03: O seguro morreu de velho mesmo?

828 135 65
                                    

Sanji não teria como dizer a hora ou o momento exato no qual se apaixonou por Zoro, mas sabia dizer o momento em que se tornou consciente disso: foi durante uma partida de basquete no ensino médio quando Zoro acertou uma bola em seu rosto. Quer dizer, não que a bolada tenha tido algo de especial ou que seu cérebro tenha sofrido algum tipo de mudança depois do impacto (pelo menos ele tinha quase certeza disso), mas quando Zoro se assomou sobre seu corpo caído e puxou o braço de Sanji sobre o próprio pescoço suado para ajudá-lo a chegar à enfermaria, Sanji soube que o coração batendo descompassado nada tinha a ver com o sangramento em seu nariz.

O cheiro de Zoro tão próximo; o calor corporal que o contagiava pela proximidade em que estavam enquanto Sanji se deixava ser arrastado pelos corredores; o irritante cabelo verde que o distraía durante as aulas e que, vendo de perto, não parecia tanto assim com grama; a orelha com os três furos que Sanji ajudou a fazer nas férias de verão (embora estivesse sem os brincos dourados que Zoro costumava ostentar fora da escola); a voz que, sendo ouvida de tão perto, agitava as já nervosas borboletas em seu estômago.

Esses muitos detalhes poderiam ser insignificantes para outros, mas para Sanji, que enumerava cada uma delas e as guardava no coração sem perceber, eram motivos de exasperação. Depois de tanto reprimir e negar para si mesmo o que sentia, ali estava Sanji tentando não demonstrar o quanto a proximidade de Zoro o perturbava. A fraqueza nas pernas nada tinha a ver com a bolada em seu rosto, afinal.

Claro, isso não o impediu de entender os xingamentos que Zoro largou em seus ouvidos durante todo o trajeto até a enfermaria, nem o impediu de retrucar a ele na mesma altura. Zoro o irritava na mesma medida que despertava sentimentos românticos. Mas apesar da não tão intensa animosidade entre ambos, Zoro permaneceu no cômodo observando o atendimento de Sanji até que o enfermeiro finalizou o curativo (um simples band-aid em um machucado na mão de quando caiu e algodão em suas narinas para barrar o sangramento que já diminuía o fluxo naturalmente) e o liberou de lá. Depois, os dois voltaram para a sala de aula com carrancas iguais, sentaram em suas respectivas cadeiras e fingiram prestar atenção nas aulas seguintes.

Esse falso atrito poderia ter sido encerrado aí e Sanji teria tido tempo para pensar em como amortecer esse sentimento que considerava inoportuno, mas, após o término das aulas daquele dia, Zoro resolveu acompanhá-lo até quase a porta de sua casa, talvez por algum resquício de peso na consciência pela bolada de mais cedo. E por mais que Sanji tenha rejeitado esse incomum gesto de boa vontade, Zoro andou carrancudo ao seu lado e somente se afastou para ir embora quando ficou a dez passos da entrada da casa de Sanji.

Sanji o assistiu se distanciando dali, torcendo pra que Zoro desse ao menos um olhar para trás, mas ele não fez isso e momentos depois sumiu ao dobrar a esquina. Apesar disso sentiu-se estranhamente comovido com o entorno geral. Mal tinha cogitado fingir que essa paixonite não existia e já parecia ter fracassado enormemente.

De todo modo, para não ficar em dívida com ele, Sanji comprou alguns picolés no dia seguinte — afinal estavam no auge do verão e qualquer guloseima refrescante era bem-vinda — e os deu de recompensa a Zoro. Sorriu com a expressão confusa que ele exibiu e saiu confiante de que agora estavam quites. Porém, no final da tarde Zoro jogou dois pães de melão em sua mesa e saiu antes que Sanji pudesse pensar em rejeitar.

E incapazes de deixar o orgulho de lado em prol de interromper essas trocas de guloseimas, eles mantiveram esse ritmo por tempo suficiente para o motivo inicial ser esquecido e das trocas deixarem de serem feitas com irritação para serem feitas de modo natural, quase como se fosse inevitável fazer isso. As vezes recebiam olhares confusos dos colegas de classe, principalmente quando evoluíram as trocas de comida para gestos inesperados de afeto. Perdeu as contas de quantas vezes deixou Zoro cochilar encostado em seu ombro ou com a cabeça apoiada em seu colo, também deixou de contabilizar mentalmente as vezes que Zoro simplesmente o puxou para que sentasse em seu colo quando os amigos tinham ocupado todas as cadeiras próximas, ou ainda os momentos em que Zoro ofereceu sua presença silenciosa e tranquila quando Sanji sentiu-se sobrecarregado com tudo mais.

ComodidadeWhere stories live. Discover now