Capítulo 03

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Metade do dia já se passou e eu ainda estou aqui, perdido em meus pensamentos sobre a senhora e sua filha. Deve ser difícil viver sabendo que alguém tão próximo a você sofre de forma tão injusta.

Lucy me avisa que o jantar está pronto e eu caminho até a cozinha onde ele me espera sentado cortando um pedaço de cenoura cozida. Não sinto fome então apenas me sento ao seu lado para acompanha-lo durante a refeição.

— Você ainda está chateado por causa do que aconteceu de manhã, não é? — Ele tenta não ser invasivo. Apesar de sermos anjos, dentro de corpos humanos sentimos coisas que não podemos explicar e que não queremos realmente sentir. — Eu sinto muito que sua primeira impressão da terra seja essa.

Aceno com a cabeça em concordância.

— Escuta, Cassi. — No momento eu não sei se quero mesmo escutar alguma coisa. — O mundo está cheio de injustiças. Os humanos são assim. Mas você não acha que a justiça divina também é, em partes, injusta?

Ele me encara a espera de uma resposta que eu sei que não posso dar. Pelo menos não do jeito que eu acho que ele espera. Seus olhos escuros me encaram com pitadas de um sentimento que eu ainda não reconheço.

— Cassi. — Ele continua considerando meu silêncio uma resposta. — Eu entendo como você pensa. Entendo mesmo. Mas o Papai, ele só consegue ver preto ou branco. Ele não enxerga os tons de cinza.

Não sei se quero entender o que Lucy tenta me dizer e, por hora, decido esquecer este assunto.

— Sabe o que devíamos fazer? — Ele nota minha decisão. Eu digo que não com a cabeça, balançando—a de um lado para o outro em negativa. — Assistir televisão! É uma das coisas que os humanos fazem quando querem se distrair de seus problemas. Vem.

Lucy me puxa até o sofá. Ele aperta alguns botões de um quadrado pendurado num pedaço grande de madeira e a projeção de várias linhas coloridas surge.

— Um instante. — Ele começa a mexer em alguns cabos. — Agora sim.

Ouço vozes vindas do quadrado e a projeção antes sem sentido se transformou em alguns humanos. São dois. Lucy me disse que isso é um filme, um acontecimento fictício, ou não, gravado por alguns humanos para que outros humanos possam assistir e se entreter. Lucy se senta ao meu lado no sofá. Seus olhos brilham enquanto ele admira a projeção a nossa frente.

O filme que estamos vendo é sobre algo chamado romance. Ou seja, sobre um relacionamento amoroso entre dois humanos. Por um instante eu sinto inveja dos personagens.

Oh.

Eu não acredito que pensei sentir algo tão ruim quanto inveja! Espero que Papai não tenha ouvido isso. Meus olhos se arregalam instantaneamente. Infelizmente ainda não controlo as reações involuntárias deste corpo.

— Está tudo bem por aí? — Oh não, ele percebeu. — Não gostou do filme?

— Não é isso. — Me sinto tão envergonhado. — Eu tive um pensamento impróprio.

— É mesmo? — Ele parece animado. Ouso dizer que há um pouco de malícia em seu olhar. — E o que você pensou, anjinho do Papai?

Lucy pausa o filme e se vira em minha direção, apoiando a cabeça em sua mão. Ele me encara e eu sinto meu rosto arder novamente. Eu nem estou me movimentando!

— Eu senti inveja desses humanos. Eles podem amar. — Disse logo de uma vez.

Lucy parece pensar profundamente sobre meu caso de inveja, como se ele mesmo já tivesse sentido algo parecido.

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