Capítulo 3

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Era uma noite fria em Kesignton e eu estava cansado, andando calmamente em direção à escadaria para me atirar na cama e fingir que estou morto. Porém, de repente, ouvi um som. O que era? Um choro baixo, quase escondido, envergonhado... Mas ainda perceptível àqueles que prestam atenção.

Segui o barulho e cheguei à sala de visitas. Fui direto até a sacada, em passos silenciosos, e a imagem diante de mim me deixou em choque.

Annabeth estava sentada na varanda, em prantos. Seu belo vestido vermelho estava amarrotado, seu penteado quase desfeito e a maquiagem borrada escorria por suas bochechas por causa das lágrimas constantes.

Ela não havia notado minha presença ainda, e eu não sabia o que fazer. Poderia fingir que não a vi, poderia dar meia volta e ir embora.

Mas algo me prendeu ali.

Me aproximei com cautela e me encostei no pilar ao lado da porta.

– Noite difícil? – Murmurei. Ela ergueu seu olhar lentamente, e ao me ver, suspirou e deu uma fungada baixa.

– O que acha? – Ela respondeu em um fio de voz e deu uma risada seca quando eu não respondi. – Se você veio aqui para brigar ou rir de mim, por favor poupe o seu tempo e o meu. Não estou no clima para isso. – Continuou a falar enquanto enxugava miseravelmente as bochechas com um lencinho.

– Se você pensa que vou tirar sarro de você por estar chorando, está enganada. Chorar não é sinal de fraqueza, pelo menos não para mim. Afinal... Apenas os corajosos demonstram suas verdadeiras emoções. – Respondi e dei de ombros levemente. Minhas palavras pareceram amolecê-la um pouco, então resolvi me aproximar e me sentar ao seu lado. Ficamos alguns segundos em silêncio.

– Pendragon venceu. – Ela disse de repente, evitando olhar para mim.

– Espera, ele ganhou a votação? Como sabe? Henry disse que...

– Henry me contou logo após a reunião, disse que queria atecipar a notícia para que eu possa fazer as malas ou... – Cortou a frase e balançou a cabeça. – Eu fui uma tola por pensar que um bando de velhos ignorantes aceitaria uma mulher no Conselho Real.

– Ei, eu mando nesses velhos ignorantes, vá com calma. – Brinquei. Sempre lidei melhor com situações quando envolvia meu humor. Ela soltou uma risada baixa, curta, singela... Mas que foi o suficiente para me incentivar a falar mais. – Eu também não entendo porque Pendragon venceu, sendo que o seu projeto, sua apresentação e suas qualificações são muito melhores que as dele. Eu votei em você, meu voto vale mais do que o dos outros, então...

– Votou a meu favor? – Ela disse e rapidamente olhou para mim com um certo brilho no olhar.

– Ora, não aja de maneira tão surpresa assim. Eu pareço um velho ignorante que votaria no sonso do Pendragon? Por favor, esse cara não sabe nem se limpar sozinho. – Eu falei em uma mistura de indignação e deboche, sem medo de parecer vulgar. Para minha surpresa, ela deu uma gargalhada. – Riu de minha piada?

– Ora, não aja de maneira tão surpresa assim. Eu pareço alguém sem senso de humor? – Ela brincou com minhas palavras e isso me fez dar uma leve risada.

Logo depois, a moça soltou um suspiro.

– A verdade é que... Gosto das suas piadas, até das mais podres. – Confessou e deu de ombros. – Seu humor peculiar me agrada e me entretém, Rupert. Por mais que eu odeie dizer isso em voz alta, e ainda mais para você.

– Fico lisonjeado por saber disso, Annabeth. – Respondi e dei um sorriso sincero, que ela retribuiu de bom grado. – Acho que essa é a primeira conversa normal que temos desde que chegou.

– É mesmo! Nossa, por que isso não aconteceu antes? – Ela indagou.

– Quer mesmo que eu responda, senhorita arrogante e mandona? – Falei em tom brincalhão, a provocando.

– Não é necessário, senhor convencido e exibicionista. – Ela retrucou e nós rimos dos adjetivos que escolhemos um para o outro. – Como o destino é engraçado, eu vou partir de volta para Londegrimm e uma noite antes de minha ida, descubro que Rupert Covignton Wellsmeyer não é tão ruim quanto eu pensava. – Disse após um suspiro.

Pensei um pouco no que dizer e então olhei para ela.

– Sabe por que votei em você sem pestanejar? Porque te considero uma mulher inteligente, criativa e dedicada. Merece uma posição alta em qualquer governo, e se aqui não conseguiu, irá conseguir em outro lugar. Mas não desista, por favor. Não desperdice todo o potencial que guarda aí dentro. Vai mesmo deixar um bando de velhos ignorantes decidir o quanto você vale? Você é Annabeth Eleonora Goodwin, pelo amor de Deus! – Exclamei, sem medo algum.

Terminei meu discurso motivacional clichê porém honesto e aguardei sua reação. Ela parecia surpresa e ao mesmo tempo incentivada por minhas palavras. Seu olhar intenso me fez ruborizar, mas o escuro da noite felizmente escondeu isso. Annabeth continuou pensativa, imersa em sua própria mente.

Por trás de seus olhos, eu quase podia ver as engrenagens funcionando.

– Eu tenho uma última carta na manga. Não achei que precisaria ser tão radical, mas... Eu vim de longe, vim com um propósito, e não vou embora daqui de mãos vazias. – Falou com determinação e respirou fundo. – Você tem razão, eu sou muito mais do que isso. Sou mais do que eles. E vou provar isso para todos. – Continuou falando de cabeça erguida, e a chama em seu olhar me assustou um pouco, mas também me fez sorrir.

– Espero que eu possa ver isso de camarote. – Comentei, a observando enquanto ela ajeitava o vestido e o cabelo. Ela riu levemente, com uma pitada de malícia, mas que não estava relacionada a mim.

– Você verá. – Ela disse com uma certeza absurda em seu tom de voz. Se usasse essa maneira de falar para me convencer de que o céu é vermelho, eu acreditaria. – Obrigada, Rupert. Pela conversa e pela trégua. Foi... Inesperado, mas no bom sentido. Boa noite. – Deu um leve sorriso e nem esperou pela minha resposta, apenas sumiu na escuridão da sala.

– Boa noite. – Respondi baixinho, mesmo sabendo que ela não iria ouvir, e encostei minha cabeça contra o pilar.

Fiquei ponderando por tempo indeterminado nosso diálogo, e por algum motivo, estava com medo do que aconteceria nos próximos dias.

O imprevisível sempre me assusta.

Asas Para Voar, Memórias Para ContarWhere stories live. Discover now