Lembranças de Camelot

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Um vulto caminhava pela noite, cambaleando através do denso nevoeiro de Londres com pressa, enquanto sangrava copiosamente.
Olhando por cima de seu ombro, ele procurava pela odiosa mulher, a sua descendente que o havia perseguido implacavelmente.
"Tão perto. Não posso ser parado agora" - pensava o homem
"Só mais um pouco e nem mesmo a maldita Johanna Constantine poderá me deter".
Ele cambaleou para dentro da velha igreja, saboreando aquele pensamento.
Nada impediria Jack Constantine.

Claire observava John revirar em seu sono, enquanto tentava assimilar tudo que havia visto. Poderia um homem ser tão amaldiçoado quanto John Constantine?
Não bastava suas próprias merdas, agora os erros de um antepassado voltava para atormentar sua alma.
Como uma médium experiente, Claire conseguia ler auras e ver espiritos, almas daqueles que morreram em tormento e que nunca haviam conseguido seu descanso final.
E ninguém parecia acumular mais fantasmas que John Constantine.
Isso nunca vai ter fim. Nenhuma luz de felicidade esperava esse homem no fim do túnel e o pior, as vezes ele parece saber e se regozijar com isso.
-Me arruma um crivo?
Claire se assustou, saindo do transe de seus pensamentos.
Ela não esperava que John se recuperasse tão rápido  (e em seu íntimo, um parte escura de sua alma gostaria que ele nunca conseguisse).
-John! Seu maldito filho da puta, quase me matou de susto!
-Existem coisas piores a temer Claire. Cadê Xanadu?
-Fazendo um chá de ervas. Era minha vez de te observar - respondeu a médium. E incapaz de se conter, acabou perguntando:
-John, sei que é importante descobrir o por que, mas não deveríamos estar planejando um modo de ir para o Chile e deter a Brujeria, antes da Morte alcançar esse plano?
-Segunda Lei da Magia, Claire: Paciência. Tudo a seu tempo. Nós estamos fazendo isso. O que eles pretendem fazer demanda tempo e energia. Temos mais ou menos uns dois meses até eles conseguirem. Até lá, preciso olhar o panorama geral e saber tudo que puder sobre o que aquele merda do Jack fez. A Morte não ficaria tão puta com todos os Constantines só por causa de uma merda de um medalhão.
-Entendo.
John tentou se levantar, mas sua cabeça ainda doía, o fazendo cair novamente na cama.
-Você precisa descansar John. Você sofreu um baque muito forte.
-Não se preocupe comigo alteza. Preciso ver Xanadu, agora. Tive um sonho muito estranho com meu querido antepassado.
E se levantou com uma agilidade que Claire julgava não ser possível para um homem que acabara de acordar.
Com três passos largos, ele chegou a porta, antes de se virar para Claire, enquanto sacava um cigarro de seus bolsos:
-E ae, vai vir ou esperar que o proletariado resolva tudo como sempre?
-Odeio você John Constantine! - esbravejou Claire, o acompanhando de má vontade.

Xanadu continuava retirando as cartas, mas não importava o quanto tentasse, o resultado ainda era o mesmo: A sombra da morte, cada vez mais perto.
Ela recolheu seu baralho, pensando nas palavras de Merlim, ditas a muitos séculos atrás, quando ela ainda era apenas uma mortal sem ganhar seu nome mágico, quando era apenas conhecida como Nimue.
Uma época aonde os mitos eram verdadeiros e a magia corria forte pela Terra, ela se lembrava com tristeza, daquele dia amaldiçoado pelos Deuses.
O dia da Queda de Camelot.

A fortaleza tremia, como se a própria cólera divina estivesse caindo sobre eles.
Em seus corredores, velhos, mulheres e crianças corriam desesperados com suas posses, procurando fugir do violento conflito que explodia fora das muralhas. 
Nimue cambaleava, tentando atravessar o fluxo de pessoas que a empurravam em sentido contrário.
Ela não tinha muito tempo, seu Mestre lutava nas muralhas lá fora, mas mesmo assim, não era sábio subestimar o poderoso Merlim.
Com muito custo, ela conseguiu chegar ao pequeno aposento, desfazendo as proteções mágicas de seu Mestre e conseguindo entrar, vasculhando as prateleiras até finalmente encontrar seu objetivo:
O grimorio negro pertencente a Merlim.
Pressurosa, ela estendeu suas mãos ao seu prêmio, quando uma energia a jogou para trás, derrubando-a em cima das outras estantes.
Uma risada maligna preencheu a sala e ao olhar ao redor, ela o viu.
Alto, com barbas e cabelos longos e um aspecto severo, Merlim estava ali, a observando, com um aspecto curoso em seu olhar.
Ao ve-lo, o peito de Nimue se encheu de vergonha e desespero. Ele havia sido como um pai para ela ao longo desses anos em que passou como sua aprendiz, forçando-a ao limite, ensinando mais e mais, sempre confiante em seu potencial.
E assim ela progrediu.
Mas conforme crescia, ela acabou enxergando as limitações de seu pai adotivo.
Merlim era apenas um peão no grande jogo. E ele aceitava isso pacificamente.
-E assim, ambos cumprimos nosso Destino.
-Mestre! Eu...
-Poupe suas palavras criança. Sei o que fez e o que veio fazer aqui. Sempre percebi a mácula em sua alma...
-Por favor Mestre, eu nunca quis nada disso....
-Cale-se. Em seu desejo de poder, você conspirou com os inimigos de Arthur pela queda de Camelot. Pobre criança, tentou com todas as forças fugir de seu destino, só para concretiza-lo.
-Não! A exceção de você, todos sempre me desprezaram. Sempre temida, sempre odiada. Nunca quis realizar o mal a Camelot, queria apenas livra-la do mal...
-E em sua ignorância, a condenou. Era seu Destino jovem. Tudo morre. Tudo segue seu caminho. Cabe a você aceitar isso e mesmo nas trevas encontrar a luz.
A jovem ergueu as mãos, enquanto preparava um feitiço desesperado, que foi facilmente rebatido por Merlim, sem nenhum esforço.
-Por mais que eu a tenha ensinado, você ainda continua lamentavelmente ignorante - respondeu Merlim, severo.
O velho homem se levantou, olhando com seus olhos em fúria a direção de Nimue.
-Eu vi o fluxo do tempo, tendo visto relances do passado, presente e futuro. Mesmo que muitas vezes não compreenda, eu entendo como as coisas devem ser e ao contrário de você, eu aceito isso. Quando a adotei, sabia o que você iria fazer, e mesmo assim, ainda a amei como uma filha.
-E mesmo assim, não fez nada para evitar o ódio dos outros contra mim. Sempre odiada por ser a aprendiz do grande Merlim.
-Sim, eu falhei como pai, sempre colocando outras coisas a frente de você. Esse é um dos meus muitos erros, que pagarei ao cruzar o pós-vida.
Gesticulando, ele prendeu o corpo de Nimue, evitando que ela conseguisse se mexer.
-Não! Mestre, por favor...
-Eu vi seu futuro Nimue. A partir de hoje, eu condeno você a viver para sempre, sempre amaldiçoada com o dom de ver futuros e eventos passados, mas nunca conseguindo muda-los. Pobre Nimue, nunca amada, nunca querida, sempre perdendo o pouco amor que conseguir. Tenho esperança de que possa aprender com tudo isso, aceitando que não podemos fugir de nosso Destino, até o dia em que não irá ver nenhum futuro, a não ser escuridão. Nesse dia, um trapaceiro aparecerá, trazendo a morte a sua porta. A partir de agora eu a nomeio de Xanadu, pois é assim que o tempo diz que deve ser….

John adentrou a sala com pressa, com Claire em seus calcanhares, arrancando Xanadu de suas memórias.
-John? Já de pé?
-É preciso mais do que aquilo para derrubar um filho da puta durão como eu - disse John, sorrindo - Não posso perder tempo com bobagens como sono Xan, não quando tive um sonho muito estranho com Jack.
E assim ele descreveu seu sonho, enquanto Xanadu ouvia tudo, imóvel, Claire parecia visivelmente impressionada.
-Como isso foi possível? - perguntou Claire.
-Mexer com o tempo, mesmo que só olhar, já é algo perigoso. De algum modo John ficou ligado ao seu antepassado, acabando por ver um flash de sua vida.
-Magia, Claire - respondeu John, ao ver que a mulher ainda não havia entendido.
-De algum modo, mergulhamos tão fundo nos caminhos mágicos que acabamos nos entrelaçamos. Uma baboseira mística complicada de se explicar.
-Lady Johanna Constantine - recordou Xanadu - Me recordo de cruzar seu caminho algumas vezes. Uma mulher esperta, que teve que crescer na pobreza após seus pais serem enforcados por traição e ela perder tudo. Usando tudo que lhe era possível, ela reconquistou seu título e fortuna, se aproveitando da desgraça dos outros, uma coisa que parece ser muito comum a vocês Constantines..
-Humpf. Uma garota tem que fazer o possível pra sobreviver nesse mundo cão - respondeu John.
-Acha que ela parou o que Jack estivesse fazendo? - perguntou Claire.
-Provável. Mas temos que saber aonde. Pode nos mostrar Xan?
-Sim. Sabendo o que procuro, posso me guiar pelo tempo facilmente.
-Ótimo. Mas primeiro preciso de cigarros - disse John, amassando seu maço - Sabe como é, não dá pra bancar o fodão misterioso sem um crivo.
-John. Uma coisa antes de sair - chamou Xanadu.
John parou de se levantar, curioso.
-Depois daqui, você terá que encontrar a criatura que habita os pântanos. Ela te ajudará em sua busca.
-Criatura…..ta falando do Monstro do Pântano? Alec Holland?
-O Elemental, sim..
-Mais fácil o próprio Capiroto me ajudar do que o grandão. Ele tá meio….indisposto comigo. Viu isso em meu futuro?
-Sim.
-E o que mais viu?
-Você saberá em breve.
-Serei rico? Casarei com o amor da minha vida? - zombou John.
-Sempre o mesmo zombeteiro.
-Do que adianta viver perigosamente se não tiver senso de humor? - respondeu John, rindo.
Mas enquanto saia, uma sensação o fez parar.
Como um adepto da sincronicidade e da coincidência, John sabia que as vezes devia deixar o universo o guiar.
Ele deixou as palavras fluiram de sua garganta, como se elas estivessem sempre ali.
-Sei que você me odeia por Zatara ter morrido por minha culpa. Me desculpe.
-Não se desculpe por seguir o que o Destino lhe guiou John. Não o culpo por isso, Zatara sempre soube que isso poderia acontecer. Depois de séculos de vida, aprendi a aceitar a morte e nosso papel nessa vida - respondeu ela, com um sorriso triste.
John teve uma estranha sensação, mas colocou-se em movimento novamente, enquanto Claire o acompanhava até a porta, aonde o parou:
-John. Conseguiremos mesmo sair dessa?
-Claro. Nunca estive em uma situação tão ruim que não conseguisse sair.
-Meu medo é o preço que você sempre pagou pra conseguir isso.
-Ai. Eu não precisava dessa, excelência - resmungou John, saindo.
Claire se arrependeu do que havia dito assim que John saiu. Não sabia por que havia sido tão cretina com ele, mas não conseguiu evitar.
Ele a deixava sempre irritada com suas zombarias, mas não merecia realmente aquilo.
Vou me desculpar quando ele voltar.
Dez minutos depois, a campainha soou novamente. Xanadu estava longe, então Claire correu para porta.
-Mas já? Não passou nem quinze min… - dizia enquanto abria a porta, mas as palavras morreram em sua garganta.
Um homem com uma aura de morte estava parado na soleira, sorrindo cruelmente.
Com um movimento rápido, ele a esfaqueou no estômago, fazendo o sangue escorrer por sua camisa e descer por suas pernas quando ele retirou a faca.
Cambaleando para trás, ela lutou para se manter consciente, mas suas pernas fraquejaram e ela acabou caindo.
Sentindo o chão gelado da casa bater com força em seu rosto, ela ainda tentou se afastar daquela coisa, se arrastando enquanto deixava um rastro de sangue para trás.
-Onde estão meus modos? Esqueci de me apresentar. Meu nome é Nergal. John e eu somos velhos amigos, posso falar com ele? Segui sua trilha até aqui.
Não. Não assim - pensou Claire, ainda se arrastando enquanto o mundo começava a se fechar ao seu redor.


John Constantine: Legado MalditoOnde histórias criam vida. Descubra agora