Tanjiro IX

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Uma das costelas quebradas ameaçava perfurar seu pulmão, ele sentia a fisgada com cada passo dado, mas não podia parar, não quando o cheiro de sangue era tudo o que conseguia sentir. Ele engasgou com a próxima inspiração, logo sua boca estava cheia daquele líquido carmim, o gosto ferroso o fez enjoado. Cerrando os dentes, ele ignorou a dor, certo de que seu peito queimava por mais que apenas suas feridas e fraturas.

Aqueles haviam sido seus companheiros, seus amigos, a família que ele construiu depois de a sua ter sido quase que completamente extinguida. Tanjiro confiou sua vida a eles, não uma ou duas vezes, mas inúmeras, enquanto que a recíproca, era verdadeira. Ele havia sido tolo, acreditou que poderia convece-los, se eles apenas parassem para ouvir, ver. Nada adiantou, para eles aquele havia sido o maior dos crimes, impensável, imaginável.

Em um instante, nada do que compartilharam, importou. Eles tentaram a matar, então, Tanjiro interviu, se defendeu de cada golpe, ganhou tempo para que ela fugisse, para que vivesse. Seus olhos ainda estavam queimando, irritados por todas as lágrimas. Tanjiro foi incapaz de feri-los, nunca revidando a suas investidas, eles, por outro lado, tentaram o matar, não havia compaixão para um traidor.

Ele confiou nos caçadores, acreditou neles. Um erro. Havia sido um erro. Agora eles iriam caçar Nezuko, eles o caçaria também, isto é, se aquelas feridas não o matasse antes.

Sua visão estava turva, ele podia ver os pontos pretos que dançavam a frente. Havia um corte particularmente ruim em seu abdômen. Muito sangue perdido. Sua mente estava ficando confusa. Pensamentos quebrados. Segundos de vazio.

NEZUKO! NEZUKO! NEZUKO!

Ele tinha que encontrá-la, antes deles. Ele tinha que a proteger. Ela era sua última família, era tudo o que importava. Ele não podia ser fraco agora. Mas ele era humano, ele não era infalível, seu corpo estava mutilado, seus pulmões em chamas e o sangue continuava transbordando.

Seu pé enganchou em algo, como estava, seu corpo cedeu para frente, o fazendo cair como um grande fardo. Uma dor aguda se propagou do pé prezo, certamente quebrado agora. Aquele impacto foi demais, uma lufada de sangue subiu como bile por sua garganta, transportando por seus dentes cerrados. Era tanta dor, sua mente estava nadando, mas ele insistiu, tentado se agarrar a qualquer traço de consciência, controlando sua respiração, desesperado para amenizar os danos ou apenas atrasar o inevitável.

- Ne-Nezu-ko...- Um lembrete, uma razão para não ceder.

Ele não saberia dizer como conseguiu, mas de algumas forma ele reuniu forças pada se mover, rolando para ficar de costas, liberando seu pé do que ele pode ver ser uma raiz. Uma tosse chaqualhou seu corpo pelo esforço, estava quedrada, cheia de sangue, um presságio, a costela deveria ter perfurado os pulmões.

Sua visão estava nadando novamente, tornando o crepúsculo mais escuro do que deveria ser. Ele ainda sentia a urgência, todavia, seu limite havia sido alcançado e ultrapassado.

Nezuko estava sozinha em algum lugar, ela nunca esteve sozinha antes. Ele era o irmão mais velho, ele deveria a proteger. A impotência o desesperou mais, ele queria gritar, porém, nem para isso lhe restava fôlego. Foi naquele momento que uma sombra caiu sobre ele, mesmo com sua visão falha os olhos vermelhos fendidos foi o primeiro detalhe a se registrar. Um demônio, ele terminaria de matá-lo, então o devoraria, parecia um fim apropriado para alguém tão inepto.

- Você morrerá aqui, incapaz de salvar sua irmã, caçado por aqueles que considerou amigos. Que criatura fraca e lamentável.- O oni continou a falar, sua voz pareceu um sopro distante, algumas de suas palavras perdidas.- Se torne um oni, então você terá o poder necessário para salvar sua irmã, para se vingar daqueles que o mataram.

Ele não desejava vingança, não importava que eles tivessem o machucado, Tanjiro não os odiava, aquele sentimento era por si mesmo. Por outro lado, Nezuko ainda estava fora, em algum lugar, sozinha, assustada, em perigo. Para um caçador se tornar um demônio era o mais desprezível dos destinos, muitos poucos aceitariam a oferta, muitos poucos continuariam a viver depois de transformados, optando por ceifar a própria vida, isto quando restava alguma lembrança do que foram. Mas... Ele não podia deixá-la, ele já havia falhado tantas vezes, morrer ali, seria ela mais uma delas.

Ele precisava viver, por Nezuko, para a proteger.

- E-eu ace-aceit-o.

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Um barulho alto o tirou de seus sonhos, seus olhos abriram devagar, pareciam carregar grandes pesos. Em realidade, ele se sentia exausto, seu corpo estava letárgico e aquelas malditas lembranças continuavam a voltar. Havia sido assim desde que ele foi levado para aquele lugar, desde que permitiu que injetassem veneno de glicínias nele.

O veneno não era o suficiente para matá-lo, mas o deixava com sono e desde então, era o que ele fazia, dormia e sonhava. Estando em uma lugar fechado, com uma única porta de metal lacrada todo o tempo, era impossível para ele dizer quantos dias já haviam sido. O barulho continou, o das inúmeras tranças sendo abertas, não que aquilo o fosse deter, se de fato desejasse escapar.

Em outro tempo, a luz súbita vinda pela porta sendo aberta, o teria feito cego por minutos, tendo ficado tanto tempo no escuro. Como oni não fazia diferença, a noite parecia dia para ele, podendo ver com perfeição. Um rosto que começava a se fazer familiar foi o primeiro a se registrar, o pilar das chamas continuava brilhante e vibrante em suas cores.

- Estamos saindo.- Sua voz enérgica rompeu abruptamente o silêncio.

Ainda sonolento, Tanjiro apenas piscou, um pouco confuso, antes de as palavras serem assimiladas. Bem, já era hora.

Ele se ergueu lentamente, ciente do olhar fixo nele, atento a todos os seus movimentos, pronto para o pior. A última dosse parecia ter sido aplicada a horas, pois não havia qualquer sensação de enjoo. Esticando os músculos, Tanjiro se espriguiçou um pouco, testando os efeitos.

- Para onde vamos?

- Você verá.- Foi a única resposta que o caçador parecia disposto a dar.

Resignado, Tanjiro passou as mãos pela roupa amassada e suspirou. Ele não guardava ódio dos caçadores, pelo contrário, em certo nível, ele os respeitava. Por outro lado, com o sonho tão fresco, ele não pode deixar de ser mais cauteloso, se sentido um pouco nú sem sua lâmina. Não que precisasse de uma espada para matar.

- Então, como vai ser? Correntes? Mais glicínias?- Tanjiro perguntou, enfim, andado para encontrar o homem que o esperava a porta.

- Nada do tipo, você estará andado.

Bem, ele estava surpreso, mas supunha que era esperado, os caçadores não eram um bando de brutamontes... em partes. Tendo conquistado o sol, dificilmente havia algo por aí que lhe fosse de fato mortal, eles pareciam ter entendido isso. Com esse trunfo, ele esperava poder terminar com Muzan, mas ele não seria egocêntrico ou precipitado, nessa luta ele iria preparado. Tanjiro só precisava convencer alguns caçadores e seu líder, pessoas que viram o pior do mundo e que certamente, o desprezava pelo que era. Nada nunca veio fácil, ele já estava acostumado com isso, dessa vez, entretanto, faria o melhor que pudesse, o resultado, ele só poderia supor.

- Me guie.- Tanjiro sorriu.

Lágrimas Ininterruptas (Concluída)Where stories live. Discover now