Epilogue

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Estava tudo destruído, as paredes de madeira estavam cheias de buracos que indicavam exatamente onde as balas haviam perfurado quando eles atiraram aleatoriamente. Tudo destruído, aquele lugar lindo e calmo e especial, detonado até o pó. Vínhamos aqui em busca de refúgio e silêncio, um tempo para curtir um ao outro e ninguém mais e agora tudo que eu vejo quando olho em volta são policiais, curiosos e destruição, dor. E ele. Eles nem tentaram, nem imploraram, só colocaram dois dedos em seu pescoço e pulso e o enrolaram em um saco preto qualquer. Uma parte de mim diz que era tudo que eles podiam fazer, mas a outra está gritando loucamente que eles deviam fazer mais, deviam implorar e fazer o impossível e só...  trazê-lo de volta pra mim.

Caminho até o saco, e , por um minuto, só encaro a lona. Eu sei que deveria estar sentindo a raiva rugindo sob minha pele, que deveria gritar e chorar e quebrar o resto dessa cabana estúpida. Sei que deveria me permitir sentir tudo isso, sentir a dor do raspão de tiro que levei, a dor de ver ele reduzido a dois metros de lona preta, mas tudo o que eu sinto é o vazio. Um vazio que grita e cala tudo ao meu redor. As sirenes, as conversas, os choros, os gritos, por um momento eterno nada disso existe mais, tudo o que existe sou eu, e a bendita lona preta. Então, me ajoelho diante dela, e a arranco com um puxão só.

Chase sempre foi lindo. Desde o primeiro momento em que o vi e até na morte. Uma vida brilhante, reduzida a dois tiros no peito. Eu queria que fosse como nos livros onde a mocinha só fecha os olhos, deita ao lado dele e se despede com tranquilidade. Onde o amor da vida dela está com o rosto sereno, como se estivesse apenas dormindo, e quando ela fecha os olhos ela pode fingir que estão de fato apenas dormindo. Mas não é assim.

Não sei como as mocinhas dos meus livros conseguiriam ignorar o frio sob a pele dele, ou o rosto com esses cortes cruéis. Três, pra ser exata. Queria decorar cada traço dele, queria só olhar uma última vez, olhar pro rosto dele e acreditar que está em paz. Mas é TÃO difícil. Olhando para o que fizeram com ele, como se fosse só mais um pedaço de carne em um açougue, consigo sentir aquela raiva espreitando sob a pele, consigo sentir a dor.

*flashback on*

"antes que eu possa gritar sinto uma mão pressionar minha boca, fazendo com que meu grito saia sem som algum, ou pelo menos um bem abafado. É Mary, a governanta escondida junto a mim impedindo que eles descubram nosso esconderijo. Mas não sei como ela mesma não gritou, tudo o que eu queria era sair correndo dali e levar tiros em meu peito também. Eu tentei correr, me soltar dos braços dela mas ela não permitiu.

-Você tem que ficar quieta charli,- sussurrou ela, com a voz tremendo- Não vou permitir que você seja outro corpo, ele sabia dos riscos. - foi o que ela continuou repetindo: 'ele sabia dos riscos, fez por você' enquanto eles voltavam ao corpo dele e lhe cortavam o rosto.

O sangue se empossava ao redor dele, e eles pisavam como se fosse água enquanto o mutilavam. O primeiro, cortou da sobrancelha ao queixo na diagonal, e não sei de onde Mary tirou forças para me segurar. Depois veio o segundo, a mesma coisa do outro lado como se fosse só um jogo da velha e ele tivesse de marcar o X vencedor. O terceiro riu e sacou a arma, então deu outro tiro, como se não passasse de uma piada, e, como se não bastasse, lhe enfiou a faca no olho direito.

Foi aí que eu decidi que Mary era a mulher mais forte do mundo, e que eu não poderia ser. Me permiti estar nos braços dela e chorei, chorei e chorei até estar em lugar da minha mente longe de toda a situação, até deixar o vazio me invadir, eu tinha que sobreviver por ele, pra não ser em vão. Pra não ser em vão."

Sinto uma mão em meu ombro me arrancando do devaneio e quando meu olhos focam, vejo que o cobriram denovo. Vagarosamente viro o meu rosto para olhar quem está atrás de mim. Queria que fosse alguém como meus pais, ou Mary, alguém que eu pudesse abraçar e ficar assim para sempre, para não ter que acordar no dia seguinte e ter de aceitar que tudo foi real. Mas não, é só a detetive Mourie provavelmente querendo saber porque eu mandei matarem meu namorado. A questão, é que eu não mandei.

-Nós gostaríamos de fazer algumas perguntas para você - apesar de a intenção do toque ser acolhedora, seu rosto está sério, me dizendo exatamente quem eles vão culpar pelas mortes de hoje. - Senhorita D'amelio?

-Vou precisar de um advogado?

-Só queremos saber o que aconteceu, não é um interrogatório - ainda.

 Me levantei e a segui até uma das viaturas onde me deram um cobertor. O inverno esse ano não teve piedade, e apesar de estar familiarizada com o ambiente de neve, não nego o calor do cobertor e espero as perguntas começarem. É melhor que façam isso agora do que me deixar esquecer só para me fazer relembrar e tornar real denovo. 

-São perguntas padrão, não se preocupe - diz um policial alto e loiro, provavelmente parceiro da detetive Mourie.

-Sabe como eles entraram? - pergunta ela

-Não - dou de ombros - Podem ter entrado pela sacada.

-Quando o ataque começou?

-Eu não sei.

-Onde vocês estavam?

-No quarto de baixo.

-Tudo bem... - ela suspira - olha, Charli, nós queremos encontrar o culpado. Só queremos ajudar, mas pra isso, precisamos que seja um pouco menos vaga. Sei que é um momento traumático e delicado, mas precisamos saber o básico para montarmos seu caso. Você pode nos ajudar?

-Não podem perguntar a Mary? Ela esteve comigo o tempo inteiro

-Precisamos pegar depoimento de todos presentes. Nos conte o que aconteceu. - disse o policial loiro, agora segurando um bloco de notas e papel, preparado para anotar todo detalhe que eu dissesse. Respirei fundo, então contei, e quando terminei, o cansaço e a dor me dominaram.




Oh honey, I died - {chacha history}Where stories live. Discover now