CAPÍTULO DOIS

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Querido diário...

Eu enfim decidi sair de casa. A fome era tanta que não aguentei.

A primeira coisa que percebi após atravessar a porta de entrada, é que era segunda, dia de feira. E talvez por todos estarem tão ocupados, não tenham me visto.

Coberta por uma capa preta, que ganhei do meu pai quando este ainda era vivo, me dirigi a banca de frutas mais próxima.

Devia ter saído dali imediatamente, mas meu estômago reclamava tanto, que era como se não tivesse controle do meu corpo.

Assim que pus as mão em uma das várias maças expostas, tive meu capuz arrancado. Não me lembro do que pensei, apenas de correr, correr muito!

- Pega ladrão! - comecei a ouvir, e tenho certeza que também fui reconhecida, pois em dado momento, o nome "ladra" começou a se misturar com "bruxa."

O único rumo que pensei em tomar foi a floresta, meus pés pareciam ter vida própria, não me lembro de outro momento na vida ter corrido tanto. Estava tão no automático, que só percebi que enfim havia chegado, quando senti o cheiro de terra molhada.

Parei, tentando recuperar o fôlego. Minha visão estava embaçada, foi quando percebi que comecei a chorar enquanto corria.

Comecei a dar alguns passos novamente, mas não fui longe. Pisei em falso, e devo ter caído em algum barranco, pois senti meu corpo ser arremessado e saí bolando.

Tive a sensação de ser perfurada por mil agulhas, quando a água gelada atingiu o meu corpo. A correnteza do rio estava extremamente forte, e quando comecei a ficar desesperada por não sentir o chão, tive certeza que ia morrer. Me entreguei a toda loucura que tava acontecendo, e apaguei.

(...)

Acordei vomitando água. Meu primeiro pensamento foi de tristeza, ainda estava naquele inferno, talvez fosse melhor ter morrido.

A pequena bolsa que eu tinha colocado esse diário e algumas roupas antes de sair de casa, felizmente, ainda estava em volta do meu corpo.

Olhei ao meu redor, e foi quando percebi que não estava na mesma floresta de antes. O rio me levou ao teu outro lado, aquela era a floresta proibida.

Mamãe sempre me disse pra nunca ir até ela, sempre me contou histórias horrendas sobre bichos medonhos, já passadas a ela pelos seus pais, quando era pequena.

Agora, no momento em que escrevo isso, as folhas do caderno ainda estão úmidas pela água, e algumas colaram. Não sei como minha pena e o tinteiro não estragou, mas pelo menos escrevendo não me sinto tão só.

Fiz uma pequena fogueira, o frio é grande, mas só consigo sentir o medo.

(...)

Querido diário...

Meu único intuito era sobreviver. Sem comida, com muito frio e cansada, segui pela frente da floresta.

Meu coração dava um pulo a qualquer som considerado pouco mais alto que o normal. Era como se eu estivesse sentindo toda a vida deixando o meu corpo.

Descobri que machuquei o pé ao cair no barranco, então agora, também mancava.

Sendo cruelmente sincera, eu já estava pensando quais seriam as possíveis formas de acabar com tudo aquilo ali mesmo, na floresta.

Não sabia para onde estava indo, e mesmo que tivesse um lugar para ir, estava tão fraca que me perguntaria se seria possível chegar.

Foi quando comecei a me sentir observada, olhei para trás algumas vezes, mas não via nada. Quando um galho foi quebrado atrás de mim, meu coração deu um pulo, de novo não...

Comecei a correr novamente, mesmo mancando. A dor era indescritível, e não falo nem mesmo da física.

Não olhava para onde estava andando, então quando esbarrei em alguém, não foi uma surpresa. Senti a pessoa me segurar, e comecei a implorar para que não me machucasse, ou em outro caso, que fosse breve. Não via seu rosto, mais uma vez, chorava tanto e estava tão tonta, que minha visão era impedida:

- Calma Ana, sou eu! - foi quando percebi que a pessoa não estava me segurando, mas sim me abraçando.

- Mãe!

Ana.

A restauração das bruxas Onde histórias criam vida. Descubra agora