Tempo

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Sejamos incontroláveis então... e que a gente não desista porque ninguém acredita.
— Machado de Assis

Já passavam das três da manhã, e eu ainda estava acordada, sentada na varanda do apartamento com um papel e uma caneta nas mãos, tentando escrever algo que fizesse sentido. O céu estava escuro e silencioso, e a cidade parecia adormecida. No entanto, dentro de mim, tudo era ruído e movimento, como se uma tempestade não quisesse cessar.

Era para ser uma noite tranquila, já que Caroline não estava em casa, e eu estava sozinha. Mas, no silêncio, era como se a voz dela continuasse a ecoar na minha cabeça, cada palavra, cada riso, cada sussurro. Mesmo com a ausência dela, eu a sentia intensamente, o suficiente para preencher o espaço vazio ao meu redor. Eu ansiava pela presença dela, pelo toque, pelo calor de seu corpo contra o meu. Porém, junto desse desejo, havia algo em mim que insistia para que eu a pensasse ainda mais naquela noite — algo que me dizia que eu precisava fazer isso. Talvez fosse a certeza que, depois de meses lutando para entender tudo, eu finalmente compreendia.

Por fim, cheguei à conclusão de que era algo necessário, não apenas por ela, mas também por mim. E, embora quisesse muito que a presença dela fosse constante, percebi que, talvez, o mínimo que eu pudesse fazer antes de ir fosse deixá-la com essas palavras. Eu sabia que ela precisava de tempo, e eu estava disposta a dar isso a ela, por mais que o meu coração quisesse outra coisa.

Caroline foi, para mim, um sonho que se tornou realidade. Nunca vou me esquecer de como me senti sortuda desde a primeira vez em que nos falamos, como se o universo tivesse me presenteado com algo precioso demais. A imagem dela, seu sorriso, o jeito como me olhava... Tudo isso parecia gravado em mim de uma forma que eu não conseguia apagar, nem mesmo se quisesse. E, por mais que eu tentasse esconder, a verdade era que essa lembrança me acompanhava em cada segundo.

Enquanto escrevia, percebi que era como se estivéssemos começando tudo de novo, e, por um instante, eu sentia as batidas do meu coração acelerarem, como naquela primeira vez em que percebi que ela tinha mudado tudo. Ela me fez enxergar um futuro que eu nem sabia querer, um futuro que eu passei a desejar ao lado dela. Mas agora, eu entendia que, para construir esse futuro, precisava primeiro dar o tempo que ela me pediu.

Suspirei, deixando a caneta descansar sobre o papel. Era difícil escrever sem pensar em tudo o que fomos e ainda poderíamos ser. Mas ali, sob o céu noturno, eu sabia que, se realmente amava Caroline, daria a ela o espaço necessário, a liberdade de que ela precisava para também se reencontrar.

— Eu te darei o tempo que precisar, Caroline — murmurei para mim mesma, como uma promessa, olhando para o céu, desejando que ela soubesse disso de alguma forma.

E com o coração dividido entre o desejo de ficar e a vontade de deixá-la livre, me permiti viver esse momento de despedida silenciosa, sabendo que, se fosse para acontecer, nos encontraríamos de novo.

Carta para Caroline.

Querida Caroline, antes que o ônibus parta, eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas que não se dizem costumeiramente, sabe. Dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam entaladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas, nem como serão ouvidas. Consegue me compreender? Olha, falta muito pouco tempo,  se eu não te disser agora talvez isso mude totalmente o roteiro de nossas decisões.

Eu estou partindo antes do amanhecer,  eu juro, não é uma escolha de fuga, não é nada disso que pensa. Eu estou indo, preciso ficar um tempo fora, dar um tempo pra nós. Eu quero que tudo o que sentimos dê certo, e para isso precisamos entender tudo o que está dentro de nossos corações.

E não, eu não quero que me entenda mal! Falo do mais fundo sentimento que está começando a existir em você, em mim, em todos esses objetos a nossa volta. Também sei que existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense. Eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, é verdade que eu soube que existe uma outra coisa além das nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você. E mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, e de nós. 

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