• SEMPRE TENHA UM PLANO | PARTE I • [cap. 14]

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Passo os dias deitada sobre essa cama pequena, sentindo o calor me consumir como punição. Tento conciliar a ideia de ter um pai morto com o sentimento que carrego. Culpa rasga por dentro fazendo sangrar todo pensamento que um dia eu tive. Todo ódio e rancor que destilei depois de uma mão queimada e um braço machucado. Todo desespero que eu sentia ao correr atrás de sua atenção, de seu amor. Hoje, não tenho nada, apenas o alívio de sua morte e a penitência por ter tido como pai um homem como Leonel De Santis.

Minha recuperação é lenta. Não estou mais com febre. As contusões e arranhados se foram. Não sinto nada. Mas o peso da minha consciência ainda me mantém aqui. Eu deveria me sentir assim? Padre Alfredo sempre discursou sobre a importância da família, de um pai que cuida e sustenta. E para aqueles que causam dor, o perdão. Tantas vezes eu rezei. Tantas vezes eu pequei. Em minhas orações, eu pedia seu perdão, sua orientação, uma forma de não contradizê-lo, de agradá-lo. Porém, nos últimos meses, a única coisa que pedia era uma saída. E se sua morte a fosse, que assim seja.

O que isso diz sobre mim?

Os dias que passo no quarto me mantem longe de outro pensamento. Vincenzo.

Não o vejo desde o dia em que dormi em seus braços, depois de tudo o que me contou. Nem ao menos consigo o culpar por isso. Leonel mereceu. Por tudo o que fez com ele, por tudo o que fez com Dante e Serena. Sussurros e suspeitas já foram levantados contra meu pai. A ideia de que ele matou o próprio irmão nunca foi aceitável para mim. No fundo, porém, sabia que era possível, sabia que ele era capaz. Depois do dia em que ouvi Guido falando sobre Papa querer a morte de Enzo. Após saber que Vincenzo o tinha matado. Eu não tenho mais dúvidas do que havia acontecido no passado. E o que posso dizer a Vincenzo por matar o homem que matou seu pai e roubou sua vida? Nada.

O que me corrói e me faz sentir ainda mais culpada, é cogitar a ideia de que Vincenzo poderia ter o feito antes, mas não o fez. Nem por mim.

— Luna?

Gianne está à minha frente, sentada em uma das cadeiras de madeira, na mesa da cozinha. Ela está mais uma vez comigo. Sua roupa simples e o cigarro que traga me contam uma história nova. Ela está preocupada, tanto quanto eu, mas por motivos diferentes. Motivos que não conheço.

— Escutou o que eu disse?

Não a ouvi, então nego. Desde o dia que acordei aqui, em uma das "casas" de Pietro, estou assim, aérea, estranha.

— Vincenzo andou perguntando sobre você, de novo.

— Certo.

Não sei o que ela espera que eu diga, mas com certeza sei que não posso dar essa resposta agora.

— Tem certeza que não quer o ver? – ela traga o cigarro de canela outra vez.

Gianne não pareceu surpresa quando eu disse que precisava ficar sozinha esses dias. E com isso, eu quis dizer Vincenzo. Não consigo o ver ainda. Ele provavelmente acha que é por ter matado meu pai. Mas a razão é ainda pior, algo que não posso explicar, nem pra ele.

— Tenho – minha voz treme no final.

Minha amiga então estende sua mão e cobre a minha, sobre a mesa. A cozinha também é pequena, não há muito espaço aqui, apenas para uma mesa quadrada velha, uma pia de granito desgastada e uma geladeira vermelha.

— Eu estou aqui também, Luna. Se você precisar conversar ou qualquer coisa assim, estou aqui.

Aceno, ainda com um pouco de vergonha por tudo o que contei a ela. Finalmente disse o que aconteceu na Mansão, nos dias que Leonel me manteve trancada. Gianne não me julgou ou mesmo disse algo enquanto eu contava. Seus olhos estavam fixos na parede branca atrás de mim, quando terminei de falar. Ela então abaixou a cabeça, por um segundo, e quando me olhou havia tanta raiva.

HEREDITÁRIO • Série Mulheres da MáfiaTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang