A Lua

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*Narração de Saturno*

O Cupido havia retornado, tudo bem tudo bem, eu teria de resolver isso depois pois tinha um assunto mais urgente no momento.

Comecei a olhar em volta procurando Noite e não vi nada, então simplesmente continuei andando com a lâmpada acima de mim acendendo e apagando constantemente, provavelmente gastando uma quantidade significativa de energia. Peguei do meu bolso um chaveiro (sem chave) em formato do planeta Saturno, a garota gênia estranha havia me dado antes de eu entrar no carro.

Naquele momento servia como um amuleto, então o segurei forte fechando os olhos como se fosse rezar, e pedi ajuda para o infinito. Sou apenas um planeta em meio a um Universo gigante, clamando assistência que ninguém me deve.

Rachel e Vitor tinham seus amuletos, por que não poderia ter o meu também?

Parei com aquilo me imaginando como ridícula e continuei andando procurando pelo Noite, foi quando esse mistério foi resolvido por um som que parecia ser gritos.

Segui o barulho até uma sala escuta com as cortinas vermelhas, olhei no canto para o pai de minha amiga lutando arduamente contra Noite, que estava apenas a se defender.

Assim, eu peguei uma cadeira descartável no chão e lancei naquele contorno sombrio que parece gritar frases incompletas e sem lógica para um ouvinte não presente. O barulho foi um estalo alto que ecoou por todo o local, talvez tivesse quebrado algo, o grito foi estrondoso, eu teria sentido pena se no momento seguinte o pai de Rachel não tivesse se virado para correr atrás de mim.

Noite o segurou pelo ombro e seu olho ficou completamente preto por alguns segundos. Toda a luz restante na sala pareceu escapar como se sugada por um buraco negro lá fora, o pai de Rachel tremendo e confuso finalmente caiu no chão.

Só nesse momento havia percebido Vitor caído no canto como um saco de farinha, estava balbuciando frases aparentemente desconexas.

A máquina de Luz agora estava do meu lado.

- Não me machuque, Morte rubra, aleluia diria ele. Diria ele, aleluia aleluia aleluia, ô, aleluia senhor.

Aquelas frases por alguma razão havia me causado um arrepio frio, rápido porém efetivo. Senti o peso do que estávamos fazendo e o que poderia acontecer se algo desse errado.

Boom.

Noite pegou ele do chão e o segurou novamente, eu ainda estava com medo do que tinha acontecido, ele realmente tinha me congelado de horror. Porém, senti que ele estava também.

De repente memórias da minha infância apareceram por todos os lados, memórias dos meus pais, a memória da minha mãe dizendo que o amor era falso, uma memória que mostrava a coisa horrenda que fez ao meu pai, ato esse que a levaria ao inferno.

Ah, esses sentimentos eram tão confusos

Corremos até o primeiro elevador que vimos, ouvimos passos constantes e fortes no chão atrás de nós, não precisamos nem olhar para trás pois a voz era reconhecida.

- Oh meu filho, meu filho, caído de novo, merece palmadas, ah precisa sim, não terminei o que comecei não é? Agora lembro, lembro sim, vem aqui, vem. Não acabar com você, vou acabar com você. - Disse a voz feminina.

Olhei levemente para trás no meio da corrida, a mãe de Rachel estava suja, vestida com uma roupa de paciente de hospital, com cacos de vidro espalhados pelo corpo e um sorriso quase sobrenatural de tão largo. Sua pele estava tão pálida que parecia ter albinismo.

- Me dá meu filho, DÁ ELE AQUI!AAAAAAAAAAAH! VEM PARA CÁ GAROTA!

- Valameudeus VALAMEUDEUS! - gritou Noite correndo, esquecendo que seria eu correndo perigo e não ele.

Entramos no elevador o mais rapidamente possível.

A porta começou a fechar lentamente, como se soubesse da situação e quisesse ver até onde iria dar. O braço da mãe de Rachel passou para dentro do elevador fechasse completamente fazendo com que este se abrisse pelo detector de movimento, gritou algo sem sentido antes de eu ter empurrado ela com meu pé e apertado o botão de fechar do elevador novamente.

Mesmo com as portas fechadas, dava para ouvir gritos ecoando, gritos esses que feriam meus ouvidos, era bem pior do que um garfo arranhando uma lousa, bem pior.

Era o grito de um animal selvagem, aquela mulher havia perdido completamente a sanidade e agora não era mais um ser humano, apesar de sua habilidade de fala.

Iríamos subir até o topo e usar a máquina, simples e rápido.

Olhei para trás e vi o espelho do elevador, meu reflexo parecia terrível, mas o que havia chamado mais atenção foi o Cupido novamente gritando por socorro, gritando para eu ajudar naquilo que não tinha solução.

Virei para o lado e ignorei, apenas ilusão, apenas ilusão.

Ilusão.

O elevador parou.

- Eu... - Noite falou como se estivesse esperando um momento que não pudéssemos morrer de repente - eu não contei a vocês, o porquê eu não tentei mudar a história.

"Eu havia um problema".

De novo ele iria falar comigo, não reclamaria na verdade, mas queria que ele desse mais detalhes, era como um livro que pulasse e trocasse capítulos de forma completamente aleatória.

Noite havia tentado diversas vezes mexer com a história, salvar pessoas, mas não podia. A Lua não deixava, era contra o dever de deuses se meter com a vida de mortais.

Ele havia meio que provado o ponto quando aceitou ajudar a organização que queria criar imortalidade.

Sempre que tentava ajudar, algo dava errado, mas ele queria fazer o certo.

Quando Rachel o descobriu na casa "abandonada", ele quis ajudar, ele queria ir contra novamente. Por isso conversou com a Lua antes de realmente ir.

- Por favor - disse ele, ajoelhado na grama.

- Não - disse uma voz distante em sua mente - não tem como, olha o que aconteceu com o Cupido ao se meter nessas coisas.

- Por que vocês deixaram!

- É contra as regras ir contra nossos iguais, lutar não é permitido entre nós, poderia trazer caos. Tentamos o tirar do caminho ruim, porém ele mesmo não quis, então não diga que não tentamos.

"Estou tentando ajudar, deixe que os humanos resolvam sozinhos, eles sempre conseguem, por incrível que pareça. Sorte burra, talvez".

- Mas eu preciso tentar, preciso arrumar o que eu causei - disse Noite.

- Arrumar pode só piorar, mas infelizmente não tenho poder para o impedir. Então faça como quiser e aprenda com seus erros. Mas saiba que perderá o seu prêmio, você pode ser completamente imortal e ser a junção completa de luz e escuridão, não só essa última. Você teria poderes incríveis, assim como eu.

"Vá, é sua última chance de provar que precisa ajudar aqueles que precisam, não é? Mas, não retorne quando a desgraça o pegar, pois o seu destino nessa aventura não é bom. Ele foi previsto, previsto pelas cartas de Celestiais."

O ar parecendo sumir a sua volta, o céu caindo e tudo sendo coberto por uma cortina de fogo rubra, cobrindo tudo que antes tinha vida.

- Isso poderá acontecer se você entrar nessa guerra, pupilo - contou a Lua - guerras entre deuses nunca terminam bem, sempre acaba em morte e caos. Não entre em conflito com o Cupido, deixe a vida seguir seu rumo, se outra era terrível chegar à humanidade, não é sua responsabilidade. Já deveria até estar acostumado com tal destino, Noite. Deixo a decisão em suas mãos, mas saiba que o céu está em seus braços.

Noite parou um pouco e pensou, a lua foi coberta no céu por diversas nuvens rosas. Estava realmente em suas mãos.

Ele parou de contar a história, parecia haver mais, muito mais, mas sabia que não iria contar. Principalmente porque agora tinha a desculpa do elevador ter voltado a funcionar, dando voz ao ranger das engrenagens e o medo de queda.

A Essência da Morte: O Olho VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora