Assassinato

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Xanadu meditava quando o grito de Claire atravessou a casa. Saindo de seu transe, ela correu até a sala principal, acabando por encontrar a jovem caída em uma poça de seu próprio sangue, enquanto um homem ameaçador caminhava em sua direção.
Ao olhar para o homem, Xanadu o reconheceu de suas premonições:
Sua hora havia finalmente chego.
-Mais um pouco e estaremos juntos novamente, Zatara - disse calmamente, enquanto o homem chegava mais e mais perto.

Imerso em pensamentos, John quase nem sentia a chuva desabando pela cidade, caindo como se Deus estivesse se lamentando por algo.
Que merda o universo quis me dizer? Me abri para a sincronicidade cósmica, me deixando levar e acabo me mostrando um bosta sentimental? Porra.
-Um maço de Silk, chapa - disse ao atendente paquistanês, enquanto tentava não pensar mais nessa estranha sensação que o assaltava.
-5 libras.
-5? Puta merda, tá cada vez mais difícil pra um fudido como eu manter o vício - resmungou John enquanto lhe passava o valor.
Ao receber o maço, John imediatamente arrancou um dos cigarros e acendeu ali mesmo, sob os protestos indignados do atendente.
-Hey, não é permitido fumar aqui! Por favor!
-Não esquenta campeão. Um pouco de fumaça e fogo não fazem mal a ninguém.
Um pouco talvez, mas se eu vacilar, vou pra um lugar aonde vou ter muito disso.
Então subitamente, todos os seus instintos paranóicos começaram a apitar, como se eletricidade estática começasse a preencher seu corpo, da cabeça aos pés.
E um homem como John aprendera a nunca ignorar essa sensação.
O ar pareceu ficar pesado, quase opressivo, enquanto um cheiro familiar começava a preencher a pequena loja.
-Mas que merda.. - começou, mas as palavras morreram em sua boca, assim que as luzes começaram a piscar, um pouco antes da aparição se materializar ao seu lado, fazendo os cabelos do atendente de ouriçarem de espanto.
-John...fuja. Um enviado da Morte nos atacou violentamente. Não volte..
-Porra! E abandonar vocês, nem a pau caralho! - praguejou, enquanto se dirigia a porta.
-Apenas vá embora John. Eu te julguei mal. Você é melhor do que mostra as pessoas...estou...perdendo forças….fraca demais...pra manter...essa projeção...adeus John.
E a projeção astral se apagou, deixando John angustiado. Ele conhecia essa técnica bem o suficiente para ter a certeza de que Claire havia morrido.
-Em nome do Profeta, o que foi aquilo? - perguntou o Atendente, paralisado de horror.
-Aquilo foi minha vida vindo a baixo novamente meu chapa - comentou John sombriamente, antes de puxar seu capote e sair na chuva.
Merda. Saio por vinte minutos e a merda explode com vontade no ventilador.
Mesmo sabendo que estaria se encaminhando a uma armadilha e que já era tarde demais para salvar Claire, John correu como se não houvesse amanhã.
Enquanto atravessava três quarteirões na base da adrenalina, seu corpo começou a cobrar seu preço, quando quase colocou seus pulmões para fora de tanto tossir, ao alcançar a soleira da porta.
Conseguindo se controlar, ele colocou a mão na maçaneta, percebendo que a porta estava apenas encostada.
Tentando não chamar a atenção, ele entrou silenciosamente, mas acabou mandando sua cautela pro espaço ao perceber a trilha de sangue, que culminava no corpo de Claire, caído mais a frente.
-Claire! - gritou, desesperado enquanto corria em direção ao corpo, mas já constatando que era tarde demais. A jovem havia resistido a seus ferimentos o quanto pode, juntando suas forças finais para avisar John.
Maldito filho de uma puta. Ela era uma esnobe, mas não merecia ser estripada como um peixe.
John se levantou seu olhar, percebendo que Xanadu jazia mais a frente, caída em cima de sua mesa, na outra sala.
-Xan...não, porra.. - suspirou, baixinho.
John se preparava para conferir se sua amiga ainda estava viva, quando ouviu passos ressoando no corredor.
Ele ainda tá aqui. Se tiver sorte, ele pode não ter me ouvido.
Olhando para os lados, John procurou algum objeto que pudesse usar em sua defesa, quando uma figura apareceu na divisória da porta, tampando a visão do corpo de Xanadu.
-Não precisa perder tempo. Sua amiga morreu e nem tentou reagir. Mas te garanto que ela sofreu. Muito.
O sangue de Constantine ferveu de ódio por aquele deboche, mas se controlou ao olhar melhor o homem. Ele era mais baixo, porém mais forte do que ele, e mesmo se não fosse, ele estava portando uma faca, eliminando de vez a possibilidade de uma luta corporal, coisa que realmente nunca fora um dos pontos fortes de John.
Era hora de usar o que tinha de melhor:
Sua língua afiada e seu cérebro.
-Seu arrombado! Quem é você porra?! Dá pra ver que tá só possuindo esse corpo. É um espírito vingativo? um Ladrão de corpos?
-Algo um pouco mais antigo.
Um demônio. Isso já ajuda, zé-ruela.
-Porque precisava matar as duas?
-Ah Johnny boy, havia me esquecido como era doce te ver sofrer. Fico triste por não ser reconhecido, mas não posso reclamar. Estou amando tudo isso - dizia o assassino, brincando com sua faca enquanto olhava sem piscar para John, com um olhar febril.
Ainda ajoelhado sobre o cadáver de Claire, o cérebro de John maquinava ferozmente, procurando uma saída enquanto tentava enrolar o assassino.
-E precisar, não precisava. Mas confesso que foi divertido.
Se eu destruir ou deixar o corpo do hospedeiro muito danificado, posso foder esse miserável. Mas como?
-Chega de conversa e enrolação, sei que procura uma saída. Mas é hora de terminarmos nossos negócios.
E com uma velocidade superior a de um humano normal, o homem partiu para cima do Mago, que por sorte conseguiu
segurar seu atacante, desviando a mão do golpe fatal, enquanto ele e o homem se atracavam, caindo no chão.
O inimigo atacava freneticamente, socando o crânio de John com sua outra mão livre, enquanto usava o joelho para acertar aonde podia.
Com sua cabeça e costelas explodindo de dor, John conseguiu se desvincilhar do homem, e enquanto os dois se levantavam, ele deu uma cabeçada em seu inimigo, o fazendo se afastar. Aproveitando a brecha, deu um chute desajeitado no joelho do assassino, conseguindo assim o derrubar em agonia, mas não sem sentir uma forte dor em seu abdômen.
John cambaleou para trás, atordoado, enquanto sentia algo quente descendo através de suas pernas.
-Cacete! - praguejou, ao perceber que havia sido esfaqueado.
O outro homem se apoiou em uma mesa, levantando-se rápido, mas dessa vez decidiu ser mais cauteloso.
Aparentemente, havia decidido esperar John perder suas forças pelo ferimento.
Dando um passo a frente, uma de suas pernas vacilaram, fazendo o demônio emitir um urro de dor enquanto perdia o equilibro e quase caia.
-Merda de forma limitada!
Então John compreendeu: ele havia sido invocado por algum ritual mal-feito, possibilitando a ele poder fugir de seu círculo de contenção e dominar um corpo, mas ficando limitado a atacar fisicamente suas vítimas.
Geralmente em possessões, o demônio mantinha seus poderes e usava o corpo de seu hospedeiro como bem entendia, sem ser castigado fisicamente. Então ele se lembrou de algo que poderia ser útil.
Tenho uma chance, mesmo que seja algo temporário.
Sua cabeça começava a rodar. Ele havia apertado seu ferimento para impedir o sangue de continuar fluindo, mas não tinha como evitar a dor.
Sem tirar os olhos do outro homem, que o encarava como um animal faminto, John recuou até o corpo de Claire, sentindo cada centímetro de seu corpo explodir de agonia. Acabou por se ajoelhar até a jovem, fechando seu olhos.
Desculpe por isso Claire.
-Sentindo-se sentimental Constantine? Ficando mole com a idade?
-Não, só mais esperto chapa.
Então ele enfiou seus dedos na poça de sangue que começava a coagular. Repetindo um velho feitiço aprendido na África a tempos, John viu com prazer o rosto do demônio empalidecer ao perceber o que ele havia feito.
-NÃO! - gritou enquanto avançava.
Mas era tarde demais.
Um sinistro vento vindo do leste havia começado a soprar, trazendo com ele o fantasma de Claire, que começou a atacar violentamente o demônio, cortando e rasgando a carne, como se estivesse armada com lâminas muito afiadas.
-SAI! SE AFASTA! - berrava a criatura.
John aproveitou sua chance e saiu porta afora, deixando a chuva lavar todo o sangue.
Ele havia aprendido esse feitiço com um bruxo africano em suas viagens, quando o bruxo soube que John havia conseguido se livrar do feiticeiro de sangue conhecido como Mako.
O feitiço só poderia ser realizado em mortes recentes e por pouco tempo, fazendo o assassino ser assolado pelo espírito vingativo de suas vítimas, geralmente o levando a loucura ou a morte.
Mas sei que não vou me livrar tão fácil desse merda. Pra piorar, minhas digitais tão na casa toda...e no corpo de Claire. Um desajustado com interesse nada saudável por Magia, com um histórico de louco, já tendo cumprido pena por assassinato. Lógico que vão vir atrás de mim, praga - pensava John, cambaleando pelas ruas escuras de Londres, enquanto deixava os gritos para trás.

John Constantine: Legado MalditoOnde histórias criam vida. Descubra agora