10 | Beijos e Vicodin

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O amontoado de olhares furtivos no corredor não assustavam Seth, apenas o irritavam. Desde que a diretora comunicou os alunos que seriam interrogados, lê-se suspeitos oficiais do caso, os burburinhos sobre quem havia sequestrado Nigel haviam aumentado.

Alguns apostam em Lily Ivy, doce, bonita e vingativa ex-namorada do astro do time de basquete. Outros acham que fôra Neil Leminnier e sua prima sociopata que o mataram por diversão. Bem, há aqueles que apostavam suas fichas em Seth Noguchi, calado, retraído e, supostamente, uma necessidade de machucar seu único amigo.

Talvez não só o único.

— Hey, cara. Você não vai acreditar com quem eu estava agora pouco. — Vaughn Cavanaugh disse, passando o braço pelos ombros de Seth. O perfume masculino dele irritava as narinas de Seth.

— Batendo sua enorme testa em um armário?

— Melhor! — Vaughn umedeceu os lábios e parou subitamente no corredor, obrigando o amigo a fazer o mesmo. — Eu estava beijando a porra da Klara!

Seth franziu o nariz e virou o rosto para encarar o amigo. Ergueu as duas sobrancelhas para ele.

— Ah, não me olha assim não, cara! Você sabe que ela é a maior gostosa.

Deixou uma risada frouxa escapar de seus lábios ao retirar os braços de Vaughn dos seus ombros.

— Esse não é o problema, e você sabe. — Seth observou o semblante alegre dele se fechar momentaneamente, mas, tão rápido quanto se foi, voltou.

— Se você se refere a aposta, cara, —

— Não chame isso — gesticulou ao redor. — de aposta. É uma brincadeira idiota que você e os rapazes fizeram colocando as bucetas das garotas em jogo. — Colocou uma mão no bolso direito do blazer, um gesto involuntário que Seth fazia para se assegurar que o maço de cigarros estava lá. Tirou um dos cigarros do pacote e o colocou com destreza nos lábios.

— Seja lá o que você tinha que fazer envolvendo a Klara, eu não ligo. Não, Vaughn, não quero saber se você enfiou seu pau dentro dela ou algo do tipo. — completou, o calando com a mão que agora segurava o isqueiro.

Vaughn levou uma mão para trás da nuca e a esfregou, tentando dissipar o nervosismo de quando se percebe que fez algo errado. Ele limpou a garganta e lambeu os lábios uma, duas vezes antes de tentar mudar o assunto.

— Ei, cara, você não deveria fumar aqui no corredor.

— E você não deveria brincar com o coração da filha da diretora. — abriu um sorriso mínimo. — Touché.

Com isso, Seth acendeu o cigarro e deu as costas para o rapaz, rumando para a diretoria com Vaughn correndo atrás dele.

— Ei, Ei, Seth. Por que está assim?

Seth parou e se virou para ele, expelindo a fumaça do cigarro para o lado.

— Assim como?

— Mais impulsivo que o normal, sabe? — Não entendeu o que o amigo quis dizer, então esperou. — Ah, cara. Eu sei o que você acha, mas ultimamente desde o... Bem, você sabe, você está agindo assim todo estranho e rebelde e... eu não sei, ok?

— Eu estou bem, se é isso que você quer saber.

— Seth, irmão, você transou com a Amber ontem.

— Quem?

— A latina da 204.

Se forçou a lembrar do rosto da menina. Sim, ele sabia que havia transado ontem, e, sim, ele sabia que uma das garotas era a menina de cabelos loiro-acinzentados e pele morena. Mas, qual o nome dela?

— Me lembro um pouco. E daí?

— Ai você transou com a melhor amiga dela, depois deu em cima do Scott da turma de física.

— Sim, ele me ofereceu um baseado e uma cartela de Vicodin—

— Seth, caralho — Vaughn aumentou o tom de voz e o agarrou pelo colarinho da camiseta branca. — Você acha isso normal?

— Ahn, beijar um cara em troca de um baseado e Vicodin?

— Não, cara. Isso não tem nada de errado. O errado é você fazer essas coisas porque tem uma vontade súbita, se agarrar a isso e usar como desculpa para não encarar isso. — Ele se afastou e desenhou um círculo com as mãos, representando o ato de um todo.

— Vaughn, não sei qual o seu problema. Se é pela brincadeira, deixa, não vou contar nada a diretora. Você se vira.

Vaughn deu um passo para frente, repousando as duas mãos nos ombros dele. Seth o encarou nos olhos, um tom de castanho claro que contrastava a pele cor de chocolate.

— Amigo, você não pode transar, se drogar e fazer todas as coisas que você quer agora. Seu amigo desapareceu e eu acho que você não assimilou isso direito, e eu digo isso porque me preocupo com você. Você vai ser chamado em breve para ser interrogado junto com as pessoas que cresceram com você, cara.

Piscou lentamente, duas vezes. Ele prendeu a fumaça o máximo que pôde e a soltou, sentindo a nicotina acalmar as batidas do seu coração.

Seth abriu um sorriso, o olhou em seus olhos e tirou as mãos dele de seus ombros.

Cara, eu estou bem. Eu sempre estive bem e não é um imprevisto que vai me fazer endoidar da cabeça ou algo do tipo. Agora, eu vou indo, tenho que resolver um assunto com uma amiga antes de toda essa palhaçada começar. Sim, Vaughn, eu estou bem. — Seth acrescentou ao ver a cara que o amigo fez.

Ele se virou, ainda com o mesmo sorriso ladino em seu rosto, e acenou para Vaughn, fingindo que, mesmo após terem se distanciado, não ouviu o amigo falar:

— Me pergunto se algum dia você realmente esteve bem deverdade.

***

Não é como se Seth nunca tivesse estado bem. Ele foi, por um tempo, calmo e tranquilo, e sua vida era o sonho de qualquer pessoa. Tinha pais casados com uma relação saudável, uma mãe amorosa, um pai um tanto quanto distante, mas que não altera a visão de figura paterna ideal que Seth possuía. Então, um belo dia, tudo desandou. Perdeu a mãe, o pai e o irmão, lhe restando apenas o dinheiro. Apenas. Dinheiro faria uma criança de oito anos feliz? Dinheiro fazia um adolescente de dezessete anos feliz? Dinheiro compra roupas, alimenta os vícios físicos e os vícios da alma. Em alguns casos, compra até o amor, mesmo que seja o falso. Com dinheiro ou sem, Seth Noguchi nunca conseguia preencher o vazio dentro de si.

Pílulas, pó, cigarros não anestesiavam a dor emocional constante. A insatisfação com a própria vida. A vontade de machucar os outros apenas para sentir algo. A vontade de machucar aqueles que ele ama era tão gritante que ele preferia não fazer nada, apenas os afastar e se engasgar na própria dor. A oscilação constante de humor poderia ser controlada se ele se retraísse, se ficasse calado, independente se isso passava visão de Seth Noguchi ser, na realidade, um egocêntrico frívolo, sem emoções ou vontade de se aproximar de alguém. Seth era alguém tão complexo, tão oscilante entre quem ele realmente é que as pessoas simplesmente não ligavam. Ninguém quer realmente entender o que se passa na cabeça de alguém, principalmente quando você é uma pessoa tão esquiva.

Seth sabia desde os doze anos o que ele era, o que ele tinha, mas se recusava a aceitar. Ele era insatisfeito com tudo, as emoções, o jeito de pensar e o modo de agir, mas sabia que era muito mais do que um rótulo. Não sabia como seria o dia do amanhã, se um dia acordaria feliz e estável ou se acordaria querendo fugir da vida caótica que tinha, querendo fugir de si.

Seth Noguchi realmente era rico, egocêntrico, desinteressado e implicante com aqueles ao seu redor e, agora, escondido entre os espaços vagos dos armários do corredor enquanto segura o mesmo papel que recebeu aos doze anos, ele ainda se recusava a aceitar o fato, compreender de fato o que estava escrito.

Transtorno de Personalidade Limítrofe (Borderline).

Ele era doente. Tinha um transtorno mental,  e não fazia nada a respeito disso.

O Caso GrobmannOnde histórias criam vida. Descubra agora