais e aluguei um pequeno apartamento. A minha mesada não era nada mesquinha, então quando eles a reduziram, deu um pouco mais que um salário mínimo, então eu conseguia bancar um lugar simples. Claro que não era nem de perto comparado a casa que eu vivia, mas o meu orgulho era muito maior que simples metros quadrados.

Eu tenho há duas semanas tentado arrumar um emprego pra não depender mais de mesada nenhuma dos meus pais. Eu não passaria por cima do meu orgulho e voltaria pra casa, até porque quando eu hesitei em voltar, minha mãe falou que não me queria mais lá, e que era pra eu me virar sozinha, como uma adulta. Eu tentei fazer isso, mas infelizmente nem só de comidas em restaurantes se vive uma pessoa. Eu precisava de um trabalho, e por incrível que pareça, estou nesse exato momento parada no meio da calçada com um papel na mão com a descrição de um "emprego" de babá que eu peguei no mural de uma lanchonete. Eu não tinha muita escolha a não ser procurar saber mais e aceitar. Eu esperava que esse fosse o único panfleto por aqui, tinha vários meios de comunicação escritos ali, mas como eu queria ser rápida e estava desesperada, optei por ligar direto para o telefone da família.

Caixa postal.

Só podia ser brincadeira.

Deixei um recado para eles, e em seguida mandei algumas mensagens no WhatsApp. Eu já havia feito uma pequena descrição minha nas notas, então copiei e enviei. Não pude mentir dizendo que essa não seria a minha primeira experiência com trabalho, até porque se eu mentisse estaria bem na cara que eu não levava jeito pra nada. Como não obtive respostas nos cinco minutos que se passaram, eu resolvi voltar pra casa.

Como de costume, me perdi pelo menos duas vezes andando no metrô. Eu nunca me acostumaria com esse transporte nojento e lotado de pessoas suando e desesperadas por um lugar, empurrando tudo e todos. Eu podia ser arrogante, mas pelo menos tinha uma boa educação.

Saindo do metrô, eram uns quinze minutos andando até meu apartamento. E era nessas horas que eu me questionava se precisava sempre sair com um salto alto, porque além de cansar meus pés, ainda me fazia tropeçar nos buracos que tinha nas calçadas. Eu simplesmente odiava o nível decadente em que eu estava. Parecia um pesadelo.

Quando cheguei em casa, imediatamente me joguei no sofá e tirei os saltos, os atirando para qualquer canto daquela sala minúscula. Eu sabia que se não prestasse muita atenção, a qualquer momento iria tropeçar neles. Fiquei um tempo toda estirada e com a cabeça deitada no braço do sofá. Eu encarava a hélice do ventilador em cima da minha cabeça girando, e sentia a falta da minha mordomia. Eu nunca me senti tão cansada assim, meu único cansaço antes era por ter treinado muito no tênis, ou por ter nadado muito na piscina de casa. Sentia falta do meu motorista e da minha doce empregada, Mary, para me trazer água e sempre estar comigo. Aquela mulher era quase que uma mãe pra mim, tinha horas que era até muito mais mãe do que a minha própria mãe de sangue. Sinto realmente muita falta dela.

Viro o corpo para o lado e apoio minha cabeça em meu braço, eu pretendia tirar um cochilo. Mas antes de realizar minha única vontade, meu celular apita. Desbloqueio a tela e posso ver que tinha a resposta da família que procurava por uma babá. Abri a mensagem e li que eles queriam fazer uma entrevista comigo, me conhecer melhor e ver se eu estava apta. A entrevista aconteceria na manhã seguinte, às 10h. Tinha todas as informações ali, a hora, o endereço e também tinha o nome pelo qual eu deveria procurar: Christopher Velez.

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