Capítulo 1

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– Senhor Wellsmeyer, chegamos. – O cocheiro disse ao segurar as rédeas doscavalos. Soltei um baixo suspiro de alívio.

As viagens nessa época eram muito longas. Eu passava semanas e até meses em um navio com desconhecidos mal cheirosos. Na modernidade é tudo diferente, as pessoas embarcam em aviões, jatinhos ou helicópteros e logo chegam aos seus destinos, sem muito drama ou estresse.

– Obrigado, meu caro. – Estendi algumas moedas de ouro a ele e me preparei para descer.

– Senhor, espere! Antes que eu me esqueça, o rei Henry pediu para lhe avisar que deve receber a convidada especial assim que ela chegar. – O homem disse, entediado, enquanto mordia as moedas para ter certeza de que eram verdadeiras. Revirei meus olhos.

– Isso não faz parte das minhas funções, mas como sou um bom amigo e levo meu cargo a sério, suponho que devo fazer esse pequeno favor ao rei. Obrigado por me avisar. – Respondi com excesso de sarcasmo em minha voz antes de descer da carruagem segurando minha maleta na mão direita

Estava cansado, precisava de um banho, uma ou duas taças de vinho e uma esplêndida companhia. Talvez Karina, a camareira? Ela sempre se inclina mais do que o necessário ao me servir chá e dá aquela piscadinha maliciosa. Ou talvez Elliot, o mordomo que gosta de ser cumprimentado por mim com um beijo no dorso da mão. Com essa ideia em mente, logo me dirigi em direção ao castelo Beaufort. Eu sempre chegava pelos fundos, não por exigência do rei, mas porque gostava de caminhar pelo pomar. Estar rodeado por árvores era algo que sempre gostei.

Ao me aproximar, notei uma estranha movimentação perto da pitangueira carregada. Franzi levemente meu cenho. Uma empregada colhendo frutas a essa hora? Um jardineiro cuidando de possíveis vermes gulosos? Não, era uma mulher trajando um longo vestido azul claro, com a cintura bem marcada pelo espartilho que provavelmente usava. Seus longos cabelos loiros estavam presos em um penteado elaborado e com alguns enfeites que reluziam diante do brilho da lua.

Depois de a observar por alguns segundos, decidi ir até ela e descobrir o que fazia a essa hora.

– Com fome? – Perguntei de maneira irônica e a olhei de lado. Ela se assustou um pouco ao ouvir a minha voz e reprimiu um gritinho com a mão antes de olhar para mim.

Nesse momento, perdi o ar. Seus olhos eram de um azul semelhante ao de seu vestido, mas eram afiados como adagas.

– Na verdade sim. E eu sei que o rei odeia pitangas, então ele não vai sentir falta delas. Aceita uma, homem desconhecido que parece que não toma banho a semanas? – Ela disse sem nenhum pudor ao estender um punhado das frutinhas em minha direção.

– Não, eu também odeio pitangas, senhorita que está com os cantos da boca sujos como uma criança. – Respondi com um sorriso irônico e ela revirou os olhos.

– Não sabe o que está perdendo, pitangas são muito nutritivas apesar do tamanho. Mas tudo bem, sobram mais para mim. – Ela deu de ombros.

– Posso saber quem é você e o que faz aqui? Senão vou supor que é uma ladra e chamar os guardas. – Arqueei as sobrancelhas e ela deu risada. Ela riu de mim? Que belo sorriso, que som agradável, mas eu era o alvo de sua piada?

– Posso garantir que se eu fosse uma ladra, senhor, não teria perdido tempo falando com você. Teria logo lhe dado um chute bem no meio das pernas e corrido. Além disso... Eu pareço uma ladra? – Ela arqueou as sobrancelhas e cruzou os braços.

– Quer mesmo que eu responda? – Falei com um sorrisinho debochado. Ela era absurdamente irritada, e eu não sabia o motivo. – Eu não costumo julgar as pessoas pela aparência.

– Não é o que parece. – Retrucou a loira enquanto limpava a boca com a manga do vestido, como se ele fosse um mero guardanapo e não um traje de gala. – Agora tenho que ir, até nunca mais, senhor sujo. – Ela fez uma reverência debochada e começou a andar. Logo acelerei o passo para andar ao seu lado.

– Olha aqui, a senhorita não frequentou uma escola de boas maneiras? – Ela novamente riu.

– Nunca tive dinheiro para tal luxo, mas posso te garantir que sei me comportar muito bem. Apenas não gosto de conversar com estranhos intrometidos. – Disse ela, me olhando de canto.

– E eu não gosto de conversar com damas rudes. – Arqueei minhas sobrancelhas, me sentindo um pouco vitorioso por poder reutilizar sua própria frase a meu favor.

– Então por que ainda estamos conversando? – Ela indagou.

Parei e a observei entrar no castelo, indignado comigo mesmo por não ter conseguido responder a uma pergunta que parecia tão simples, e intrigado com ela por fazer tal questionamento. Balancei a cabeça e apertei o passo para alcançá-la. Assim que chegamos ao hall, paramos juntos na frente da sala de visitas e nos entreolhamos.

– Pode fazer as honras de abrir a porta. – Falei, irônico.

– Achei que você iria abri-la, afinal é tão educado. – Ela retrucou com o dobro de ironia e me deu um sorrisinho falso antes de empurrar as portas duplas para entrarmos.

O rei Henry Beaufort estava sentado na poltrona, e assim que ouviu o barulho, se levantou com um enorme sorriso e com os braços abertos.

– Rupert! Finalmente chegou. Como foi com os ingleses? Bem? – Ele perguntou enquanto apertava e sacudia minha mão. Parecia um pouco alterado pelo álcool por causa de sua empolgação e pelo leve hálito que escapava junto com suas palavras.

– Foi tudo ótimo, lhe darei mais detalhes depois. – Respondi com um leve sorriso e olhei de relance para a dama, que parecia entediada e ao mesmo tempo calma. Sua elegância disfarçava qualquer sinal de impaciência.

– Claro, claro. Ah, querida Annabeth, fico tão feliz em recebê-la. – Henry disse enquanto dava um beijo demorado no dorso da mão da loira.

Annabeth? Um nome não tão comum mas ao mesmo tempo não tão estranho. Exalava força, e ao mesmo tempo graça... Fiquei alguns segundos analisando as controvérsias do nome até chegar à conclusão de que combinava perfeitamente com ela. Me pergunto se ela fez o mesmo ao ouvir o meu nome.

– E eu fiquei mais feliz ainda com o seu convite, majestade. – Ela respondeu com um sorriso educado enquanto fez uma reverência.

Logo após, Henry olhou entre nós dois e fez uma expressão de surpresa.

– Oh, que falta de modos os meus! Permitam-me apresentá-los. – Ele exclamou e parou entre nós, deixando um braço ao redor dos ombros de Annabeth e o outro ao redor dos meus, quase unindo nós três em um abraço esquisito.

– Rupert, esta é Annabeth Eleonora Goodwin, a mais forte candidata para se tornar o novo membro do Conselho Real. Annabeth, este é Rupert Covington Wellsmeyer, o conselheiro chefe e representante de Montecarlo no exterior. – O rei disse e nos empurrou sutilmente para que nos cumprimentássemos de maneira adequada.

Acho que tanto eu quanto Annabeth ficamos chocados ao ouvir os títulos um do outro. Ela, por saber que eu era seu superior, e eu, por saber que ela poderia se tornar minha colega de trabalho.

– Então ela pode substituir o Carpenter? – Perguntei, por mais que soubesse que a resposta era positiva.

– Sim! Se receber votos suficientes dos outros membros. Não será ótimo? Vocês dois são tão capacitados, aposto que farão grandiosidades juntos. – Henry disse sorridente, enquanto olhava de Annabeth para mim e de mim para Annabeth.

– Será magnífico trabalhar com o senhor, sr. Wellsmeyer. – Ela falou e estendeu a mão. Henry não deve ter notado, mas eu senti o veneno por trás de suas palavras e de seu sorriso.

– Com toda certeza, srta. Goodwin. – Eu respondi e levei meus lábios ao dorso de sua mão.

Assim que me reergui, nossos olhares construíram uma ponte de pedra durante esse breve contato, que foi encerrado quando Henry nos arrastou para nos sentarmos e bebermos champanhe com ele para comemorar, mas nem eu e muito menos Annabeth estávamos em clima de festividade.

Asas Para Voar, Memórias Para ContarWhere stories live. Discover now