Final I

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O tempo desacelera de tal forma que é como se ele sequer existisse

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O tempo desacelera de tal forma que é como se ele sequer existisse. A minha frente retribuo o olhar frio e incisivo do anjo caído esculpido em carrara. Ele não o desvia de mim, mal pisca, e sinto que o calor infernal que emana de sua visão desafia-me a puxar o gatilho. 

 Endireito a postura. Ombros retos. Queixo erguido. Se eu tiver que de fato partir esta noite, que seja com o restante da minha integridade, mostrando à Akoman que essa é a minha escolha. Não hesito em encará-lo deliberadamente, pois quero que o próprio diabo saiba que meu último suspiro parte de minha decisão. E apenas minha.

 – Está com medo? – a provocação em seu tom de voz é nítida.

 – Não – respondo, sem saber ao certo qual é a verdade. 

 O fato é, que por muitos anos eu esperei por este momento, onde minha vida enfim estaria na balança e eu tivesse que tomar a decisão de findá-la ou não. Mas agora que o momento chegou, estremeço só de pensar que não há como voltar atrás. Uma linha foi cruzada quando, há alguns minutos, persuadi e obtive êxito em me apossar da arma do homem, que diverte-se abertamente com a perspectiva de um suicídio assistido. 

 Estou muito além do ponto de retorno.

 As lágrimas escorrem livremente pelas minhas bochechas, quebrando em meus lábios como ondas. Elas salgam meu paladar como o mar carioca onde meus pais devem estar nesse exato momento pulando as sete ondas para Iemanjá.Meu peito arde, queima, mas mesmo assim dissipo estes pensamentos em um soluço. Não quero pensar em minha família, retornando em alguns dias e se deparando com o cadáver apodrecido de sua única filha. Não quero sequer cogitar as expressões de angústia da minha mãe enquanto é amparada pelo meu pai, igualmente desconsolado. Mais ainda...

Não quero imaginar como minha vida poderia ter sido ao lado deles se eu não tivesse tomado a série de decisões que me trouxe a este momento.

 Meus lábios tremem, assim como os meus dedos, e é com certa dificuldade que ajusto a pistola e a aponto para a cabeça, colando seu cano em minha têmpora. É impossível descrever a sensação apavorante que me assola, como se todos os meus fluídos corporais, assim como meu sangue, fossem substituídos por um medo visceral, contudo, tento apegar-me a ideia de que tudo terminará em breve. Logo não terei mais o desprazer amargo de sentir que minha vida está perdendo o rumo. Não terei mais que me preocupar com as responsabilidades que não consigo manter por conta da minha ansiedade. Pela primeira vez em vinte e um anos tenho o meu presente e futuro nas mão. Literalmente.

 Meu desejo de Natal está apenas a uma bala de distância.

 "É Natal, é Natal", a música diz, vindo de algum lugar do lado de fora das janelas, porém já morri há muito tempo, decompondo-me pouco a pouco no decorrer dos anos. Então chegou a hora de enterrar a Mallory, a garota que tem pouca sorte.

 O relógio da igreja próxima badala.

 – Tic tac – Akoman balança o indicador no ar, simulando um ponteiro. – O tempo urge.

Quando soam os sinos [Concluída]Where stories live. Discover now