🌻1. A Criança Mordaz 🌻

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Em uma Elérgia alternativa, havia uma cidade esquecida em meio ao oceano, numa ilha tão distante que ninguém — por mais aventureiro que fosse — conseguia chegar até lá

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Em uma Elérgia alternativa, havia uma cidade esquecida em meio ao oceano, numa ilha tão distante que ninguém — por mais aventureiro que fosse — conseguia chegar até lá.

No entanto, em meio ao desconhecido de seu coração, viviam crianças alheias a tudo que acontecia ao seu redor. Eram poucas, mas que não sorriam frequentemente ou podiam ser encantadas por magia e surgiam, como em um passe de mágica, nessa terra abandonada. Tudo ia bem, mais ou menos bem, até que uma criança despertou em sua curiosidade e decidiu ser a hora de encontrar a verdade sobre si mesma.

Era uma vez…

Essa criança.

Era uma vez…

Os seus sonhos.

Era uma vez…

Na única cidade em que a magia regia cada centímetro do seu interior, em meio a um bosque cercado por cercas-vivas, havia uma babá furiosa. A mulher, feita de folhas e madeira, segurava uma criança que berrava em plenos pulmões; tentando — mesmo que em vão — lhe colocar para dormir. As outras babás já haviam posto as suas crianças para descansar e somente ela, sempre ela, ficara responsável por Mitchal.

As rosas já cantavam em uníssono, alertando que a tarde se partia e as profundezas da noite se aproximavam daquela região. Os arrepios já lhe chegavam às orelhas, um alerta mágico para adiantarem o volume em suas vozes. Eram sopros e notas suaves, uma melodia confortável, mas que demonstrava pressa.

As almas sonhadoras já haviam se recolhido, os pássaros se escondiam em seus ninhos e os animais se acomodavam em seus esconderijos. Todos já estavam em seus lugares, menos os dois que causavam alvoroço no centro da Cidade Perdida.

— Precisa entrar na árvore, criança mordaz! — berrou a babá. As mãos ágeis, feitas de uma madeira flexível, segurando a criança pela camiseta, enquanto ele lhe chutava as pernas de pau.

— Não, não tenho sono agora, babá! — retrucou o menino em meio aos gritos. Os cabelos ruivos despenteados e o corpo se revirando em um ataque brutal. Aparentava uma fera arredia, incapaz de ser domesticada.
Era de fato maçante toda a situação, o menino era mestre em irritar a babá e sabia disso.

Todas as crianças que já se encontravam postas em seus leitos, se viam aconchegadas por cobertores de pétalas e chás de capim-limão. Dormiam em árvores ocas e compridas, iluminadas pelas lanternas e vagalumes. As janelinhas se avistavam fechadas, apenas aclaradas pelas luzes que jamais se apagavam durante o enoitecer.

— Sabe que precisa ir, Mitchal, já está tarde! — buscou argumentar a mulher que não tinha um coração batendo em seu peito; uma vez que ela sabia a razão para a algazarra do garoto, mas não poderia fazer nada a respeito a não ser tentar conter o ânimo do menino.

A folha que formava a sua cabeça pendeu para o lado, a finura da sua largura dando para ver os veios em que corriam a seiva da última rega do dia. Os dois frutos diminutos que formavam os seus olhos desejavam se estreitar, no entanto, ainda era impossível para ela fazer tantas expressões.

Portanto, para o seu refolgo, ouviu um pigarrear e a sensação de alívio inundou a sua face.

— Mãe postiça, deixe que eu cuido dele. — Ofereceu-se Zaya, uma das mais velhas entre eles. Os cabelos negros, penteados pelas almas sonhadoras, aparentavam ser a extensão da noite e o vestido, colorido e confortável, sendo um mimo das rosas.

O menino se desvencilhou do seguro apertado da babá e correu para aquela que desejava chamar a atenção. Elfie, a mãe postiça de todos eles, tentou ajeitar o seu vestido de palha e arrancou uma farpa formada pelos chutes do garoto.

— Obrigada, Zaya! Não queria lhe incomodar.

Zaya sorriu para Elfie. Em seus dezesseis anos, conhecia as maneiras sutis de acabar com a birra dos mais novos que ainda não compreendiam que estavam presos ali para sempre. Eles desejavam mais, porém, não era possível uma vida além daquela.

— Venha, pequeno, tenho uma boa história para lhe contar hoje.

O menino agarrou-se a sua mão e logo as rosas se recolheram ao ver o céu escurecer e perder as mesclas suaves em tons de girassol. A babá olhou de árvore em árvore, contando as vinte e três crianças que jaziam ali, esperando qualquer coisa ou simplesmente nada. A passagem dos dias, dos meses e dos anos…
Até o dia que seriam levadas para outro lugar, no qual a sua descrição prosseguia em segredo.

O vento refrescava e ajudava a apaziguar o calor que sempre fazia durante a noite. Mitchal se sossegou ao adentrar junto a Zaya na árvore que pertencia somente a ela. Era o maior tronco, no qual cabia ambos e mais crianças se fosse necessário. A árvore detinha folhas em tons de lavanda e se via abraçada por correntes brilhantes presenteadas pelas próprias estrelas, que a adoravam.

A babá, menos irritada e mais despreocupada, adentou em seu próprio tronco, mas não dormiria, apenas se protegeria do mal que rondava a noite e da escuridão que cegava os seus olhos. E ela ficara ali junto a todos, esperançosa mesmo que jamais ousasse dizer que sentia, ansiosa para ouvir mais uma das tantas histórias que Zaya fabulava.

Elfie se acomodou, vendo refletir em sombras, as cabeças das vinte e três crianças, as silhuetas das rosas que se achegavam para mais perto.

O ressoar do vento enfraquecera, visto que até mesmo ele desejava ouvir o que Zaya tinha a lhes dizer. O silêncio se apoderou do lugar e ela percebeu. Então, sentindo a expectativa de todos pairar sobre os seus ombros, a garota mais velha, com os olhos de oceano, encaixou o menino em seu colo e a voz da narradora ecoou por toda a cidade, em um eco que margeava ao teatral.

Era esse o perfil de histórias que os faziam perder o medo e permitia que as crianças caíssem no sono profundo, sem dar tempo para os pesadelos da horda adentrarem e confundirem as engrenagens da imaginação.

Assim, eles sonhavam com as coisas que ela concebia e partilhava, as quais eles foram impedidos por serem diferentes dela. Contudo, há muito tempo a escuridão do repousar deixou de existir.

Zaya fizera a primeira pausa.

O véu da magia pousara em sua consciência e lembranças jamais vividas se encaixaram ali.

— Era uma vez, uma jovem flor que; admirada pela beleza do mundo; desejou ser humana…

— Era uma vez, uma jovem flor que; admirada pela beleza do mundo; desejou ser humana…

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As Crianças Da Cidade PerdidaWhere stories live. Discover now