XXXII

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Reiner Braun

Sinto uma pontada forte no topo da minha cabeça quando a claridade que vem das janelas do quarto atinge meus olhos e os fecho logo em seguida, respirando fundo e ainda tentando me situar. Onde eu estou? Volto a abrir meus olhos devagar e passeio com eles pelo cômodo, sentindo uma onda de medo subir pelo meu corpo a medida que reconheço a enfermaria do Quartel de Liberio. Me sento na cama em um pulo, grunhindo de dor em seguida.

- Vá devagar. - Ouço a voz conhecida dizer ao meu lado. - Ficou quase três semanas apagado.

- Zeke... - Passo as mãos pelo rosto, encarando o homem sentado na cadeira ao lado do meu leito. - O que aconteceu?

Ele suspira e arruma os óculos sobre o nariz.

- Nós perdemos. Mas pelo menos conseguimos fugir. - Zeke suspirou. - Perdemos o Titã Colossal também, infelizmente.

- O quê? Bertholdt está morto? - Pergunto com os olhos arregalados, tentando disfarçar o tremor em minha voz. Zeke apenas assente e sinto minha garganta se fechar em um nó. Ele havia sido meu único companheiro por tanto tempo...

Cubro o rosto com as duas mãos e fecho os olhos com força. Sinto meu estômago revirar em pensar que eu estava de volta, não somente sem ter cumprido minha missão mas tendo perdido todos os meus companheiros que haviam partido comigo. Annie ainda poderia estar viva mas Marcel e Bertholdt... Eles não voltariam mais para casa. De súbito, a pergunta que eu mais queria fazer surge dentro de mim, subindo com cautela até meus lábios até ser lançada na direção de Zeke:

- Onde está Stella?

- Morta, da última vez que chequei. - Zeke diz deixando escapar uma risada anasalada. - Não me olhe assim, não foi culpa minha.

Não consigo esboçar reação nenhuma além do choque, seguido do pânico. Não consigo ao menos sentir raiva de Zeke. Fecho os olhos com força e deixo que meu corpo caia novamente sobre os travesseiros, me virando para o lado oposto ao que estava Zeke e me encolho o máximo que posso entre os cobertores, desejando ficar pequeno ao ponto de desaparecer.

Sinto meu coração se partir de forma tão dolorosa que posso sentir a dor física se espalhando por todo o meu tronco, viajando devagar até as extremidades do meu corpo, que se contorciam. Não me esforço em esconder as lágrimas e tampouco me importo por chorar tão alto. Aquilo doía como o inferno e como que se para piorar tudo, podia ouvir a voz de Stella repetidas vezes em minha mente, como um mantra: "Eu preferia que você estivesse morto", foi o que ela havia dito naquela noite.

Mas agora, ela quem estava morta.

E a culpa era minha.

Stella Muller

O vinho desce amargo e quente pela minha garganta, espalhando o calor pelo meu corpo logo em seguida. O outono estava apenas começando mas já me faz estremecer por debaixo do pesado casco verde musgo da Tropa de Exploração. Olho para baixo encarando novamente a pedraria que havia recebido da Rainha Historia algumas horas antes, uma condecoração pela batalha vencida, o território da muralha Maria havia sido retomado com sucesso, mas a custo de mais vidas do que eu poderia contar.

Sinto um aperto enorme em meu peito. Independente da vitória, independente da festa que se esticava pela noite na cidade abaixo de nós, me sentia mais derrotada impossível.

–– Stella? –– A voz de Sasha chega até mim me trazendo novamente para a realidade. –– Você não falou quase nada desde que voltamos.

–– É, Muller. –– Jean diz, tomando a garrafa de vinho das minhas mãos e se sentando mais perto.

Estamos no telhado do quartel de Trost, ainda não havíamos voltado para o antigo castelo e duvido que voltaríamos tão cedo, considerando todos os fantasmas que nos esperam lá. O som das pessoas festejando ainda chega até nós, mas era melhor estarmos ali do que lá em baixo com eles. De todos que haviam partido para a missão de retomada das muralhas, apenas nove de nós voltaram para casa, carregando muitos corpos mutilados e entre eles, o de nosso próprio Comandante.

Não entendo a escolha de Levi em salvar a vida de Armin. Porque ele era mais jovem, talvez? Mas nós sabemos que naquele mundo os que são mais experientes valem muito mais do que carne nova. Junto forças para responder Sasha. Ela e Jean me encaravam preocupados.

–– Eu estou bem, eu acho... É que aconteceu tanta coisa, não consigo ao menos pensar em tudo. Não consigo processar. –– Suspiro, apoiando a cabeça no ombro do garoto ao meu lado. –– Nós perdemos muito.

-– Mas nós também ganhamos muito, recuperamos nossa terra e as pessoas vão poder viver com mais dignidade. –– Jean argumenta, não posso deixar de concordar com ele. –– Nenhum deles morreu em vão.

–– Eu sei. Todos estavam se sacrificando pela humanidade. Principalmente o Erwin. Ele sabia que essa escolha pesaria nos ombros até da memória dele. –– Digo. –– Ouvi pessoas dizendo coisas horríveis sobre ele.

–– Elas sempre disseram. –– Sasha reclama com desdém. –– Mas não vale a pena dar ouvidos a eles.

Apenas concordo com a cabeça, respirando fundo o ar frio e sentindo uma breve pontada em meus pulmões.

- Desculpe preocupar vocês. Não se preocupem comigo, eu vou ficar bem. - Digo aos dois, que sorriem em resposta.

Abraço Jean com um braço e estico o outro para abraçar Sasha, que não demora até se juntar a nós. Não sei dizer quanto tempo permanecemos ali daquele jeito, mas sei que ali estavam duas das pessoas mais importantes da minha vida, parte da família que eu havia ganho quando acreditei ter perdido tudo. Ainda mais certa de que o sol nasceria no dia seguinte, estou certa de que aquelas pessoas, não somente Sasha e Jean, mas todos os outros que haviam sobrevivido ao inferno em Shiganshina ao meu lado, não me abandonariam.

- Eu amo vocês. - Falo, disfarçando a breve vontade de chorar que me acomete. Os dois se afastam e Sasha finge estar brava com Jean.

- É culpa sua, Cara de Cavalo, eu disse que ela ia ficar bêbada logo.

- Mas foi você que roubou o vinho.

- Calem a boca, idiotas.

Nos encaramos por um milésimo de segundo antes de rirmos uns com os outros. Decidimos que está esfriando o suficiente e descemos do telhado, caminhando para nossos quartos. Sasha se oferece para ficar comigo mas digo a ela que preciso de algumas horas sozinha, o que é fato. Assim que fecho a porta atrás de mim e encaro o quarto simples vazio e gelado, sinto as lágrimas subirem aos meus olhos e soluço alto, cobrindo a boca com as mãos em seguida. Não quero incomodar ninguém com meu choro.

Pensar nele é inevitável. Pensar em seus aliados tirando a vida de pessoas inocentes como se pertencessem a eles para decidir. Onde estaria Reiner naquele momento? Hange havia dito que ele havia sido levado pela aberração que caminhava como um animal e servia de montaria para Zeke. Ele havia sido resgatado, teria sido levado de volta para casa, para o lugar horrível do qual ele havia falado? Fecho meus olhos com força e caminho até a cama, me encolhendo sobre o colchão frio.

Não importa quanto tempo passasse. Já faziam semanas e aquela pergunta não saía da minha cabeça, mas passo as mãos pelo rosto em agonia afinal, elas teriam que sair de uma forma ou outra, uma vez que Reiner e eu agora éramos tão inimigos quanto antes. Não importa o quanto eu sinta sua falta e tampouco o quanto eu o ame. Estamos muito próximos de uma guerra contra um inimigo praticamente desconhecido, diante de descobertas sobre nosso próprio mundo que ainda não somos totalmente capazes de entender.

Sei que estamos diante do que será talvez uma das partes mais obscuras de toda a história que será contada sobre nós um dia, mas também sei que a humanidade não vai deixar de lutar e derramar seu sangue pela própria liberdade e sobrevivência. Sei que não vamos nos acovardar diante do mundo que existe além das muralhas.

E isso é assustador.

The Fallen Warrior | Reiner Braun (EM REVISÃO)Where stories live. Discover now