𝑽𝒂𝒎𝒐𝒔 𝒂 𝒍𝒂'𝑩𝒖𝒕𝒂 ✔︎

547 67 10
                                    

Eu o amava quando o vizinho apenas tentava
ser ele mesmo, e o amo ainda mais sabendo que
finalmente conseguiu ser

Nem sei como consegui dormir. Acredito que a carga emocional contida na carta do Sr. Klein pai me trouxe cansaço o suficiente para cair em um sono pesado, profundo e sem sonhos (amém, porque eu não aguentava mais sofrer as diversas modalidades de torturas ocasionadas pelos sonhos loucos com o meu vizinho).

Estava nos meus planos acordar bem cedo para começar a espalhar meu currículo nos quatro cantos da cidade, porém quando abri os meus olhos já era quase onze da manhã. Grunhi de insatisfação ao perceber que havia perdido uma manhã inteira, que poderia ter me custado um emprego novo. Tomei um banho rápido, coloquei uma roupa bem apresentável, peguei uma pasta contendo os meus documentos e fui à luta. Não ia adiantar perder mais um dia, deixando-o cair na confusão mental e medos infindáveis. Mesmo que eu realmente fosse embora (notou que a frase está carregada de dúvida?), viver na casa dos meus pais sem ter o meu próprio dinheiro era como chegar ao fundo do poço, ou voltar pelo menos uns dez anos no cronograma da minha vida. Toda vez que eu pensava nisso, tudo o que eu podia sentir era uma vontade absurda de chorar.

A minha primeira surpresa do dia aconteceu assim
que abri a porta. Até soltei um gritinho de susto e admiração quando percebi a minha varanda toda florida. Sério, quando digo florida é tipo... mesmo. Havia vasos de todos os tamanhos, exibindo as mais variadas flores, com perfumes, cores e charmes distintos. Fiquei impressionado. Mais ainda porque as cores pareciam conversar entre si.

Aliás, as próprias flores pareciam querer me dizer alguma coisa muito importante, e aos berros.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Fiquei durante um tempão tentando identificar o conteúdo de cada vaso; posso dizer que encontrei rosas vermelhas, brancas, as reconhecíveis violetas, alguns modelos distintos de cactos (eles precisavam mesmo estar ali, faziam parte de tudo)... Já o restante, simplesmente não consegui.

Fiquei apaixonado por um vaso enorme com flores amarelas, parecidas com lírios. Acho que eram mesmo. O conjunto da obra me fez ter a ideia de que a minha varanda havia se tornado uma coisa muito além do que se via. Parecia a alma de alguém: a do meu vizinho... A minha. A nossa alma unificada e traduzida em cores, essências e texturas.
Levei uma mão à boca, tentando conter a grande emoção que sentia. Demorei tanto a me recuperar dela que quase não percebi que havia pisado em um envelope branco pequeno. Cheio de expectativa, e com o coração doendo de tão forte que batia, agarrei o bilhete como se fosse a minha vida. Abri o envelope, retirando de dentro dele um cartãozinho decorado com desenhos belíssimos de flores.

Aquela frase, escrita à mão e com uma letra horrorosa, fez-me rir e chorar ao mesmo tempo:
“Decifra-me, mas não me conclua, eu posso te surpreender.” Tia C.L.
Do simplesmente SEU, porque não aceito devolução de mim mesmo.

Desde que conheci aquele cara, estive inúmeras vezes prestes a ter um ataque cardíaco. Contudo, nada se comparou àquele momento. Minha vista até escureceu, e precisei entrar em casa novamente. Sentei-me no sofá aos prantos, esperando o controle retornar ao meu corpo. Não havia comido nada, por isso decidi pegar um copo de iogurte na geladeira e, entre lágrimas, bebi tudo. Respirei como se estivesse em trabalho de parto até finalmente me acalmar. Guardei o cartão na bolsa, retoquei a maquiagem leve e tentei atravessar o jardim com calma. Tinha certeza de que se o visse ali me atiraria em seus braços sem pensar em mais porra nenhuma. Aliás, atirar-me nos braços dele era pouco: eu estava quase arrancando minhas roupas e correndo pelado até ele. Quando o encontrasse, beijaria aquela boca até lhe engolir o cérebro e daria até que não sobrasse nada para contar a história (cruel, mas a verdade nem sempre é bonitinha).

 𝘖 𝘎𝘰𝘴𝘵𝘰𝘴𝘢𝘰 𝘋𝘰 105 ꧁☟︎︎𝕵𝖎𝖐𝖔𝖔𝖐꧂ Onde histórias criam vida. Descubra agora