Fantasmas do passado

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"Os laços de amizade são mais estreitos dos que os de sangue e da família."
Giovanni Boccaccio


Kakashi

Iruka havia voltado. Mentiria se falasse que não se surpreendeu quando notou o homem de altura mediana parado em frente a sua propriedade, os cabelos castanhos estavam maiores do que se recordava e seu rosto menos rechonchudo, mas de resto era o mesmo homem que partiu de Londres há seis anos. Tragou o charuto lentamente enquanto seus pensamentos novamente se distanciavam da realidade — odiava esse vício, porém não sabia como se livrar dele. Fumou pela primeira vez três dias depois da morte de sua esposa, quando com os dedos trêmulos segurou o artigo de luxo e o acendeu.

Logo voltou a pensar no Umino, de certa forma estava abalado pela presença dele; era a primeira pessoa inesperada que via desde muito tempo. Há alguns meses dispensou todos os funcionários da família, mantendo apenas um jardineiro para cuidar das roseiras, pois estas eram a parte da casa que Rin mais gostava e alguém para lhe trazer mantimentos periodicamente. Sabia que era errado agir dessa forma, mas não está pronto para voltar à normalidade.

Iruka sempre foi um bom amigo, partilhou com o homem bons momentos de sua vida e péssimos também, foi ele quem esteve ao seu lado quando Sakumo partiu — mesmo sendo mais jovem, Iruka sempre teve uma maturidade emocional invejável. E a mãe do Umino era praticamente a sua, a senhora Kohari foi a única presença maternal durante seu crescimento já que sua mãe faleceu durante seu parto. Quando parava para refletir sobre, sempre chegava à mesma conclusão: o homem era o mais perto de família que tinha no momento, o único que restou e temia que caso ele volte, tenha o mesmo fim dos outros.

Tossiu quando sentiu a fumaça adentrar em seus pulmões e isso foi o bastante para que ele apagasse o charuto, realmente detestava a sensação. Suspirou cansado, não fisicamente, pois eram poucas as coisas que fazia durante o dia, mas sim mentalmente; era exaustiva sua rotina de sempre torturar-se com os mesmos pensamentos, as mesmas dores de lembranças do passado e temores para o futuro.

Perdeu a esposa de forma cruel, foram longos anos assistindo à mulher outrora alegre perder o brilho no olhar enquanto seu corpo ficava mais cansado. Nenhum médico sabia dizer qual a doença que havia acometido ela, somente que não havia como a curar, ou seja, restava a ele apenas assistir lentamente à morte dela. E em uma chuvosa noite de setembro — um dia antes de seu aniversário — ela finalmente descansou. Preferia acreditar que a morte foi gentil com ela e simplesmente a levou, sem a fazer sofrer.

Seus sentimentos pela mulher eram, de certa forma, verdadeiros, sentia um carinho enorme por ela e sempre tentou ser o melhor marido, mesmo que seu matrimônio tenha sido um simples jogo de poderes entre famílias. Era cruel pensar dessa forma, mas jamais se apaixonou por Rin, passou a gostar de sua companhia com o tempo, porém não era apaixonado. E ela sabia disso, sempre foi claro sobre o que sentia.

Essa era a culpa que carregava, o sentimento que embebia o seu coração na mais escura das trevas. Se tivesse sido um homem melhor para a mulher, talvez ela pudesse ter tido uma vida mais feliz, se tivesse a amado como era merecido — e esperado — talvez agora não tivesse tanta culpa para lidar. Sempre ouviu os sonhos dela de gerar um filho seu, porém demorou demais para acatar a ideia e com o passar dos anos soube que seria impossível.

~

Encarava com desinteresse o homem que insistia em puxar assunto, o Hatake desejava unicamente trancar-se em sua casa enquanto o jardineiro, Maito Gai, fazia o que pago para fazer. Gai era um bom funcionário, jamais o importunava com as questões que todos falavam: como estava a vida ou se desejava casar-se novamente, ele simplesmente falava sobre trivialidades. E, além de funcionário, era seu amigo íntimo; o conhecia das aventuras pelas ruas de Londres — aquelas que Sakumo sempre fingiu não ter ciência.

Devir - KakaIru!AUOnde histórias criam vida. Descubra agora