Tanjiro IV

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Ele correu. Por um tempo ele apenas correu. Sentindo o vento bater com força contra seu corpo, enquanto ele se lançava mais rápido. A fúria, o desespero e ansiedade, corroendo suas entranhas.

Ainda não era o fim, ele não podia se deixar acreditar nas palavras de um ser tão vil. Contudo, ele ainda tinha que ter certeza. Se aquele dúvida persistisse, ele poderia realmente enlouquecer. Nezuko era o seu pilar, o que o manteve seguindo por todos esses séculos, foi para ela que ele lutou, não desistiu, fez o que fez. Para que ela pudesse ter um futuro, para que ela deixasse de sofrer de algum modo, para que ela pudesse ter um pouco de felicidade, por mais efêmera que pudesse se mostrar.

Foi apenas quando a noite se tornou mais clara que ele parou, sua respiração acelerada, não pelo cansaço, ele não estava nem um pouco exausto, o que o fazia tão agitado, era todas aquelas emoções conflitantes que lhe sufocava. Indiferente ao seus arredores, ele rosnou um chamado para o nada.

- Nakime! Preciso ver Muzan-sama.

Aquele nome e respeito forçado, deixou um gosto amargo em sua boca, enquanto os minutos se arrastavam. Por mais que Muzan não pudesse invadir sua mente, como com os demais de sua espécie, ele ainda saberia que estava sendo chamado, aquele sangue contaminado, de uma forma ou outra, sempre os manteria ligados.

Logo, surgindo do nada, portas deslizaram abertas a sua frente, um mundo que se estendia sem fim, isento de sentido comum, foi apresentado a ele. Tanjiro o adentrou, e as portas desapareceram a suas costas, enquanto outra surgiu ao soar de uma nota. O cheiro de produtos químicos e ervas agrediram deu olfato sensível, o laboratório, era onde ele estava. Para alguém com tanto poder, Muzan se mostrava mais didático que músculos, não que isso o tornasse menos uma ameaça, pelo contrário.

A porta de madeira e papel, deslizou sem fazer barulho. Muzan não se voltou para ele, concentrado em uma mistura em mãos. Tanjiro forçou a calma a sua postura e mente, ainda que seu estômago estivesse frio e ele só quisesse gritar ou rasgar algo.

- O que quer?- A voz fria tinha uma nota de impaciência, ser interrompido nunca o agradou.

- Onde está minha irmã?- Tanjiro não protelaria, era isso, ele tinha um objetivo e algo não havia mudado, antes e agora, independente da sua natureza, ele era teimoso e quando tinha um caminho, ele não pararia até alcança-lo.

Com atenção, Tanjiro observou Muzan pousar o cilindro que esteve segurando, enquanto se virava, não houve pressa em suas movimentos. Olhos carmesim se choraram com os seus, ele não tirou nada de lá e pela primeira vez em séculos, zero não se curvou ao seu mestre.

- Entendo.- Foram suas próximas palavras, antes de continuar.- Levou mais tempo que julguei possível, mesmo como um oni, você continua a ser um tolo ingênuo.

Cada palavra afundou como uma adaga e sua respiração engatou, comprimindo seus pulmões. O medo cru gelou seu sangue e uma chama quente, ainda contida, fez arder seu coração.

- Mas o cheiro dela, eu o senti, mas de uma vez.- A realidade era muito difícil de se aceitar, negá-la era instintivo, um clamor desesperado para se proteger de uma verdade cruel.

- É mais fácil de controlar alguém que tem algo a perder. Forjar o cheiro de alguém, não é uma tarefa impossível, em especial quando a outra parte está tão desesperada por qualquer esmola que possa ter.- A chama cresceu, queimando, levando o frio do medo, fervendo seu sangue, ele não queria mais ouvir o que aquele demônio tinha a dizer, mas ainda sim, ele continou.- Aquela menina nunca esteve aqui, ela desapareceu em cinzas, há mais de quatro séculos.

Tanjiro piscou, havia um silêncio em sua mente, ao mesmo tempo que algo pareceu romper. O maldito zumbido, o engolfou. A chama queimou seu corpo, uma fúria fervente, como larva. Todo o senso se perdeu, ele não temeu por sua vida, ele não temeu o monstro a sua frente, pois ele mesmo era um. Um monstro sem nada para proteger, um monstro sem nada a perder. Um grito de puro ódio rasgou sua garganta, seus caninos se alongando, a fúria o tornando mais feral.

Muzan tirou tudo dele, ele precisava matá-lo, vingar sua família, fazer o mesmo sentir pelo menos um traço da dor que ele causou a tantos. Seu lado mais egoísta, só queria sentir-se bem, ter o prazer de sentir o sangue do outro em suas mãos, apreciar seu corpo se desfazendo em nada. Sua arte de sangue, rompeu para além da pele, as chamas lilases, mais vermelho do que nunca foi, devorando aquele mundo também criado por arte demoníaca, fazendo seu caminho impiedosamente, uma representação de sua fúria, além do controle.

- Eu vou matá-lo!- Tanjiro rosnou.

Os olhos de Muzan se tornaram mais cortantes, mesmo tomado, Tanjiro ainda era a lua superior zero e mais, suas garras alongadas cortaram suas palmas quando ele tomou o cabo de sua lâmina. O progenitor se moveu rápido demais, mesmo para ele, longos tentáculos cerrilhados com pontas semelhantes a foices, rasgaram a blusa branca, se lançando de todas as direções. Foi apenas sua visão aperfeiçoada e reflexos sobre humanos que o impediu se ser apunhalado, sua própria arma se movendo com um zunido ao cortar o ar e os apêndices, manchando a lâmina negra de vermelho.

Seus movimentos seguiram, mortais, furiosos, impiedorsos. As chamas consumindo o mundo. Iluminado todo em tons de lilás e vermelho.

O erro de Tanjiro, foi se deixar ser atingido, ele deveria saber melhor, Muzan não jogaria limpo. Quase que ao mesmo tempo, ele pode sentir o fluso de algo estranho invadir seu corpo. Ele sabia bem o que aquele sensação significava, o que ela traria. O sangue de Muzan era como uma droga, entorpecia os sentidos, logo lhe enchia de uma sensação de poder, tão densa, tão potente que seu corpo parecia pequeno demais para conter e isso, trazia dor, tanta, que ele se contorcia e gritava.

Alguém segurou seus cabelos com força, os puxando, o forçando a olhar para cima. Sua mente estava confusa, se dividindo entre sensações.

- Mais uma falha, acho que superestimei sua linhagem, afinal, você não é ele, mesmo que carregue a mesma respiração, nunca terá seu poder.- Raiva fez os olhos carmesim brilharem, então ele o soltou, deixando sua cabeça tombar com força sobre o chão enegrecido por chamas que se apagaram.

Ainda zonzo pela super dosagem que tomou seu corpo, ele não pode desviar quando o outro novamente se moveu contra ele, suas garras afundaram em suas órbitas, arrancando seus olhos e a completa escuridão lhe comprimentou, a dor fazendo sua cabeça latejar.

Tão terrível. Tão terrível.

Ele ouviu os passos, ele sentiu o cheiro de cinzas e sangue.

- Limpe, Nakime.

Tanjiro não ligou para as palavras ou o que mais acontecia ao seu redor, ele não ligou sequer para a dor, não aquela física, não quando outra, enfim, deixou sua mortalha cair. Ele falhou. Falhou de tantas maneiras. Incapaz de proteger sua família, incapaz de salvar Nezuko, cego para a verdade. Tudo foi em vão, nenhum de seus sacrifícios valeu de nada. Ele não passava de um monstro, como aquele que ele também falhou em matar.

O chão desapareceu sob ele e o vento assobio enquanto ele caia. Uma risada, tão quebrada, lhe espancou e quando seu corpo bateu contra terra úmida, ele só desejou que o amanhã chegasse logo.

Lágrimas Ininterruptas (Concluída)Where stories live. Discover now