Capitulo 11 "NOS OLHOS DO DENONIO"

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Estávamos  a  caminho  da  fazenda  e  na carroça  a  mulher  se  debatia  como  peixe  preso  na tarrafa,  eu  tentava  acalma-la,  mas  ela  não  ficava quieta,  em  meio  a  viagem  ela  caíra  várias  vezes  de cima  da  carroça  e  com  muita  dificuldade  eu  e  Simão sempre  a  colocávamos  de  volta  para  cima,  as  bolas de  ferro  presa  em  suas  pernas  deviam  pesar  umas noventa  libras  cada  uma,  o  peso  era  tão  grande  que pesava  a  carroça  para  baixo,  as  correntes  que  a prendiam  eram  grossas  e  feria  seus  punhos,  os grilhões  de  ferro  enferrujado  da  água  salgada  do  mar já  deteriorava  a  carne  de  seus  braços  e  pernas.  Ela estava  nua,  e  sua  pele  estava  cortada  dos  acoites,  em seu  rosto  estava  preso  um  colar  de  flandres  que  a impedia  de  movimentar a  boca, ela urrava  como um bicho  e  seus  olhos  frisavam  medo  ao  mesmo  tempo que  demostrava  ódio,  sua  pele  estava  suja  de  terra, sangue  e  sal,  suas  feridas  estavam  expostas  e pareciam  estar  inflamadas  cheia  de  cascas  e  pus.  Me sentei  perto  dela  e  fiquei  ao  seu  lado  para  que  ela  não caísse  da  carroça  como  já  havia  feito  em  muitas vezes durante a  viagem.

-  Porque  tu compraste  essa  mulher Anrah?
Perguntou  Simão  enquanto  comandava  a carroça.

-  Não  sei  Simão,  mas  alguma  coisa  nela  me tocou!
Respondi  olhando para  os olhos da  mulher.

-  Deve  ter sido o demônio que  te chamou!
Disse Plinio olhando com medo.

-  Não  existe  demônio  Plinio,  ela  é  só  uma mulher  sofrida  assim  como  qualquer  outro  negro arrancado de  sua  terra  e  traficado para  cá!
Respondi  ao negrinho espoleta.

-  Não  é  isso  que  Josefa  fala,  ela  disse  que  tu falas  com  os  demônios,  pois  tu  ficas  indo  na  senzala velha fazer  feitiço com  os pretos nagôs!
Disse  Plinio  afastando-se  de  mim  e  se encolhendo na  carroça.

-  Josefa  só  fala  asneira  Plinio,  ela  só  disse isso  porque  pensa  ser  branca  de  mais,  sendo  ela  mais preta do que  todos  nós juntos!
Disse  Simão  em um  tom  de  seriedade.

-  O  que  tu  pretendes  fazer  com  essa  mulher Anrah?
Perguntou-me  Simão.

-  Não sei  meu  amigo,  só  sei  que  agora  ela  não vai mais sofrer!
Respondi  a  Simão.

Durante  toda  viagem  eu  não  conseguia  tirar os  olhos  daquela  mulher,  era  como  se  ela  me chamasse  mesmo  sem  abrir  a  boca,  o  olho  negro escuro  como  a  noite  mesmo  com  o  desespero  parecia ser  tão  inocente  quanto  uma criança.
   A  viagem  era  longa  e  pelos  imprevistos ocorridos  no  caminho  chegamos  na  fazenda  já durante  a  noite.  Desci  depressa  da  carroça  e  pedi  a Simão  ajuda  para  levar  a  negra  para  oficina  de ferragem onde  Simão  trabalhava  de  ferreiro.
Simão  era  um  velho  forte,  muito  experiente como  ferreiro,  adorava  cavalos,  e  era  o  responsável pelas  ferramentas  da  fazenda,  ele  cuidava  das carroças  e  dos  demais  transportes  de  Catarina, Simão  aparentava  ter  uns  40  anos,  ele  havia  sido comprado  por  Dom  Carmino  quando  ainda  era moleque  e  como  na  época  Dom  Carmino escravizava  muitos  negros,  Simão  passou  a  vida apanhando  e  sofrendo  até  a  chegada  de  Catarina,  que sempre  foi  dócil  e  amigável  com  os  negros.  Simão era  sempre  muito  sério  e  falava  pouco,  porem  era  um grande  amigo,  os  anos  de  convivência  com  ele  na fazenda  me  ensinaram  muitas  coisas,  assim  como Natanael  também  me  ensinou  muito,  Simão  também era  um  grande  professor.
Pegamos  a  mulher  que  ainda  se  debatia  e  a levamos  para  a  oficina  de  ferragem,  a  todo  momento ela  se  debatia  e  muitas  vezes  tentava  força  contra  nos dois.

O Senhor de EngenhoOnde histórias criam vida. Descubra agora