Tomioka IV

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Quando ele se moveu, o amanhecer já despontava. Sua pele estava fria, o corpo rígido pela imobilidade.

Onis eram seres isentos de empatia, matavam e não simpatizavam pela dor causada. Tudo que lhes importavam era sua fome, pelo menos, era nisso que os caçadores acreditavam, no que ele acreditava. Por duas vezes, agora, ele se questionou.

Zero podia e deveria tê-lo matado naquele inverno, era o que qualquer outro em sua posição faria, o que Tomioka teria feito se tivesse a força para tal. Em realidade, além de não matá-lo, ainda mostrou uma consideração estranha com relação a sua saúde e posse.

O que ele viu ontem a noite, foi o que ele esperaria de um oni, o rosnar, a raiva, a diversão sombria. Era o que ele esperou que tivesse acontecido a ele naquele dia. O que ele não esperava, entretanto, era o desespero em seu tom, a recusa em acreditar no que ouvia, as lágrimas que brilharam nas orbens carmesim, a tristeza absoluta que o fez se curvar em si mesmo, sem sequer perceber.

Era fácil de esquecer, quando todos os dias daquele trabalho indigno, o caçador se deparava com corpos mutilados, famílias destruídas e olhares vazios, todos frutos daquelas criaturas. Era fácil de esquecer, quando ele mesmo foi um dos que testemunhou, que perdeu seu povo precioso, sem poder revidar. Era fácil de esquecer que onis já haviam sido humanos, que em um momento, eles sentiram como ele próprio.

Tomioka não sabia o que era aquela sensação, ele vivia por seu dever como caçador, era o seu propósito e redenção. Há muito ele não quis mais nada, não desfrutou de um hobbie, não buscou por mais do que já possuía, não nutriu nenhum sonho. Agora, ele queria saber mais, entender o que aquelas informações reunidas significavam, como aquele quebra-cabeças que era Zero se encaixava e quanto o fizesse, o que lhe mostraria.

Ubuyashiki-sama os alertou sobre confrontar luas superiores sozinhos, não era covardia, mas sensatez, eles teriam mais chances de eliminar a ameaça juntos. Contudo, agora, o caçador não buscava um combate, não ainda, por outro lado, ele queria entender. Ele não era o melhor rastreador, mas ele ainda tentaria. Zero estava perturbado, sua partida foi abrupta, ele não tentou encobrir sua presença ou rastro.

Por um momento, Tomioka apreciou as árvores queimadas, a fumaça ainda subindo lentamente, sentido o persistente cheiro de cinzas. Um suspiro lhe escapou, ele tinha uma estranha sensação que aquele era apenas o início de suas perturbações, o seu lado mais sensato o dizia para voltar a sede e relatar. Pela primeira vez em anos, o pilar da água, deixou -se ser guiado por outro senso que não dever, ele esperava fervorosamente que não fosse mais um erro, ele já havia tido o suficiente desses.

Lágrimas Ininterruptas (Concluída)Where stories live. Discover now