Fundamentalmente, ninguém sabia

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O que mais contentava Crystal era estar deitada naquele quarto a escutar os sons que lhe provinham da boca, tão serenamente, enquanto dormia. “Era um homem tão especial, com uma linguagem tão particular” pensava, enquanto o observava detalhadamente. Por vezes, tinha a certeza que comunicavam exclusivamente através da voz, não da linguagem propriamente dita, porque não era o conteúdo daquilo que cuidadosamente escolhiam para dizer, mas a entoação natural que davam a esse vocabulário. Não comunicavam através de palavras, mas entendiam-se por gemidos, como dois animais que rebolavam os corpos hirtos um no outro, cegamente conduzidos por uma intuição sexual puramente instintiva. Nessa procura de intuições, Crystal sentia que o seu espírito era obrigado a participar na explosão de êxtase. Êxtase puro e arrebatador. Ficava extenuada de tal forma que, após o sexo, aninhava-se na cama como um gato cansado e adormecia. 

Desta vez, olhou para Jonah e pensou se seria a animalidade que os conduzia. Seria aquilo só puro desejo desenfreado ou, na eventualidade de ser verdadeiramente animalesco, não nutriria aquela atração alguma inteligência? Existiria a necessidade de avaliar e intelectualizar os seus desejos ou não passaria tudo de uma gigantesca cobardia admitir que era bastante controlada pelo apetite ao invés de ser ela a controlá-lo?

Cresceu cercada de influências muito diversas e o seu mundo sempre a tinha ensinado a satisfazer a sua vontade, a procurar instintivamente os acessórios necessários à sua satisfação e bem-estar. O seu sentido crítico era, porém, demasiado apurado e representava, para si mesma, um traço tão característico da sua personalidade que, se não se tivesse habituado desde muito cedo a ficar saturada de tudo o que a circundava, se tivesse sido mais sossegada e paciente com as suas escolhas e os sentimentos, seria hoje uma mulher muito mais ponderada e agarrada às coisas.

- Não quero apaixonar-me por ti – disse decidida, suficientemente alto para que ele a escutasse e, depois, observou-lhe a resposta sonhadora no rosto. Muito intimamente, sabia que era uma possibilidade quase inevitável, assim como o encontro que os tinha levado a jantar naquela noite. Ou seria a incapacidade de contrariar as suas vontades?

Crystal conseguia vê-lo deitado de uma forma diferente daquela em que ali estava. Era um tipo de paixão muito singular. O seu corpo respirava quase só para ele. Sentia a fusão espiritual tomá-la quando ele a agarrava, quando estavam em contacto físico. A paixão era um estado que geralmente ocorria demasiado rápido e, talvez, dada essa característica, possuísse tal efemeridade. Não era propriamente a experiência que a conduzia àquele estado de paixão, porque muito pouco se desenrolava entre os dois que fomentasse aquele sentimento irreal, mas sim a idealização do que se poderia passar. 

A forma como instintivamente se aproximava dela e exigia a sua total dedicação, tinha criado uma quantidade de imagens mentais que não pareciam vir a extinguir-se e que a estarreciam. Independentemente da sua erroneidade, ele suscitava-lhas e isso impedia-a de dormir. Não conseguia desapegar-se delas. Pensou no homem que estava deitado a seu lado e concluiu que tal inquietação poderia não ser provocada só por ele. Seria a personagem que vestia na pele que possuía tamanha singularidade? A Sally do filme que interpretava. Aquela criatura feminina, extremamente romântica, que sentia e desejava que as coisas não durassem. Havia tanto de si nessa personagem. 

Jonah movimentou-se na cama e apertou-a contra si, como se tivesse ouvido as palavras e não pudesse permanecer-lhe indiferente. A ternura de tais carícias era limitada e não se passava nunca muito mais do que aquilo. No entanto, no seu íntimo, Crystal sentia que a imensidão do que ali ocorria era ilimitada. Escutou longe o som triste de um saxofone e apreciou o amante em silêncio, como se se tratasse de uma tela de desespero e romantismo. 

- Se me apaixonasse por um homem, seria por um homem como tu – escutou-se afirmar novamente, muito segura de si. 

Jonah apertou-a mais e ela, fragilizada, pensou em como nunca nenhum homem tão promissor a tinha agarrado tão firmemente. Olhou para ele, viu o egocentrismo de um génio e sentiu-se pronta para sacrificar os seus arbítrios em função daquele homem. 

O Pijama da GataWhere stories live. Discover now