03 | Eu não sou uma completa vagabunda

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O corredor era feito de ataques, berros, tapas, ultrajes, e fios loiros e escuros no ar. A platéia observava, estupefata, mas não era capaz de separá-las - nem mesmo quando a briga virou 3x1. Diante da injustiça, mas consciente do futuro arrependimento, larguei a câmera e auxiliei outra garota a barrar as bofetadas. A morena, apanhando das três deltas, não tinha capacidade de esconder o emocional abalado. Por conta disso, Xerocópia e sua amiga eram contidas nos fortes braços de uma moça de dreads. Mas a terceira ainda avançava contra as minhas costas, enquanto eu tentava proteger a menina de apanhar outra vez.

No momento de adrenalina e fúria, com minhas próprias questões aquecendo o sangue, mantive a calma e controlei a vontade de dar um soco em quem quisesse levar. O dia estava ilogicamente estressante.

Por sorte alguém conteve a vagabunda que lançava unhas pontiagudas nos meus braços. Volvendo o rosto para trás, vi uma pessoa pequena de cabelos lisos e olhos puxados angustiar-se:

— Calma! — Solicitava inocentemente, com irrefreável desconforto. — Por favor, não briguem! Não briguem! Não briguem!

— O Malcolm fica com todo mundo, suas vagabundas! — Berrou quem segurava xerocópia, impaciente. — Que porra estão fazendo?!

— Quer saber? — Como uma faísca de gasolina inflamando os olhos, Xerocópia moveu a rainha sobre o tabuleiro: — Você está expulsa!

Contra o meu aperto a morena sobressaltou-se, como se inspirasse todo o oxigênio do corredor, mas a reação não durou muito. 

Expulsa de que? Da festa?

— Eu vou embora e sem arrependimento nenhum! — E por certo, foi isso que cada músculo do seu corpo expressou em conjunto, estufando o peito e abandonando a má postura. — Vou sair daqui com orgulho e com o pau do Hawkins na boca!

Não sei o que houve, mas meu espanto se traduziu em um instantâneo recuar de braços, com um par de olhos arregalados. Regados ao silêncio, reagimos igualmente espantados, mas expressando-nos de formas diferentes. Era como se os cérebros presentes houvessem sofrido um blackout até os segundos seguintes, quando a situação despencaria ladeira à baixo. 

Com a adrenalina banhada pelo ultraje, as deltas se soltaram e pularam contra mim, agora usada estrategicamente como escudo por aquela que se escondia das investidas. Não sabia como e também não sentia dor, mas de relance assisti o sangue pintar minha pele, até que as tirassem de cima de mim.

Não fazia ideia do que estava acontecendo e, mesmo assim, havia sido a que mais apanhara naquela briga. Aquilo foi suficiente para que, com a respiração ofegante e os pensamentos ecoando como uma conversa distante, me sentisse despersonalizando.

Meu dia havia sido um inferno. Meus sonhos haviam sido esmagados. Estava em uma festa que odiava há mais de 40 minutos, havia sido incitada a fazer sexo com um desconhecido e a usar maconha com estranhos, e aquelas vagabundas brigavam por causa de homem?

Enquanto todas tentavam se acalmar, respirando fundo e puxando o ar, me aproximei de Xerocópia.

Eu havia acabado de socar a cara de uma garota. E ela havia desmaiado.

Só percebi os lábios sangrarem ao nos separarem por cômodos - Xerocópia e suas amigas na sala e o restante na cozinha, onde uma compressa de gelo reduzia o inchaço dos meus danos. Por sorte, o maior estrago da câmera havia sido um ou dois arranhões. Até porque, extrapolando o limite, não haveria esperança para mim que não fosse passar a noite na delegacia. Ainda assim, depois da onda de fúria, senti-me mais calma e quase arrependida. Não era barraqueira nem violenta, mas com o dia sendo uma porcaria, havia desbloqueado uma nova personalidade em mim. E toda vez que meus olhos passavam sobre os arranhões dilatados e a pele cortada, me arrependia de ter me arrependido.

Todas Contra HawkinsWhere stories live. Discover now