Estávamos a caminho da fazenda e na carroça a mulher se debatia como peixe preso na tarrafa, eu tentava acalma-la, mas ela não ficava quieta, em meio a viagem ela caíra várias vezes de cima da carroça e com muita dificuldade eu e Simão sempre a colocávamos de volta para cima, as bolas de ferro presa em suas pernas deviam pesar umas noventa libras cada uma, o peso era tão grande que pesava a carroça para baixo, as correntes que a prendiam eram grossas e feria seus punhos, os grilhões de ferro enferrujado da água salgada do mar já deteriorava a carne de seus braços e pernas. Ela estava nua, e sua pele estava cortada dos acoites, em seu rosto estava preso um colar de flandres que a impedia de movimentar a boca, ela urrava como um bicho e seus olhos frisavam medo ao mesmo tempo que demostrava ódio, sua pele estava suja de terra, sangue e sal, suas feridas estavam expostas e pareciam estar inflamadas cheia de cascas e pus. Me sentei perto dela e fiquei ao seu lado para que ela não caísse da carroça como já havia feito em muitas vezes durante a viagem.
- Porque tu compraste essa mulher Anrah?
Perguntou Simão enquanto comandava a carroça.- Não sei Simão, mas alguma coisa nela me tocou!
Respondi olhando para os olhos da mulher.- Deve ter sido o demônio que te chamou!
Disse Plinio olhando com medo.- Não existe demônio Plinio, ela é só uma mulher sofrida assim como qualquer outro negro arrancado de sua terra e traficado para cá!
Respondi ao negrinho espoleta.- Não é isso que Josefa fala, ela disse que tu falas com os demônios, pois tu ficas indo na senzala velha fazer feitiço com os pretos nagôs!
Disse Plinio afastando-se de mim e se encolhendo na carroça.- Josefa só fala asneira Plinio, ela só disse isso porque pensa ser branca de mais, sendo ela mais preta do que todos nós juntos!
Disse Simão em um tom de seriedade.- O que tu pretendes fazer com essa mulher Anrah?
Perguntou-me Simão.- Não sei meu amigo, só sei que agora ela não vai mais sofrer!
Respondi a Simão.Durante toda viagem eu não conseguia tirar os olhos daquela mulher, era como se ela me chamasse mesmo sem abrir a boca, o olho negro escuro como a noite mesmo com o desespero parecia ser tão inocente quanto uma criança.
A viagem era longa e pelos imprevistos ocorridos no caminho chegamos na fazenda já durante a noite. Desci depressa da carroça e pedi a Simão ajuda para levar a negra para oficina de ferragem onde Simão trabalhava de ferreiro.
Simão era um velho forte, muito experiente como ferreiro, adorava cavalos, e era o responsável pelas ferramentas da fazenda, ele cuidava das carroças e dos demais transportes de Catarina, Simão aparentava ter uns 40 anos, ele havia sido comprado por Dom Carmino quando ainda era moleque e como na época Dom Carmino escravizava muitos negros, Simão passou a vida apanhando e sofrendo até a chegada de Catarina, que sempre foi dócil e amigável com os negros. Simão era sempre muito sério e falava pouco, porem era um grande amigo, os anos de convivência com ele na fazenda me ensinaram muitas coisas, assim como Natanael também me ensinou muito, Simão também era um grande professor.
Pegamos a mulher que ainda se debatia e a levamos para a oficina de ferragem, a todo momento ela se debatia e muitas vezes tentava força contra nos dois.
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O Senhor de Engenho
Historical FictionAnrah vive a vida como um verdadeiro senhor de engenho, mas sempre com uma intensa batalha dentro de si mesmo devido ao fato de não aceitar a situação de vida dos negros no Brasil, até que as leis que nos chamam a razão fazem com que sua vida de sen...