P R Ó L O G O

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Calum odiava segundas-feiras.

O suspiro preguiçoso que o moreno soltou ao ouvir o celular despertando ao seu lado entregava isso. Ele se sentou na cama de casal e olhou para o espelho em sua frente, piscando algumas vezes para se acostumar com a claridade que começava a invadir seu quarto.

Encarou seu reflexo, se perguntando se havia mesmo sido uma boa ideia se encontrar com Ashton, Luke e Michael na noite anterior, em sua lanchonete favorita. Calum tentou os convencer de ficar em casa aquele dia, mas os argumentos de Clifford foram ainda mais persuasivos que os dele, fazendo com que em menos de vinte minutos ele bebesse cervejas com os amigos e discutisse uma teoria qualquer que Luke havia lido, mas isso foi antes que as notícias se espalhassem pelo local.

A expressão de desgosto de Calum ao ouvir o nome de Safira Cohen foi cômica para os três outros jovens sentados na mesa, não era segredo para ninguém que hora ou outra os dois trocavam farpas entre si, competindo um com o outro desde que se entendiam por gente. Por algum motivo que não era do interesse de Hood, Safira havia deixado a pacata vida no interior cerca de três anos atrás, assim que se formaram no ensino médio.

Todavia, isso não vem ao caso. Tudo que Calum sabia era que provavelmente passaria a vê-la todos os dias já que, talvez por conta de uma brincadeira do universo, ele trabalhasse junto com George Cohen — o pai de Safira — em sua fazenda, local onde toda a competição havia começado e, por ironia do destino, onde ele havia crescido. Cohen até podia acreditar que a vida no interior fosse monótona e nem um pouco suficiente para satisfazer seus desejos mais profundos, mas Hood discordava disso e, caso fizessem uma aposta como sempre acabavam fazendo, ele com certeza daria um jeito de provar que a jovem estava errada.

Life In The Fast Lane do Eagles tocava alto no fone de ouvido do moreno, ele cantarolava a letra baixo enquanto caminhava no grande quintal da casa que trabalhava com uma cesta de ovos na mão. Tentava ignorar Frederick, o garoto de cerca de onze anos que caminhava ao seu lado explicando-o porquê Pikachu comum não era a melhor de suas cartas em seu baralho — ou o que diabos sua coleção de cartas de Pokémon fossem.

– E por isso o Pikachu Illustrator é uma das cartas mais raras que tem! – O garoto concluiu. – Você me escutou?

– Oi? Ah, claro. – Calum assentiu, mentindo. – Faz sentido.

– Safira está certa quando diz que você é um péssimo mentiroso. – Alfinetou o garoto, abrindo a porta da cozinha enquanto via Hood piscar sem acreditar no que ele havia dito. – Trouxemos os ovos!

– Bom dia para vocês também. – George sorriu, pegando a cesta de Calum e colocando em sua mesa. – Fred, vai acordar sua irmã.

– Ok, depois eu volto Calum. – O garoto acenou, correndo para fora da cozinha.

– Desculpe por Fred, ele está um pouco empolgado já que Safira voltou para a cidade. – O homem comentou, terminando de organizar os talheres que usariam no café da manhã. – Acordou cinco da manhã e não quis dormir mais.

– Está tudo bem, ele é uma boa companhia. – Calum se sentou na mesa. – Vai ficar para o café hoje?

– Preciso resolver algumas coisas no mercado da cidade, então você vai ser o responsável novamente. – Hood assentiu ao ouvir aquilo. – Devo chegar no horário de sempre, se puder avisar Safira.

– Sem problemas. – Pegou uma fatia de pão e a geleia caseira, preparando seu café. – Tenha um bom dia, senhor Cohen.

– Você também, Calum. – O homem acenou, passando pela mesma porta que o moreno havia entrado antes deixando-o sozinho na cozinha.

Aquela era uma das únicas vezes no dia em que Hood tinha um tempo para ficar sozinho, o silêncio parecia ser seu melhor amigo na maior parte do tempo e ele não podia negar que gostava da companhia do mesmo, mas isso não durou muito.

– Você sabe que eu odeio que me acordem. – A garota descia as escadas atrás de Frederick. – São sete e meia da manhã, onde o papai está?

– Na cozinha. – Calum ouviu a voz do garoto. – Ele estava conversando com o Calum.

O silêncio que acompanhou as palavras fez o mais velho segurar a risada, ele sabia que seria uma péssima surpresa para Safira. Como previsto, a garota entrou na cozinha em silêncio, sentando-se em sua frente enquanto o encarava, tudo que ele fez foi tomar um gole de seu café, esperando com que ela soltasse qualquer insulto em sua direção, mas ela permaneceu calada.

Hood não podia negar que ela estava bonita, mesmo que o cabelo desgrenhado e a cara inchada de sono escondesse alguns de seus traços marcantes. Os lábios rosados estavam pressionados um no outro, os braços cruzados um pouco abaixo dos seios e as unhas longas apertando os braços em estresse. Ele coçou a garganta, desviando os olhos do torço da garota e, copiando seus movimentos, a encarou.

– Bom dia. – Ele sorriu irônico, deixando a xícara de café na mesa. – Se lembrou que sua família existe?

– Diferente de você, pessoas com intelecto fazem faculdade. – Revirou os olhos. – O que você está fazendo aqui?

– Não sei como você não percebeu, gênia. – Ironizou. – Eu trabalho aqui, ajudo seu pai a cuidar da fazenda.

– Oh, então você é meu empregado? – Rebateu, pegando o pão.

– Seu responsável, melhor dizendo. – O mais alto deu de ombros, se levantando e colocando o prato dentro da pia. – E se não acredita em mim, pergunte ao seu pai, ele levou o celular para o mercado e só volta depois que escurecer.

– Ótimo, além de voltar para essa cidadezinha estúpida ainda tenho que aturar você o dia inteiro. – Resmungou. – O universo não tinha como me castigar ainda mais.

– A cidade tem muito mais coisas do que você acha. – Calum comentou, lavando as mãos. – Não é só o fundo do seu quintal.

– Sério mesmo, Hood? Eu nem imaginava. – Safira se levantou, tirando o celular do bolso. – Só você para aguentar passar a vida aqui e não ter um pingo de curiosidade para conhecer o mundo lá fora.

– Olha, gênia, se você parasse de acreditar que só vai encontrar felicidade ou que todos os seus problemas vão desaparecer deixando a cidade para trás, você aprenderia a gostar do lugar que nasceu. – Ele foi direto ao ponto, vendo Cohen franzir o cenho em sua direção. – Se me der licença, preciso dar comida aos cavalos.

Calum caminhou em direção a porta, sentindo o olhar de Safira o acompanhar. Ele sabia que havia cutucado uma ferida que a jovem evitava comentar sobre, talvez tivesse sido um pouco duro demais, mas sabia que ela não deixaria barato.

– Vamos apostar então. – Ouviu a voz da mesma. – Você me prova que a cidade é muito mais do que eu acho que é e eu faço o que você quiser, se você não conseguir então eu decido sua prenda.

– Por que não decide agora? – Ele se virou para ela, que apenas deu um sorriso de lado.

– Acredite, vou ter tempo o suficiente para pensar no que quero que faça para mim.

Twin Flames | CTH Where stories live. Discover now