Capítulo 3: Phi-Nong

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Ohm levantou se sentindo um caco perdido e ignorado. A semana havia sido bastante exigente e ele só pensava em se mimar para esquecer os dilemas existenciais por alguns instantes. Então, como isso incluía tomar café da manhã fora, ele decidiu se precaver colocando óculos escuros.

O rapaz lembrava de ter visto em algum filme ou desenho animado que os heróis usavam óculos para se proteger do efeito petrificante que a Medusa provocava. E, sendo sincero, era isso que parecia acontecer com algumas pessoas que ele encarava por muito tempo como a atendente da loja de bubble tea, o bibliotecário, a moça que entregou a pizza, o entregador que trouxe a encomenda que ele fez pela internet e outra dezena de pessoas que ele encontrou naquela semana. Se sentia completamente esgotado e confuso, porque não estava acostumado a receber tanta atenção assim.

Ohm gostava de tomar o café da manhã na lanchonete perto do dormitório estudantil porque lá serviam o melhor cupcake que ele já havia experimentado na vida. Era de limão, mas não do tipo comum: o recheio era impossivelmente azedo e a cobertura exuberantemente doce. Para aproveitar a plenitude do seu sabor, era preciso provar os dois lados de uma só vez e o que se conseguia era uma explosão de sensações dentro da boca. Achava curioso como aquela mistura improvável ficava bem com chá gelado e, justamente por ser uma carga de açúcar alta demais, ele preferia deixar este cardápio para dias especiais em que estivesse se sentindo pra baixo ou aos finais de semana. Por acaso, era sábado de manhã e ele estava super estressado.

Aparentemente o seu plano de usar óculos escuros não deu certo porque a moça que pegou seu pedido deu a ele o mesmo olhar vazio ao qual ele estava quase se acostumando. Então, decidiu tirar os óculos porque não fazia sentido mesmo usá-los num dia tão nublado. Não havia olhado a previsão do tempo e esquecera o telefone no dormitório, mas tudo indicava que choveria. Não precisava ser meteorologista ou vidente para estimar algo assim.

Enquanto saboreava o seu doce favorito, observava a paisagem da janela que mostrava uma parte da entrada do Campus da Universidade. Contudo, seus pensamentos que começavam a se tornar alegres e otimistas por influência da guloseima que provava, foram interrompidos por algo que parecia uma discussão ali perto.

─ P', eu disse alguma coisa sobre problema psicomotor porque quando te encontrei naquela manhã você mal conseguia ficar de pé de tão bêbado!

─ Desde quando isso é problema seu, Sammy? Eu tenho idade e direito a me divertir de vez em quando, você não acha?

─ Isso é uma pergunta? Porque eu posso dar uma resposta, P'Kao!

A última parte atraiu a atenção de Ohm e ele percebeu que duas mesas à frente estavam sentados P'Kao e P'Sammy tomando café. Ela falava do seu modo expansivo e ele parecia se encolher querendo desaparecer da frente dela. "Mais ou menos parecido com quando eu resolvo sair com o Earth.", Ohm pensou.

Pelo que eles falavam, P'Kao, o professor assistente, havia faltado à última aula por estar muito bêbado! Algo totalmente impensável, se você levar em consideração a aparência dele que é sempre impecável e muito fria. Inclusive, não entendia como o Earth podia ter crush nele, porque eram extremamente diferentes. Enquanto completava o final do raciocínio, lembrou do cupcake à sua frente e deu razão ao amigo. "Touché, Earth!"

E, como se tivesse sido invocado pelos pensamentos a seu respeito, Earth brotou ali dentro da lanchonete, mas não parecia nada satisfeito. Seus passos até a mesa de P'Kao pareciam uma marcha rigorosa e como sua concentração parecia focada nele, evitou olhar para qualquer outro lugar, não percebendo que Ohm também estava ali.

─ Nong Earth ka! Que surpresa te ver por aqui! Tudo bem contigo? Parece meio alterado, seu rosto tá tããão vermelho! ─ P'Sammy tentou interagir com o baixinho, não percebendo que ela também era ignorada pelo radar de Earth.

─ Está aqui a chave da sua moto, como prometido. Espero que se dane! ─ Earth disse sem qualquer formalidade, sem usar qualquer honorífico e sendo extremamente escandaloso na última parte ao colocar ambas as mãos em lados opostos da cintura fina, atraindo atenção dos demais clientes que ali se encontravam naquele momento.

Ohm assistia à cena assustado e a cada palavra do amigo, mais seu queixo caía em descrença. Já tinha visto Earth bravo, afinal, eram amigos desde o Ensino Médio, mas a cena que acabava de testemunhar ultrapassava qualquer limite que poderia imaginar! Além de tudo, P'Kao era realmente responsável pelas suas notas! Então, o que o Earth estava pensando?!

Earth não deu tempo a ninguém para reagir ao seu comportamento: P'Sammy estava tão assombrada quanto Ohm, as outras pessoas voltaram às suas ações normais depois de superado o choque com a cena e P'Kao parecia... preocupado? Não condizia com o que havia acabado de acontecer, mas o seu comportamento e expressões indicavam que ele estava prestes a sair dali e ir atrás de Earth. Com receio de que isso pudesse realmente acontecer e prejudicar seu amigo, Ohm resolveu se mover e fazer algo.

─ Sawasdee krup, P'Kao, P'Sammy! Gostaria de pedir desculpas pelo meu amigo que acabou de sair daqui. Não sei o que aconteceu, mas tenho certeza que algo sério deve ter perturbado o Earth para que ele aja assim. Não é do costume dele ser rude, por mais que goste de falar tudo que pensa. Então, por favor, não o culpem pelo que houve. De verdade, desculpas krup. ─ Ohm disse se curvando e fazendo wai sempre, mentalmente implorando para que os sêniores não levassem a mal o surto aleatório de Earth.

─ Nong... Qual o seu nome? É amigo do Earth krup? ─ P'Kao perguntou interessado pela primeira vez no rapaz à sua frente. Até então, ele olhava pela janela da lanchonete como se tentasse imaginar qual caminho Earth havia seguido após sair dali.

─ Ohm krup! Sim, sou amigo do Earth e estamos no segundo ano de Engenharia Química krup! ─ Ele disse esperançoso de que P'Kao não levasse a coisa toda muito a sério.

─ Isso é ótimo! ─ P'Kao disse num tom repentinamente alegre que acompanhou o sorriso de Cheshire em que se moldava seu rosto. Ele parecia mais lindo do que nunca e bastante assustador também!

E foi assim que Ohm se viu obrigado a estar diante daquela porta do dormitório número 803 na noite de sábado.

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