하나

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When there is no more room in Hell, the dead will walk the Earth.
Quando não há mais espaço no inferno, os mortos vão andar pela terra.
ㅡ Dawn of the Dead









Ele perdeu a conta dos dias, mas tinha quase certeza; já haviam se passado pouco mais que três meses desde quando tudo começou.

Jeon Jeongguk estava à beira de um surto psicológico nada fácil, porque o fim do mundo não era nada como o cinema e as séries tinham lhe prometido; não houve salvação depois do caos ou esperança após a tristeza. Não teve final. Não teve nada. Ele ainda estava ali. Com bem pouco além de medo, pavor, e uma crescente angústia degradante.

Preso naquele cubículo com menos de três metros quadrados e uma portinha de correr para um banheiro, jogado contra a parede e respirando o ar estagnado com cheiro de urina e fezes. Assistia a uma garotinha brincar com a boneca mais feia que ele já tinha visto e uma pelúcia encardida de unicórnio que dava pena, ela estava fazendo a boneca montar nas costas da pelúcia, como se estivesse vendo em seu próprio mundinho uma forma de escapar dali. Era uma criança magrela e pequena ㅡ sua irmã ㅡ, com cabelos castanhos bem escuros que agora caíam embaraçados sobre o rostinho fino e de olhos grandes, meio sujo e suado.

Jeongguk tinha certeza que o aniversário dela de sete anos seria em algum dia no meio da primavera, se ele conseguisse identificar, ou melhor, se os dois sobrevivessem até lá.

Estavam dentro do escritório há muito tempo, ele havia guardado água da torneira em um garrafão, e ela só parou de correr bem depois que o caos do lado de fora pareceu ficar cada vez pior, por dias ele precisou tapar os ouvidos de Sunye, sem querer que ela escutasse os gritos de socorro, dor e lamentos vindos do lado de fora, além das buzinas, motores, explosões, tiros e os rosnados... rosnados dos infectados, de algum jeito, esse era o pior som de todos, vindo daquela orquestra diabólica e repugnante do apocalipse, que durou bastante, até o silêncio vir. Um silêncio terrível que gritava em palavras cruéis: está tudo acabado. E isso foi bem quando a cidade começou a queimar, Jeongguk viu o brilho das chamas pelas pequenas janelinhas quase no teto do escritório, e o cheiro da fumaça ainda estava presente, grudado em sua pele e roupas.

Ele nem lembrava quando foi seu último banho ou qual era a sensação de estar limpo, de se sentir minimamente humano e decente.

Talvez devesse estar grato por ter achado um lugar seguro, pela comida furtada do supermercado e enfiada em sua bolsa gigante de acampar estivesse durando até agora, mas preso no lugar minúsculo e se sentindo cada vez mais ansioso e claustrofóbico, Jeongguk não sabia o quanto sua sanidade iria perdurar, e infelizmente, ele precisava dela para garantir que Sunye continuasse viva para brincar com seus brinquedos lamentáveis.

Saindo do transe causado pelos pensamentos caóticos, ele engoliu em seco, ficando de pé e indo até a mochila jogada perto da porta do banheiro. Desde que o encanamento parou de funcionar, o cheiro estava insuportável ali, então ele decidiu mover a bolsa para longe, sem deixar de sentir a pontada de preocupação tomar conta dele ao notar que ela estava quase vazia, e eles já estavam comendo bem menos do que antes.

Uma caixa de cereais pela metade, duas garrafas de 500ml de suco de pêssego, uma barra grande de Snickers, três latas de atum e uma de ervilhas, um vidro de morango em calda e dois pacotes de aveia, que Jeongguk realmente não sabia o porquê de estar ali, tinha pegado tudo no momento de desespero, pois não havia fogo para fazer mingau. Eram essas as únicas coisas entre eles e morrer de fome agora.

Duraria no máximo três ou quatro dias.

Jeongguk sentiu uma lágrima escorrer por sua bochecha.

LOVELY G̶O̶R̶E̶ DREAMS ; TAEKOOKWhere stories live. Discover now